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BRASIL

3 – A estratégia segundo Valter Pomar

Valerio Arcary

Publiquei um post hoje ao final da tarde que é um rascunho de um artigo em construção. Poucas horas depois Valter Pomar publicou uma resposta disponível ao final destas linhas. O debate presencial e oral é muito comum na esquerda brasileira, mas não temos, infelizmente, muita tradição de debates sérios escritos.

Indo ao ponto, Valter critica a definição que apresentei do que deve ser a estratégia da esquerda diante do governo Bolsonaro. Defendi que o fim a ser atingido é derrotar Bolsonaro, se possível tentar derrubá-lo. Valter defende que a estratégia deve ser a luta pelo socialismo. Bom, pode ser que estejamos somente diante de um mal entendido porque viemos de distintas tradições teóricas. Socialismo, se entendido como estratégia, é um objetivo histórico, portanto, invariável diante de qualquer governo. Voltamos á estaca zero de elaboração. Qual deve ser a estratégia específica depois da derrota mais séria que tivemos nos últimos quarenta anos?

Estratégia e tática são termos importados pelo marxismo do vocabulário militar. São conceitos relativos. Estratégia são os fins, e as táticas são os meios. Nem mais, nem menos. Mas a luta política se desenvolve no contexto de uma situação concreta, em função da relação social e politica de forças. O tempo tem mensuração política. Na conjuntura atual não estamos em uma situação revolucionária, ao contrário, ela é reacionária. Não se trata de lutar pelo poder. Trata-se de lutar para bloquear um governo de extrema-direita com perigosas inclinações bonapartistas autoritárias.

A estratégia histórica é a luta pelo governo dos trabalhadores, ou seja, a revolução brasileira. Mesmo essa estratégia histórica é, também, relativa, portanto, tática porque a revolução brasileira, para marxistas, deve estar inserida na estratégia da revolução mundial para derrotar a ordem imperialista.

Mas dentro de cada etapa da luta de classes devemos eleger uma estratégia. Diante do governo Bolsonaro a estratégia hoje deve ser defensiva, em função da situação reacionária, e tem como fim a derrota da ofensiva contra os direitos, para travá-la.
E, quando possível, passar à contraofensiva e tentar derrubá-lo.

Derrotar significa, em termos táticos de curto prazo, bloquear a reforma da Previdência. E preparar as condições para tentar sair da defensiva, e passar à contraofensiva, como fizemos diante de Temer, para tentar drrubar o governo.

Aliás, podemos aprender com os erros. A possibilidade de derrubar Temer existiu há dois anos. Mas a maioria da direção do PT abraçou a estratégia do “Feliz 2018”, excessivamente, confiante. Já o o Psol não titubeou depois da greve geral de 28 de abril e da Marcha Nacional a Brasília em maio de 2017. Quando o governo Temer tremeu após a denúncia dos irmãos da JBS e as gravações no estacionamento do Palácio do Jaburu, o PSol tentou a via da mobilkização de massas pela antecipação de eleições diretas.

A diferença de estratégia pesa no desenlace do que aconteceu. Os erros se pagam, amargamente. Foi a maioria da direção do PT que fez o cálculo de que seria errado lutar pelo impeachment de Temer. Hesitou em chamar milhões às ruas porque temia usar contra Temer o método de mobilização de massas que o Bloco reacionário usou contrra Dilma Rousseff. Apostava que Lula poderia não ser condenado, e se condenado não seria preso e, se fosse preso ainda assim poderia ser candidato. E todas estas previsões demonstraram-se erradas. Por excessiva confiança nas instituições do regime, e por subestimação do perigo da candidatura Bolsonaro.

Não satisfeito com este debate, um pouco esquisito, se a estratégia é derrotar Bolsonaro ou o socialismo, Valter fez uma leitura enviezada do meu texto. Porque acrescentou, de seu próprio punho: “o fim a ser atingido é recompor o regime democrático-liberal”. Opa! Uma coisa é uma coisa e outra coisa é…

Não escrevi isso. Mas, tudo bem, vamos admitir que foi um ex-abrupto, um excesso polêmico. A defesa dos direitos consagrados na Constituição de 1988 é somente uma tática diante da ofensiva reacionária em toda a linha do governo Bolsonaro. E mesmo esta defesa dos direitos inseridos na Constituição não deve ser confundida com a defesa do regime institucional do semipresidencialismo.
Entretanto, para colocar “os pingos nos is”, se o governo Bolsonaro decidir destruir as liberdades democráticas, uma ameaça anunciada durante a campanha eleitoral, ainda hoje no campo das possibilidades que estão no horizonte, será correto fazer unidade ação com quem estiver disposto a resistir a prisões arbitrárias, ou outras provocações dos neofascistas. Sem qualquer vascilação. Sob pena de termos de fazer o balanço quando estivermos presos.

Resumo da ópera. Existem vários tipos de lutas políticas. Podemos classificá-las, simplificando, em lutas “frontais”, lutas “laterais”, e lutas “internas”. Não se pode lutar contra todos ao mesmo tempo. Fazemos escolhas. As lutas frontais são aquelas que fazemos com os inimigos de classe e seus representantes. Devem ser sempre a prioridade na esquerda. As lutas laterais são aquelas que fazemos entre as diferentes organizações de esquerda que combatem pela representação dos trabalhadores e dos oprimidos. A delimitação é importante porque as ilusões preparam a desmoralização, e a clareza de ideias é indispensável. As lutas internas são aquelas que acontecem no interior de cada partido, corrente ou movimento. São o pilar democrático de qualquer coletivo militante de esquerda: o respeito.

As lutas frontais são lutas que se expressam como luta de ideias, mas remetem à defesa de diferentes interesses de classe. As lutas “laterais” são lutas de ideias que remetem à defesa de diferentes programas, expressam distintas tradições, e podem responder a diferentes implantações sociais. As lutas internas entre aqueles que defendem o mesmo programa são a expressão das variadas pressões que resultam das vivências de cada um. Cada uma delas tem a as suas regras de conduta.

Valter Pomar é um dos dirigentes mais talentosos do PT. Inteligente, honesto e sério. E creio não ser injusto dizer que adora uma boa polêmica. Seus escritos são instigantes, às vezes ásperos e, frequentemente, demolidores. Já esgrimimos argumentos tantas vezes que, quem sabe, um dia publicaremos um livro só com elas.
A polêmica é um recurso necessário e educativo na luta política: o debate de ideias pode ser feito de forma rigorosa, porém, respeitosa. Entre nós dois tem sido sempre assim. Mas nessa resposta Valter resolveu brincar comigo, e se excedeu: “A diversão está em que, se Valério continuar nesta linha de argumentação e algum dia ele vier para o PT (quem sabe?), não estaríamos do mesmo lado. Seria ótimo: terminarmos de novo juntos no mesmo Partido, o Partido dos Trabalhadores, com Valério na ala direita”. Uma fantasia irônica indisfarçável, porque sabe como foi dolorosa a ruptura de 2016 com o PSTU.

Não, não estou ofendido. Ainda tenho senso de humor para rir de mim mesmo. Mas ao escrever estas linhas Valter foi injusto. Há uma mania “cartográfica” na esquerda brasileira. È a redução dos critérios que devem orientar a avaliação do lugar da posição política de cada um em função de uma deformada teoria do espaço.

Quem fala em todo e qualquer momento que é necessário fazer a revolução, quando a luta de massas deve estar centrada nos eixos que podem comover milhões, parece estar à esquerda, mas, na verdade, está discursando, impotente, para si mesmo.

Quem está à esquerda ou direita de quem não é uma “régua” marxista. A melhor palavra de ordem não é aquela que está mais à esquerda. Tampouco é aquela que é mais popular. Uma palavra de ordem pode ter grande ressonância popular e, paradoxalmente, cumprir um papel desorganizador e até reacionário. Uma estratégia política não deve ser avaliada em função de uma bússola espacial.

Um marxismo aberto deve ser boa ciência e usar como referência a realidade concreta da luta de classes. Quanto a prognósticos, receio que o futuro de Valter no PT será muito menos feliz que o meu no PSol. Oxalá não aconteça o pior no 7º Congresso do PT, e não avance a posição daqueles que, já nas últimas eleições, queriam apoiar Ciro Gomes, e evitar lançar um candidato próprio. Oxalá o PT se posicione por uma oposição frontal contra Bolsonaro. Não vejo qualquer perspectiva, contudo, de que o PT venha a abraçar a estratégia socialista e revolucionária que Valter defende. Mais provável, portanto, que a Articulação de Esquerda venha a se frustar e, quem sabe, repensar o seu destino.

A dinâmica da lenta, difícil, e até sofrida reorganização da esquerda passa hoje, em primeiro lugar, pelo PSol, onde a Resistência milita, lealmente, para a preservação da Aliança. Valter e os valorosos quadros da AE serão bem vindos, se e quando o desejarem. Nem à nossa esquerda, nem à nossa direita. Ao nosso lado.