A cada dia se desfaz o “mito” e se evidencia a fraude eleitoral. Seguiremos na resistência contra os ataques aos nossos direitos.
A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) representou um fato inédito na história brasileira: um governo com explícito discurso de extrema-direita foi eleito em sufrágio universal. As mobilizações de massa que ocorreram nas eleições, com destaque para o protagonismo das mulheres com o #EleNão, e a frente que se formou entre setores democráticos, populares e socialistas não foram suficientes para derrotá-lo, mas nos indicou o caminho da resistência: a mobilização de massas em defesa dos direitos sociais, civis e políticos conquistados pelo nosso povo.
Após 100 dias de governo, o que vimos até agora foi um show de horrores. Um clã familiar que propaga um discurso antipopular, estimula a violência contra mulheres, negros, indígenas, sem-terra, sem-teto, LGBTs; ministros que atuam para destruir o mínimo de conquistas do país nos direitos humanos; o estímulo à perseguição política a opositores, principalmente de esquerda; o recrudescimento da legislação coercitiva contra pobres e negros através, dentre outras iniciativas, do pacote anticrime apresentado por Sérgio Moro; o cerco à liberdade de imprensa e os ataques a jornalistas, dentre outras. O mais recente capítulo é o decreto para comemorar a Ditadura Militar, repudiado amplamente.
A lista de barbaridades é interminável. Além das questões postas acima, o governo tropeça em suas próprias pernas para construir base de apoio institucional. A tática de compor base de sustentação por “bancadas temáticas” não surtiu o efeito desejado e o governo ainda não conseguiu compor um campo de sustentação sólida no Congresso Nacional. O próprio partido do presidente, o PSL, é instável e vive expondo suas disputas intestinais ao público. Podemos afirmar que o governo se sagrou vitorioso na eleição da presidência da Câmara e do Senado, mas em contrapartida, tornou-se mais dependente do DEM, que comanda as duas casas e é o partido dirigente do “centrão”, ávido por fatias do orçamento federal para seus esquemas.
A família Bolsonaro e os seguidores do astrólogo Olavo de Carvalho colocam na ordem do dia uma guerra ideológica e promovem alinhamento subserviente aos expoentes da extrema-direita mundial. Os ultraneoliberais comandam a economia e, junto com os ruralistas, buscam entregar nossas riquezas às potências estrangeiras, privatizam a preço de banana setores estratégicos da economia e priorizam retirar direitos e abrir mercado para os bancos. Os militares, diante da inoperância governamental, cada dia ocupam posições mais estratégicas. E, correndo por fora, o Ministro Sérgio Moro. Em que pese recentes derrotas, um grupo de procuradores e o ministro mostraram que podem usar o aparato judicial para confrontar adversários e para angariar posições na disputa do Estado.
O governo Bolsonaro, sem sombra de dúvidas, ainda é instável politicamente, queimando importante capital político logo no seu início. Enquanto o clã Bolsonaro realiza seus jogos nas redes sociais, o povo sofre as consequências do desemprego, que aumentou no último trimestre, e da ampliação da pobreza e extrema-pobreza. As pesquisas publicadas neste início de governo mostram um crescente desgaste, ficando com aceitação abaixo a alcançada por outros presidentes no mesmo período.
Tal queda pode ser atribuída a vários fatores, dentre os quais podemos destacar as denúncias de corrupção e de envolvimento com milicianos do senador Flávio Bolsonaro, as denúncias do Laranjal envolvendo o PSL e pelo menos dois ministros (Turismo e Secretaria da Presidência), sendo que um teve que ser exonerado (Bebiano), a dificuldade de conquistar a mídia para a pauta conservadora do governo e para acobertar ou minimizar as trapalhadas governamentais, especialmente Globo, Estadão e Folha e, principalmente, a falta de mudanças concretas na vida das pessoas, permanecendo crescimento econômico pífio, elevação do desemprego e crescente desconfiança na capacidade do governo de fazer o país voltar a crescer.
Na parte econômica tivemos como pontos fortes o enxugamento de ministérios e concentração de poder nas mãos de Paulo Guedes (através da Medida Provisória 870), a proposta de reforma da previdência (para civis e militares). Além disso, as ações do ministério têm sido cheias de idas e vindas, principalmente pela pressão de setores econômicos que apoiaram Bolsonaro em confronto com a política liberalizante e de retirada de subsídios. A própria Política Externa do governo, a exemplo do alinhamento com Israel, entra em choque com interesses de frações do capital no Brasil. Além disso, foram retomadas as privatizações e a entrega de reservas petrolíferas.
As recentes viagens de Bolsonaro aos Estados Unidos e Israel e os acordos promovidos pelo presidente com os governos desses países mostram sua disposição de franquear a soberania do Brasil em nome de alianças com forças políticas de extrema-direita. A entrega da base militar de Alcântara, a supressão da exigência de visto para entrada de cidadãos dos EUA, sem contrapartida por parte do governo estadunidense, bem como a sinalização de transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, mostram uma diplomacia alinhada ao eixo mais reacionário da política internacional.
O governo decidiu atender aos interesses dos ruralistas e das mineradoras em várias frentes. Entregou as principais áreas do governo para seus representantes, retirou da FUNAI a competência de demarcar terras indígenas e quilombolas, anuncia intenção de liberar mineração em terras indígenas e orienta órgãos ambientais a fazer vista grossa aos impactos ambientais dos empreendimentos e grandes obras. Caso não tivesse ocorrido o crime de Brumadinho, esta ofensiva estaria ainda mais acelerada.
Mas, além de um governo ultraneoliberal e entreguista, estamos diante de um governo reacionário e que precisa alimentar sua base com ações de ataque aos direitos individuais e de aumento do estado penal em nosso país. O decreto que facilita a posse de armas foi uma resposta efetiva, que se liga de forma íntima ao chamado pacote “anticrime” apresentado por Sérgio Moro, que aumenta a violência das forças de segurança contra os mais pobres e aos negros e as negras. Também desfecharam ataques via os dois olavistas da área, Velez (trocado recentemente) e Damares, seja desfazendo políticas direcionadas às mulheres e LGBTs, como reforçando a lógica da “escola sem partido”. Avançaram na propaganda e iniciativas de militarização das escolas.
A instabilidade política do governo e as incertezas sobre a sua viabilidade podem ajudar as forças democráticas, populares e de esquerda a recuperar espaço na sociedade brasileira, ampliando a base de massas das mobilizações contra sua agenda política e econômica. Mas, de outro lado, pode gerar alternativas ainda mais autoritárias. Para o PSOL a única maneira de evitar esse desenrolar da crise é a esquerda e as organizações populares ampliarem sua inserção no seio do povo, conscientizando e organizando suas lutas por demandas imediatas e futuras, mobilizando-o contra o governo e ampliando a frente parlamentar contra a retirada de direitos na Câmara dos Deputados.
As forças democráticas, populares e de esquerda não devem cair no impressionismo. Apesar da confusão permanente no qual o governo está mergulhado, há uma clara agenda política e econômica: reestruturar o Estado brasileiro desmontando a Constituição de 88 e criando as condições para a aplicação plena da EC 95, direcionando o orçamento público para os interesses fundamentais do grande capital nacional e internacional e a reprodução do sistema da dívida pública. Para tanto, parte para a ofensiva visando destroçar o atual sistema de Seguridade Social, cuja destruição da previdência é a principal medida, e coloca como objetivo a desvinculação total das receitas, procedimento que seria um golpe tão forte quanto a aprovação da Emenda 95 por Temer.
Dessa forma, as políticas sociais de educação e saúde, só para ficar nesses dois exemplos, podem sofrer um gigantesco retrocesso. Esse objetivo está associado a posturas mais autoritárias do Estado, no executivo e judiciário; ao estímulo e condescendência às ações violentas de milícias rurais e urbanas; às pressões sobre o Poder Judiciário, como as recentes iniciativas contra o STF vindo de grupos civis de direita. A edição da Medida Provisória 873, por exemplo, tem como objetivo proclamado o enfraquecimento dos sindicatos, poderosa arma de organização da classe trabalhadora contra a reforma da previdência, e vistos como inimigos pelo governo.
Essa agenda não será realizada sem resistência. As mobilizações de fevereiro, contra a destruição da previdência, e março, Dia Internacional das Mulheres, jornada de lutas por justiça para Marielle e dia nacional de luta contra a reforma da previdência, apontam que só com muita luta de massas será possível resistir, conscientizar o povo dos ataques em curso e que estão por vir e melhorar as condições políticas e organizativas para um novo ciclo histórico ofensivo da classe trabalhadora e setores oprimidos. A construção e consolidação da resistência democrática e popular deve ser nosso objetivo prioritário.
Por isso, nossos esforços devem ser direcionados à organização da ampla resistência contra a agenda neoliberal, cuja materialidade atual é a luta contra a destruição da previdência social e a luta contra a ampliação do Estado Penal máximo, através do “pacote anticrime” de Moro. Apesar das trapalhadas dos 100 primeiros dias, sinais concretos de que haverá maior grau de unidade entre Governo, Congresso Nacional e a grande mídia oligopolista em torno da agenda neoliberal foram dados nas últimas semanas.
O PSOL seguirá engajado nas variadas iniciativas tomadas pelos movimentos sociais, sindicatos frentes e fóruns nos quais atua, como Frente Povo Sem Medo, APIB, Conlutas, Intersindical, distintos fóruns em defesa da educação, entre outros. Também seguiremos dando o combate pela unidade das forças democráticas em defesa dos direitos.
10 de abril de 2019
Executiva Nacional do PSOL
Bancada do PSOL na Câmara dos Deputados
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