“Nazismo de esquerda” é uma fraude histórica a serviço de um projeto de poder da extrema direita

Gibran Jordão*, do Rio de Janeiro, RJ
Reprodução / TV Globo

O presidente Bolsonaro, em Israel, visitou o Museu do Holocausto, que considera o nazismo como uma ideologia de extrema direita. Mesmo assim, acompanhou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, declarando que o nazismo é uma ideologia de esquerda. Na ocasião o presidente disse que o partido de Hitler chama-se: Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, e, por esse motivo, para ele o nazismo seria de esquerda.

Para Bolsonaro, transformar o Brasil numa ditadura seria o ideal, não é à toa a relação com as milícias e os elogios, saudosismos e comemorações em torno do golpe de 1964 promovidas por esse governo. Estão trabalhando noite e dia para avançar nesse sentido, mas só será possível se eles conseguirem desmoralizar a esquerda brasileira que é um imenso obstáculo para a extrema direita avançar. Eles não vieram pra explicar, vieram para confundir. E essa confusão tem um objetivo, tentar atingir politicamente todo o espectro de esquerda que existe na sociedade. Mas não só, querem também esconder que as ideias que o Bolsonarismo/Olavismo defende têm muitos pontos em comum com as de Hitler e de outras sociedades totalitárias.

 

Olga Benário, assassinada pelo nazismo

Há muitos exemplos evidentes que podemos citar que provam o contrário da tese desonesta de Bolsonaro e de seu ministro olavista. Nesse mês de abril fará 87 anos do assassinato de Olga Benário pelo nazismo, fato que desconstrói com muita propriedade essas declarações que ligam o nazismo a esquerda, então vejamos:

Olga Benário era militante do Partido Comunista Alemão (KPD), para cumprir uma tarefa pela Internacional Comunista, mudou-se para o Brasil em 1934. Foi aí que conheceu e depois casou-se com Luis Carlos Prestes, dirigente do PCB. Após o fracasso do movimento que ficou conhecido como a Intentona Comunista, Olga e Prestes foram presos em 1936. No mesmo ano foi deportada para Alemanha, grávida. Ao chegar na Alemanha foi presa pela GESTAPO (polícia nazista). No dia 23 de Abril de 1942, aos 34 anos de idade, Olga foi executada com outras 199 prisioneiras na câmara de gás no campo de extermínio de Bernbug, na Alemanha nazista, sem dó ou piedade. Ora! Olga Benário era uma militante de confiança da Internacional Comunista dirigida diretamente por Moscou. Se o nazismo fosse um movimento de esquerda, faria algum sentido uma execução de Olga em campos de concentração?

O destino de Olga foi igual ao de vários dirigentes do KPD (Partido Comunista da Alemanha), esse sim, uma organização de esquerda. E por isso foi banido por Hitler e seus dirigentes e militantes foram enviados para campos de concentração e assassinados. Assassinaram não só judeus, mas também gays, ciganos, negros, testemunhas de jeová, padres, deficientes e todos os membros da Resistência, entre eles, os comunistas. Estamos relatando os horrores do Nazismo e da segunda guerra mundial, no qual nazistas prenderam em campos de concentração e trabalhos forçados, torturaram e assassinaram milhares de militantes, simpatizantes e dirigentes da esquerda. Tudo amplamente documentado.

Depois da Segunda Guerra Mundial, quando os aliados, em especial as tropas do exército vermelho (URSS) derrotaram o exército nazista e invadiram a Alemanha, Hitler perdeu a guerra. Os países aliados (EUA, URSS, França e Inglaterra) em 1945 assinaram um acordo a partir do Tribunal de Nuremberg, que logo depois se tornou um tribunal penal internacional para julgar crimes de guerra. Vários líderes nazistas foram julgados e condenados, entre eles o vice líder do partido nazista e secretario particular de Hitler, Martin Bormann, que foi condenado à forca.

Somente esses fatos que são amplamente documentados destroçam qualquer tentativa de fraudar a história, no qual, Bolsonaro e aliados como Olavo de Carvalho estão trabalhando no Brasil para avançarem em seu projeto de poder. A cada desavisado ou fanático que conseguem convencer e formar em seus cursos sinistros com tais falsificações históricas, mais um passo é dado em seu projeto obscurantista de transformar o Brasil numa nação totalitária e intolerante com a diversidade de opiniões, em especial intolerante com qualquer ideia de esquerda.

O fato de ter a palavra “socialismo” no nome do partido de Hitler não quer dizer muita coisa. Na época Hitler usou o nome Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha muito mais para chamar a atenção das massas operárias que tinham a esquerda como referência.

No oficio de um historiado aprendemos a narrar e registrar situações históricas e caracterizar seus sujeitos não só pelo nome que eles se dão, ou qualquer caracterização que outros agentes possam dar a determinado sujeito. O critério mais importante são as ideias que em última instancia tais sujeitos defenderam para se concretizar, a política que defenderam diante dos mais importantes eventos históricos, a ação pratica concreta é o critério da verdade.

O francês Marc Bloch, um dos maiores historiadores do século XX, considerado um grande medievalista, e que por ser judeu também foi assassinado pelo nazismo em 1944, escreveu obras importantes que nos ensinam que os conceitos e definições que surgem no desenvolvimento da Ciência dos homens no transcurso da história podem sofrer mudanças. Absorvendo significados distintos em épocas e regiões diferentes.

Por exemplo. Se compararmos o Partido Operário Social Democrata Russo dirigido por Lenin, ou até mesmo o Partido Social Democrata Alemão, dirigido por Rosa Luxemburgo, com o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Vamos notar que são distintos em tudo, embora usem nomes parecidos. O PSDB de Fernando Henrique Cardoso não tem nada a ver com o partido de Lenin ou de Rosa Luxemburgo, tirando o nome, nada mais é parecido. Nem o programa, nem a metodologia de atuação, nem as táticas e muito menos seus objetivos estratégicos.

No Brasil podemos encontrar hoje vários partidos que tem em seu nome a expressão “socialista” mas que na prática não defendem como projeto estratégico o socialismo. É o caso por exemplo do PPS (Partido Popular Socialista) que de socialista não tem absolutamente mais nada, apoiou o impeachment de Dilma e chegou a integrar o governo do direitista e corrupto Michel Temer.

As próprias contradições do PT não nos autoriza dizer que os governos petistas foram socialistas, na verdade foram governos que fizeram algumas reformas no marco de uma concepção social democrata respeitando os limites do regime democrático convencionado na Constituição de 1988. Como também nos EUA, a expressão social liberal é considerada no imaginário da política norte-americana como uma corrente da esquerda. O Partido Social Liberal no Brasil é o partido da extrema direita ultra conservadora brasileira, é o partido de Bolsonaro. A expressão “populista” muito usada por Steven Bannon como a corrente conservadora que está em ascensão. Na América Latina essa expressão serviu para muitos analistas e intelectuais caracterizarem governos populistas de esquerda que surgiram pós crise do neoliberalismo na virada do século.

Para inflamar as contradições desenvolvidas pelo olavismo, é curioso o registro em vídeo de Olavo de Carvalho reivindicando o estudo da obra do economista alemão Werner Sombart, no qual ele diz ser o oposto inconciliável do marxismo. Olavo diz: “ Você tem que estudar, não a pessoa que disse um negócio parecido, e que se opõe ao marxismo em detalhes, como Durkheim ou Weber… Você tem que pegar alguém que fez a proposta 100% oposta, inconciliável, e tão ampla como o Marx. Por exemplo, porque você não pega o Werner Sombart no livro Nova sociologia, sociologia do espirito. Ah! Isso você não pode fazer, porque não tem ponto de comparação com o marxismo”.

Notem que o intelectual que Olavo diz ser 100% oposto ao marxismo é o mesmo intelectual que se apropria da expressão “socialismo alemão”, mas que de conteúdo não tem nada a ver com o marxismo, portanto não tem nada a ver com a esquerda e/ou com o comunismo. O próprio Olavo de Carvalho reconhece isso ao ponto de recomendar o autor como anti marxista, não se importando se ele utiliza ou não a expressão socialismo.

Werner Sombart tem um trabalho respeitado na Alemanha, realmente pouco conhecido no Brasil. Ao pesquisar a biografia de Sombart, constatamos que ele iniciou sua vida acadêmica tendo como referência o marxismo, mas que acabou mudando 180º sua posição política para um nacionalismo de extrema direita chegando a ser muito próximo dos nazistas. Werner Sombart utilizava a expressão “socialismo alemão”, que em sua concepção dava declarações no qual dizia que a ordem é “tirar o socialismo dos socialistas” numa versão alemã que tinha em seu conteúdo um estado totalitário e muito próximo da própria concepção nazista.

 

Uma fraude histórica

A historiografia produzida até hoje no mundo tem consistência teórica para refutar uma afirmação que quer se impor a fórceps artificial sugerindo que o Nazismo é uma corrente da esquerda. O Museu do Holocausto não confirma essa versão, os documentos do DOPS não apresentam essa concepção, a intelectualidade judaica no Brasil e em Israel não aceitam tal afirmação e muito menos a embaixada e toda intelectualidade da poderosa academia alemã não defende que o Nazismo é uma corrente desenvolvida no espectro político da esquerda.

Mas ter razão cientifica não é sinônimo de que está resolvida a questão, a luta ideológica que se abriu no país como uma fratura exposta, nos obriga a travar uma disputa política sobre narrativas históricas. Muitos cientistas tinham razão diante da Igreja Católica em outros momentos da história, foram enforcados, queimados em praça pública. E tal situação só foi resolvida através da luta política.

Eis que estamos diante de uma ofensiva para naturalizar uma fraude histórica no imaginário social. Aqueles que entendem a importância do estudo da história, do oficio de um historiador e da necessidade de impedir que o negacionismo/olavismo se imponha, precisa se levantar nesse momento e se posicionar. Antes que eles deem mais passos na transformação do Brasil numa colônia dos EUA sob um regime bélico, autoritário, ultra conservador baseado numa história desfigurada que é contada em universidades e institutos que serão criados com o nome de Olavo de Carvalho em homenagem ao patrono da contra revolução brasileira.

 

*Gibran Jordão é militante da Resistência/PSOL e Historiador.