Eslováquia: Um revés no euroceticismo de direita

Eduarda Johanna Alfena, de Campinas (SP)
Euronews

Zuzana Caputov

Na semana passada a República da Eslováquia elegeu a pessoa que ocupará a Presidência daquele país pelos próximos anos. Uma surpresa e tanto: quem ganhou foi uma mulher, Zuzanna Čaputová, outsider, pró-UE, e liberal.

Um pouco da história eslovaca

A República da Eslováquia é um país soberano situado no coração da Europa Central, logo acima dos Alpes. Como povo e cultura a Eslováquia existe desde a Idade Média, quando grupos eslavos se situaram na região por volta do Século V D.C. A primeira forma de organização estatal veio só em 833 com o “Grande Império” da Morávia.

Porém, por volta do 10° Século, sucessivas crises fizeram com que o estado fosse anexado ao vizinho Reino da Hungria. Assim ficou por séculos. Mesmo durante a existência do Império Austríaco e do sucedente Império Austro-Húngaro, a Eslováquia permaneceu como sendo posse da Hungria.

A independência viria após o cataclisma da Primeira Guerra Mundial, em 1918, em que esta se juntaria com seus irmãos Tchecos, e formaria a Primeira República da Tchecoslováquia, cuja capital seria em Praga (do antigo Reino da Boêmia e Morávia). Tcheco e Eslovaco sempre foram línguas muito próximas, e como os dois povos são eslavos, deram uma chance a unidade.

Porém, a parte eslovaca do Estado não se sentia representada o suficiente, e pequenas disputas começariam a ocorrer. Na porção eslovaca proliferaram-se grupos fascistas no final da década de 1920 e início da de 1930, e com isso, foi crescendo um forte sentimento nacionalista.

Vamos adiantar um pouco. Em 1939, na esteira da tensão diplomática entre Alemanha Nazista e a CSLK (Tchecoslováquia) pela posso dos Sudetos (uma cadeia de montanhas na fronteira entre a República Tcheca, a Polônia e a Alemanha), a Eslováquia apoiava fortemente a primeira. Uma situação de quase guerra-civil se impõe, com a porção militar eslovaca marchando rumo a Praga. Sem saber o que fazer o governo central CSLK (Tchecoslovaco) concordou em pedir ajuda militar a Alemanha. O governo do 3° Reich concordou em ajudar com a única exigência de a CSLK se tornar um protetorado alemão. Assim foi feito.

Tropas marcharam dos Sudetos em direção a Praga, e o Governo da CSLK fora de facto deposto. Por sua lealdade durante a Crise dos Sudetos, a Eslováquia ganhou sua “independência”, tornando-se a Primeira República da Eslováquia (1939-1945). A luz do direito independente, de facto um títere da Alemanha Nazista. Cerca de 1/3 do seu já pequeno território foi cedido para a aliada (da Alemanha) Hungria fascista.

Além de ter um governo clérigo-fascista, a Eslováquia ajudou a Alemanha com a deportação de judeus e outras pessoas indesejadas a partir de 1941. E muitos eram os voluntários que se alistaram na Wehrmacht (Forças Armadas Regulares da Alemanha) para a Invasão da União Soviética, mais cedo em 1941.

Acabada a Segunda Guerra Mundial, o país voltaria a fazer uma união com a República Tcheca, formando em 1948 a Segunda República Tchecoslovaca, pró-URSS, novamente com a capital da União ficando em Praga.

Mais tempo se passou, e novamente os eslovacos não se sentiam representados e valorizados dentro da União. A Eslováquia ganhava mais autonomia, e quanto mais ganhava, mais queria. A insatisfação foi ficando muito grande, a ponto de iniciarem-se movimentos populares. Parte da insatisfação era pela falta de representatividade, e parte pelo modelo Stalinista.

Em 1990, com a crise profunda da URSS, a CSLK se reorganiza e deixa de ser uma República Soviética, e se tem um pouco mais de calma. Mas ainda assim os eslovacos desejavam sair. Por conta das guerras causadas pela dissolução da Antiga República Socialista da Iugoslávia, temia-se um conflito também na CSLK. Mas este não veio.

Em meio às conversas pacíficas dos representantes das duas porções da CSLK, veio a “Revolução de Veludo”, nome dado pelo fato de tudo ter sido resolvido por meio do diálogo. Em 1° de Janeiro de 1993, não era mais a bandeira comum que tremulava, mas sim a da cruz dupla (ortodoxa) sobre as Montanhas Tatry. E a capital nacional não era mais em Praga, mas sim em Bratislava, as margens do Danúbio.

Desde então tanto a Eslováquia quanto a Tchéquia (nome pelo qual vem sendo chamado a República Tcheca) trilharam seus próprios caminhos, sem remorso, ódio, nem desejo de vingança. Apesar de ambas adentrarem no Bloco Europeu (UE) em 1° de Maio de 2004, apenas a Eslováquia usa o Euro (desde 2008).

Imigrantes? Aqui não!

Porém, mesmo sendo considerada “aluna modelo” da UE, o país tem suas questões. A Eslováquia faz parte desde 1991 (ainda como sujeito da CSLK) do Grupo de Visegrád. Como nem CSLK, Hungria, ou Polônia tinham perspectivas de adentrar no bloco-comum europeu, elas formaram seu próprio grupo. O objetivo era facilitar o desenvolvimento desses 3 (4 depois de 1993) países face ao poder de seu bloco vizinho.

Dado que Hungria e Polônia também aderiram a UE a 1° de Maio de 2004, o bloco ficou meio redundante. Continuou existindo, mas os membros não o utilizavam mais tanto assim. Porém, a situação mudou a partir de 2010, com a vitória do Neo Fascista e eurocético Viktor Orbán. O Grupo de Visegrád foi criado a convite da Hungria, e o premier usou isso para tentar espalhar sua agenda de extrema-direita pelos outros membros do bloco.

Porém, ninguém, dava bola para ele. Até a crise dos refugiados. Como dito no meu primeiro texto sobre o Brexit, a crise de Refugiados foi um divisor de águas na política europeia, fazendo crescer o sentimento eurocético, e criando grupos cada vez maiores e organizados. Pronto, agora as pessoas ouviam o Orbán.

Ouviram tão bem que a Polônia (PL) e a Tchéquia (CZ) elegeram governos neofascistas (PL) e de direita eurocética (CZ). E a Eslováquia? Quem controla o país é a coalizão que venceu as eleições parlamentares de Março de 2016. O Partido chefe da Coalizão se chama “Direção – Social Democracia (SMER – Sociálna Demokracia, em eslovaco). Ele se diz oficialmente Social Democrata, de Centro Esquerda, Pró-UE, “Socialista Nacionalista”, “Social Conservadorismo”, e populista.

Apesar de ser filiado internacionalmente ao Parlamento Europeu, em Strasbourg a “Aliança Progressista de Socialistas e Democratas (Extremamente pró-EU), na Eslováquia eles governam com o apoio de outros partidos: o Most-Híd (que representa a minoria Húngara da Eslováquia) e o auto proclamado populista de direita e ultranacionalista o Slovenska Národná Strana (O Partido Nacional Eslovaco – SNS).

O SNS existe desde 1989, e considera-se herdeiro do partido homônimo que surgiu ainda na segunda metade do Século XIX e lutava pela autonomia eslovaca dentro da Hungria. O SNS é representado no Parlamento Europeu pelo Bloco “Europa das Liberdades e Democracias”, que reúne quase toda a Direita Neofascista europeia.

Para se ter ideia do quão de direita é esse partido, o logo deles é de uma águia feroz pousada num escudo militar com o Brasão Nacional. O SNS histórico, lá do Século XIX, tinha alegada ideologia fascista. Ele se dissolveu em 1938, pra se tornar o caldo que deu origem ao partido Popular da Eslováquia, que presidiu o país entre 1939 e 1945.

Opa! O que eu disse mesmo que ocorreu entre 1939 e 1945 na Eslováquia? Ah sim, uma república Clérigo-Fascista. Então vejamos, a Social Democracia Eslovaca faz coalização de governo com o partido que se considera herdeiro do grupo que ajudou a formar o partido clérigo-fascista que transformou a Eslováquia num fantoche da Alemanha Nazista.

Mas e o outro partido? Apesar de se declarar pró Europa, o Most-Híd segue muito as diretrizes que sejam favoráveis, aos menos no seu ver, a Hungria. Parte da minoria húngara de lá se considera eslovaca e húngara, outra parte se considera húngara apenas.

Quem tem 2/3 do Parlamento Húngaro sozinho é o partido do Orbán, o Fidesz – Aliança Cívica Húngara. Portanto, o Orbán tem como ajudar a controlar a política eslovaca e romena (a Romênia é outro país de minoria húngara). Portanto, com a Hungria se fechando para os imigrantes, a Eslováquia seguiu e fez o mesmo.  O país deveria, em 2015, aceitar 902 refugiados, mas Bratislava só aceitou 16 pessoas.

A UE a processou, como também a Hungria e outros países por se recusarem a receber esses refugiados. Pelo menos Hungria e Eslováquia (SLK) recorram da decisão, e o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), sediado no Grão-Ducado de Luxemburgo, decidiu que sim, os países por estarem no bloco europeu são obrigados a receber as cotas de refugiados estipuladas por Bruxelas.

Isso foi um prato cheio para os eurocéticos da Hungria (HGA) e da SLK. Cada vez mais a direita e extrema-direita ganharam força. Não a toa, apesar do SMER ganhar as eleições de 2016, ele foi ficando cada vez mais para a direita, até se juntar mesmo com o SNS, principalmente depois da decisão do TJEU.

Reviravolta

Estamos em 2019, um novo parlamento surgirá em 2020, e até meados do ano passado se imaginava que a coalizão atual se manteria firme e forte, inclusive com a Presidência do País. Mas espere? A Eslováquia não é um país Parlamentarista?

Sim, a Eslováquia é uma República Parlamentarista Unitária. Quem exerce a função de Chefe-de-Estado é quem se elege para o cargo de Primeiro-Ministro. A figura do Presidente é apenas figurativa. Então qual o motivo de tanto furor com esse cargo? Simples. Enquanto o primeiro-ministro é eleito pelo Parlamento Nacional, cada grupo de países tem diferentes significações para o chefe de estado (presidente).

Lógico, tem que ser uma república para isso. Nas Monarquias o primeiro-ministro é eleito pelo Parlamento, e o Monarca por ele mesmo. Na Alemanha, por exemplo, o Presidente é nomeado pelo Chanceler (Primeiro-Ministro). Na França, o povo vota no Presidente, que nomeia o primeiro-ministro.

No leste europeu, via de regra, a população vota no presidente, e o Parlamento nomeia o Primeiro-Ministro, como no caso da Eslováquia. Porém lá, a eleição presidencial ocorre antes da parlamentar, mas por qual motivo? Simples também. O Leste Europeu tem um longo histórico de ser uma região politicamente conflituosa.

Portanto, muitos desses países realizam a eleição presidencial antes como forma de termômetro. Pois, via de regera, a força política que ganha a eleição presidencial também ganha a eleição parlamentar seguinte.

E a Eslováquia teve uma forte crise do Establishment no ano passado. Um grande jornalista investigativo foi achado morto dentro de sua casa junto de sua parceira. Ele estava investigando casos severos de corrupção nos altos escalões do governo em Bratislava. Foi um escândalo: milhares foram às ruas protestar. Foi tão severo que o Primeiro-Ministro Robert Fico teve de renunciar, devido à “inabilidade” das autoridades em chegarem a uma investigação conclusiva.

Fico era do SMER, e foi substituído em março do ano passado por Peter Pellegrini, do mesmo partido. A população eslovaca viu esse ato como uma tentativa do establishment de se preservar, e mais indignação popular surgiu.

Vários candidatos de vários matizes políticos. Uma eleição disputada. Assim como em vários lugares nos últimos tempos, também surgiram figuras outsiders, principalmente uma jovem advogada de 45 anos e ativista ambiental. O nome dela era Zuzanna Čaputová.

Ela ganhou notoriedade como grande advogada após vencer na Justiça um processo que se arrastava a mais de 14 anos, para retirar um aterro sanitário. Mesmo nascida na Bratislava dos tempos da CSLK, quase ninguém a conhecia na Eslováquia, ainda mais no exterior.

Fui surpreendida em Fevereiro quando apareceu uma publicidade dela antes de começar um vídeo no Youtube. Não entendi absolutamente nada, nem sabia quem era essa moça. Fui pesquisar, e só achei que ela era candidata a Presidência da SLK. Nada mais era dito.

Em meados do mês passado sai a notícia de que uma mulher tinha ido para o 2° turno da SLK. Fui checar, e lá estava ela, Zuzanna Čaputová. A matéria dizia sobre ela ser uma liberal outsider, de um partido nanico (Eslováquia Progressista, de Centro) que nem cadeiras no Parlamento têm, além de uma rigorosa agenda anticorrupção. A matéria focou nela ser divorciada, e mãe de dois filhos. Não é prova de competência, mas é algo incomum para um país tão conservador nos costumes. Por fim acabei descobrindo que a Čaputová se declarava pró Casamento e Adoção por casais homoafetivos.

Chegou o 2° turno e ela venceu o candidato ligado ao SMER por quase 60% dos votos. No sul, do outro lado da fronteira, Orbán entrou em crise. Ele vociferou contra Čaputová o segundo turno inteiro, e reconheceu que quase toda a minoria húngara da SLK votou nela.

Čaputová no dia da vitória fez seu discurso de agradecimento em eslovaco, como esperado. Mas também releu seu discurso em húngaro, e romani, este segundo o idioma dos povos ciganos Roma e Sinti, que formam cerca de 1% da população da SLK.

Considerações Finais

Eu não sou liberal, nem este site, nem nosso movimento. Mas eu também não faço parte da esquerda que se junta a direita deofascista. Acho que entre a coalizão dos horrores em Bratislava vale sim defender voto crítico na Zuzanna.

Acho que para todos vale mais uma Čaputová do que uma coalizão que vai até a extrema-direita. Lógico, não deixar que a presidenta eleita leve o país numa política neoliberal de desmantelamento dos direitos do povo eslovaco. Mas também apoiar seus projetos que são afeitos a diversidade e igualdade, e contra toda forma de ódio. Ela é, como já disse, a primeira mulher a ocupar a Presidência do País, e também a pessoa mais jovem a ocupar esse cargo.

A Čaputová tem a própria página de campanha, mas eu não pude aproveitar nada, uma vez que a mesma se encontra em eslovaco ou húngaro. Se alguém tiver domínio de alguma dessas línguas, fique livre para contribuir no debate.

Se a eleição dela resultará na vitória de uma coalizão pró-UE no ano que vem, e será o começo de um movimento de arrefecimento do Euroceticismo, só o tempo dirá. Mas a Čaputová é a primeira líder de um país da Europa Centro-Oriental pró-Bloco dos últimos anos, fenômeno que coincide com a crise do Brexit, e da crise na popularidade de Orbán tanto na Hungria quanto do Fidesz, no Parlamento Europeu.

*O texto reflete as opiniões da autora e não necessariamente do Portal.

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