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OPRESSÕES

Prisão do DJ Rennan da Penha escancara racismo do Judiciário

Juliana Lessa*, do Rio de Janeiro, RJ

Atualmente, o Baile da Gaiola é o maior baile funk do Rio (possivelmente o maior do país), reunindo milhares de jovens negros na favela Vila Cruzeiro todo final de semana. Depois de anos de sufocamento da criatividade funkeira e dos bailes pelas UPPs, a Gaiola trouxe mais uma grande renovação no funk carioca, com o estilo 150 BPM tocado por Mc’s e DJs. Essa renovação colocou o baile de favela de volta no centro do movimento funk, capturando o protagonismo dos estilos mais comerciais e embranquecidos que vinham ganhando destaque na mídia empresarial.

O principal organizador desse evento cultural é o DJ Rennan da Penha e, nos últimos dois anos, boa parte das músicas mais estouradas no cenário funk tem a sua assinatura. As músicas dele tocam nos carrões importados e nas boates da Zona Sul. Mas Rennan é negro, toca música de negro, em lugar habitado e frequentado por gente negra e pobre. E isso o Estado brasileiro não tolera. O racismo estrutural que existe no Brasil não aceita que um jovem negro e favelado alcance a posição de Rennan, se ele insiste em fazer das pessoas negras e dos locais habitados por pessoas negras e pobres o foco do seu trabalho. Suas músicas podem até tocar nos espaços da elite, mas o baile de favela onde o jovem negro se encontra e se realiza não pode existir.

Por isso, Rennan foi condenado em segunda instância a seis anos e oito meses de prisão em regime fechado, por associação ao tráfico de drogas. Repete-se, mais uma vez, a velha prática estatal: na Vila Cruzeiro, lugar em que chegam precariamente saúde, educação, lazer e saneamento, a repressão policial e as ações discriminatórias do judiciário chega como a principal política pública.

Um processo arbitrário e insustentável

Rennan da Penha foi acusado por uma “testemunha” de ser “olheiro” do “tráfico” e de ser o “DJ dos bandidos”, que “organiza baile pro Comando Vermelho vender mais drogas”. As “provas” usadas pelo Ministério Público são mensagens enviadas pelo WhatsApp em que ele supostamente informava aos bandidos sobre a movimentação da polícia dentro da favela. Qualquer pessoa que more, trabalhe ou passe perto de favela troca esse tipo de informação. É muito comum que grupos de moradores se informem sobre isso pra evitar se tornarem mais uma vítima de “bala perdida”. Essa é uma estratégia de sobrevivência. O proprietário do app Onde Tem Tiroteio também é olheiro do tráfico?

Também foram apresentadas como provas fotos em que ele aparece com réplicas de armas no carnaval, fotos que já tinham rendido um processo ao DJ no qual ele foi absolvido. Mas isso só parece ser evidência de conduta criminosa quando o jovem é negro. Quando o mesmo ato é praticado por apoiadores do presidente que defende a liberação das armas, não parece haver problemas.

Quanto à acusação de organizar baile pra aumentar a venda de drogas do Comando Vermelho, é preciso perguntar se a mesma acusação recairia contra o Roberto Medina (criador do Rock in Rio) ou contra os proprietários ou gestores das boates da Zona Sul, da Fundição Progresso, do Circo Voador e demais espaços frequentados pela classe média.

Rennan tem uma agenda de shows extensa por todo o Brasil, mas o Ministério Público atribuiu a ele o cargo de “olheiro”, ou seja, um vigia do tráfico, um dos cargos mais baixos na hierarquia do varejo da droga. Ao mesmo tempo, a pena que ele recebeu não condiz com essa atividade lateral atribuída a ele. Vale lembrar que nem o policial da UPP da Vila Cruzeiro ouvido no processo reconheceu Rennan como “olheiro” e que ele foi absolvido em primeira instância. Nada disso parece ter sido suficiente pra convencer a ministra Rosa Weber do STF a conceder habeas corpus a Rennan. Quando o corpo é negro, qualquer forma de liberdade é perigosa.

A capacidade mobilizatória do funk

Ao longo de sua história, o funk sempre foi intensamente reprimido pelo Estado, justamente porque tem a capacidade de mobilizar milhares de jovens negros, favelados e pobres que se encontram nos bailes pra se realizarem enquanto sujeitos. Desde os anos 1990, agentes do Estado tentam acabar com o baile funk. Diversos Mc’s, DJ’s e donos de equipes de som já foram presos sob as mesmas acusações que agora recaem sobre o Rennan.

Apesar de tamanha repressão, os funkeiros sempre resistiram. Sua insistência em continuar organizando e frequentando bailes funk nas favelas, peitando as políticas de segurança pública mais atrozes, é a maior prova de que esse espaço possui uma importância vital pra essas pessoas. Tanto é assim que foi com muita luta que os setores mais organizados da massa funkeira conseguiram arrancar do Estado o reconhecimento do funk como movimento cultural, por meio de leis nas três esferas de poder (municipal, estadual e federal).

Assim, nesse momento em que o Estado decide intensificar ainda mais a sua face violenta contra as populações periféricas, os espaços de lazer autogeridos pela própria classe trabalhadora se tornam, mais uma vez, alvo prioritário. Esse é um fato gravíssimo que deve ser repudiado por todos os movimentos sociais organizados, pois, diante da precarização da vida, esses espaços autogestionados são uma das poucas vias que restam pra elaboração da existência simbólica e política da nossa juventude periférica.

Por isso, a presença de todas e todos os lutadores no ato do dia 28 de Março pela liberdade do DJ Rennan da Penha é fundamental! Vamos todas e todos ao TJ do Rio, às 17h, denunciar esse ataque racista do judiciário ao funk!

Me solta, porra!

#Deixaeudançar

 

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Saiba mais: https://www.deixaeudancar.org/

 

*Juliana Lessa é professora de História, doutoranda em História Social da Cultura pela PUC Rio (onde pesquisa o processo de criminalização do funk) e militante da Resistência/PSOL.

Marcado como:
judiciário / Racismo