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MUNDO

Erdogan, o “sultão moderno”, persegue ativistas

Por Gabriel Santos, de Maceió (AL)

Esta semana a justiça turca pediu a prisão perpétua de 16 pessoas sob a acusação de conspiração para derrubar o governo e participação na tentativa fracassada de golpe em 2016.

As acusações na verdade são mais um avanço de Erdogan na criminalização de movimentos sociais e de seus opositores. Os acusados participaram e foram figuras dirigentes dos protestos que tomaram conta da Turquia em 2013. Há seis anos, as ruas de Istambul foram tomadas por manifestações e ocupações de praças, em protestos que começaram com uma pauta ambientalista contra a demolição de 600 árvores do Parque Gezi, no centro da cidade, para a reconstrução do histórico Quartel Militar Taksim, que havia sido demolido em 1940. No parque também seria construído um gigantesco shopping.

A pequena manifestação de ambientalista, que contava com 50 pessoas, foi brutalmente reprimida pela polícia. Em decorrência disso os protestos aumentaram e tomaram diversas outras pautas, como o direito à cidade, a repressão governamental, o crescimento de influências conservadoras no governo, o neoliberalismo brutal e privatizações que vinham sendo feitas pelo governo. As manifestações se tornaram gigantescas, e chegaram a colocar mais de dois milhões de pessoas nas ruas da cidade mais populosa da Turquia e se espalharam por diversas outras regiões do país.

O único crime dos 16 acusados foi se manifestar contra medidas do governo. Todos negam participação na tentativa de golpe em 2016. Esta última acusação é uma tentativa de ligar os manifestantes com um golpe rechaçado pela maioria da população. Setores da oposição criticaram a decisão do promotor que pediu a prisão dos ativistas, e falaram que ela vem justamente para criar uma polarização na opinião pública e conseguir apoio a Erdogan e seu partido, AKP – Partido da Justiça e Desenvolvimento, no instante que se aproximam as eleições municipais, que ocorrerão no último fim de semana de março.

 

Os curdos, inimigos internos número um

Um dos principais alvos do regime tem sido os curdos. O Partido Democrático dos Povos – HDP é o partido que representa os quase 15 milhões de curdos que vivem no país e a oposição de esquerda turca.

O HDP é a terceira maior força parlamentar do país, e dia sim outro também, são alvos de críticas de membros do governo por sua suposta ligação com o PKK-  Partido dos trabalhadores do Curdistão, grupo considerado como terrorista pela Turquia, União Europeia e Estados Unidos, por lutar de forma armada pela criação de um Estado Curdo, buscando colocar a opinião pública contra o HDP e legitimar ações arbitrárias do governo que criminalizam o partido.

O governo interferiu em 30 dos 102 municípios governados pelo HDP. Demitindo os prefeitos e colocando outros em seu lugar. Tem feito batidas constantes em diversas sedes do HDP espalhadas pelo país, seja em diretórios municipais, estaduais ou no diretório central do partido. O governo fechou ao menos vinte meios de comunicação exclusivos do povo curdo, incluindo sua emissora de TV.

A capital do Curdistão turco é ocupada militarmente por tropas curdas, e lá dezenas de dirigentes do HDP foram presos, incluindo onze deputados.

 

Erdogan, “o sultão moderno”, e o golpe de 2016

Recep Tayyip Erdogan, o presidente turco, se encontra no poder desde 2002. Erdogan, ex-lateral esquerdo profissional, um assumido admirador nostálgico do Império Otomano, acumula o impressionante índice de ter participado de 15 eleições, desde cargos a prefeitura, ao parlamento e a presidência, e de ter vencido todas elas.

Líder dirigente e fundador do AKP, Erdogan foi o primeiro presidente da Turquia eleito por voto universal em 2014, e com as eleições antecipadas do ano passado, passou a acumular poderes quase absolutos em um dos países mais importantes, em termos geopolíticos, que apresenta a segunda maior força militar dentre os membros da OTAN, e uma das 20 maiores economias do mundo, apesar da queda do valor de sua moeda e da recessão.

Seu partido e seu principal aliado, o MHP – Partido de Ação Nacionalista, com viés nacionalista de direita, deve vencer com facilidade as eleições municipais que vão ocorrer por todo o país.

O nunca explicado golpe de 2016 marcou um giro na política turca. O já autoritário Erdogan deu uma guinada muito mais radical no combate às liberdades democráticas.  Apenas quatro dias após a tentativa fracassada que deixou um saldo de 240 mortos, Erdogan declarou estado de exceção e buscou reprimir não somente os que supostamente tinham participação no golpe, mas todo e qualquer opositor ao seu governo, desde jornalistas, a estudantes e professores universitários, passando por sindicatos e partidos de esquerda.

O próprio Erdogan chegou a afirmar, em entrevista, que o golpe foi uma “graça de Deus”, pois permitiu que ele e seu partido avançassem rumo a uma modificação no regime democrático, organizando um referendo que modificou a constituição e permitiu modificar mais instituições do País.

A Turquia é um exemplo de um governo ultranacionalista islâmica, autoritário e repressivo, com apoio popular, que busca implementar as medidas neoliberais na economia, dentro de um regime bonapartista.

Após a tentativa de golpe em 2016,  Erdogan iniciou uma verdadeira caça às bruxas, demitindo mais de 150 mil pessoas do serviço público. Foram mais de 6.000 demissões nas universidades, mais de 5 mil juízes tirados do cargo. A repressão policial e o avanço do judiciário foram responsáveis pela prisão de 138 mil pessoas acusadas de conspiração. É válido apontar que mais de um terço dos jornalistas presos em todo mundo se encontram somente em solo turco. Foram 200 jornais e canais de TV fechados pelo país e mais de 100 mil websites bloqueados. Também é válido ressaltar que Erdogan controla economicamente 90% dos meios de comunicação turcos.

O avanço reacionário de Erdogan e do AKP contra as liberdades democráticas é fruto de uma batalha destes para conquistar, além do governo, a hegemonia cultural e ideológica do país. Em discurso, Erdogan já afirmou que quer retirar das posições “de influência, dos mais diversos âmbitos, seja no direito, na ciência, na tecnologia, nos meios de comunicação” os grupos que são estranhos a tradição turca. Dessa forma, a cruzada de Erdogan contra qualquer um que ouse levantar a voz contra seu projeto nacionalista islâmico, será reprimido.

O fato de mesmo após mais de uma década de poder ininterrupto do AKP e de Erdogan, ainda existirem vozes destoantes, e com um determinado grau de influência, em especial nas universidades, mostra que o projeto daquele que tenta se tornar um sultão moderno, encontra resistência.

O histórico resultado do HDP nas últimas eleições parlamentares também mostra que existe um movimento contrário ao do governo. Com o indicativo da chegada de uma crise econômica no país a repressão do regime vai aumentar. A prisão de líderes dos protestos de 2013 também demonstra isto. Erdogan quer calar as vozes divergentes antes que estas possam convocar novamente as massas para as ruas. Para infelicidade de Erdogan, as vozes contrárias devem se multiplicar, e ter cada vez mais ecos com a forte crise econômica que se anuncia, mostrando os limites do projeto nacionalista islâmico. Como diz um velho ditado bíblico: “as crises forjam novas lideranças”.

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erdogan / turquia