No dia 19/01, em meio a protestos contra o aumento da tarifa do transporte público, o governador de São Paulo, João Dória, assinou um decreto restringindo os direitos de livre manifestação no estado de São Paulo. O decreto regulamenta uma lei aprovada em 2014 por Geraldo Alckmin, que diz ter como função “restringir o uso de máscaras ou qualquer paramento que oculte o rosto em manifestações e reuniões”.
O decreto não só proíbe de maneira bem ampla o uso de máscaras, mas como traz uma série de ataques à liberdade de manifestação e reunião. Seus artigos listam uma série de novas regras que manifestações terão que cumprir, dando mais um pretexto legal para a contínua repressão e criminalização de manifestações por parte do Estado brasileiro. Quatro que mais merecem destaque são:
1 – O aviso prévio: a proibição do protesto espontâneo
A partir de agora, qualquer reunião que tenha mais de 300 participantes terá que ser comunicada a Polícia Militar com cinco dias de antecedência. Isso sufoca a organização de qualquer tipo de manifestação espontânea em respostas a fatos políticos de grande relevância, como foi o caso dos atos chamados logo após o vazamento dos áudios do Temer, após o assassinato de Marielle ou mesmo após o crime da Vale em Brumadinho. É fundamental ressaltar que não são apenas manifestações de rua que sofrem com necessidade do “aviso prévio”, mas também qualquer tipo de “reunião”, ou seja, assembleias estudantis, sindicais ou mesmo de movimentos sociais convocadas sem o aviso prévio de cinco dias serão consideradas ilegais, o que criminaliza e restringe de maneira significativa a capacidade de articulação política desses setores.
2 – A decisão de trajeto: A diferença entre informar e pedir autorização
Outro ponto fundamental do decreto requer que, caso a reunião envolva o deslocamento dos participantes, o trajeto será decidido em conjunto com um comandante de batalhão da Polícia Militar, ou seja, subordinando a manifestação aos ditames da PM e facilitando a repressão policial. Esse elemento acaba por transfigurar o “aviso prévio”, que é constitucionalmente previsto, em uma espécie de autorização por parte do poder público, algo que é flagrantemente inconstitucional. Isso também sufoca qualquer tipo de ato que não siga os ditames tradicionais de deliberação.
3 – Identificação: Até máscaras anti-gás serão proibidas. Policiais podem continuar com máscaras
O decreto também proíbe o uso de máscaras ou de “qualquer paramento que possa ocultar o rosto da pessoa, ou que dificulte ou impeça a sua identificação”, ou seja, até máscaras de gás, que tem como uso a proteção contra as bombas jogadas pela polícia, serão considerados objetos ilícitos em uma manifestação. Ainda por cima disso, caso o manifestante se recuse a retirar a máscara, a polícia terá o direito de levar o manifestante à delegacia e o enquadrar o crime de desobediência (com detenção de até seis meses). Caso ele esteja sem documento de identificação, será facultado ao policial entrar em contato até com seu empregador afim de identificar o manifestante, com claro intuito de desincentivar a participação da classe trabalhadora em mobilizações. E ao mesmo tempo que o decreto exige a identificação de manifestantes, ele nem menciona a identificação dos policiais, que podem continuar mascarados e usando seus códigos alfanuméricos indecifráveis, dificultando de maneira significativa a denúncia de abusos policiais.
4 – As “armas”: Bandeiras poderão ser consideradas como armamento
A Constituição Federal veda o porte de armas em manifestações, mas o decreto de João Doria vai muito além do que a constituição quer dizer. Ele equipara armas de fogo e bombas a pedras e objetos pontiagudos, criando uma categoria de armas extremamente abrangente que não existe na legislação brasileira. O decreto deixa cria uma categoria tão extensa que facilmente guarda-chuvas e bandeiras de PVC poderiam ser classificadas como um tipo de armamento, dando mais uma justificativa para a intervenção policial em atos.
O decreto veio agora e não foi à toa
O decreto assinado por João Doria tem suas origens em uma lei aprovada em 2014, no contexto pós junho de 2013 e em meio aos protestos contra a realização da Copa no Brasil. A lei tinha a intenção de trazer regras que iriam dificultar a vida de manifestantes e dar maior amparo legal para a repressão policial, porém ela só foi regulamentada agora, e isso não foi em vão. O decreto foi lançado em meio a protestos contra o aumento das tarifas de transporte público e em um cenário político nacional de instabilidade.
Nesse ano o governo Bolsonaro irá tentar passar uma série de reformas que visam retirar direitos e conquistas históricas da classe trabalhadora, tal como o desmantelamento da previdência social e uma possível nova reforma trabalhista. Esses ataques vão encontrar resistência nas ruas, e disposições autoritárias como esse decreto visam restringir ao máximo o direito de protesto e resistência da classe trabalhadora. Não é de hoje que existem movimentações por parte dos legislativos estaduais e federal com o intuito de reduzir a capacidade de mobilização popular, tendo como exemplo mais infame a Lei Antiterrorismo, aprovada em 2016 ainda no Governo Dilma, em reação aos protestos de larga escala que ocorreram nos anos anteriores.
Nesse cenário onde os direitos a liberdade de manifestação e reunião estão sob ataque, é fundamental que todos os setores democráticos denunciem de maneira enfática esse decreto, sendo necessária uma articulação, tanto nos tribunais quanto nas ruas, em prol da impugnação dessa medida que visa criminalizar nossa luta contra os retrocessos.
FOTO: Policial em São Paulo, em janeiro, durante os protestos contra o reajuste de passagem | Cobertura Esquerda Online
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*Theo Távora é militante do coletivo de juventude Afronte
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