Pular para o conteúdo
Colunas

Decreto de Dória ataca direito de manifestação e reunião

Matheus Gomes

Deputado estadual pelo PSOL no Rio Grande do Sul, Matheus Gomes é historiador, servidor do IBGE e ativista do movimento social há mais de 10 anos. Sua coluna mostra a visão de um jovem negro e marxista sobre temas da política nacional e internacional, especialmente dos povos da diáspora africana.

O decreto anti-manifestações, assinado por Dória no último sábado (19), já começou a ser utilizado contra os movimentos sociais. Dois jovens foram detidos por policiais na noite de ontem (22), durante o protesto contra o aumento das passagens de ônibus e trens, organizado pelo Movimento Passe Livre.

Rasgando a Constituição Federal

Dória foi muito além da Constituição Federal, que já estabelece em seu artigo 5° normatizações sobre o direito ao protesto no Brasil. Os artigos 1° e 2° do decreto submetem completamente as polícias civil e militar a autorização para a realização dos protestos, ou seja, concede poderes políticos aos comandos das instituições que deveriam ser responsáveis pela segurança pública.

O caráter espontâneo de qualquer ação política também é vedado, pois, a partir de agora, a comunicação prévia deve ocorrer com cinco dias de antecedência e os movimentos precisarão ter condição de prever se haverá, ou não, a participação de mais de 300 pessoas na ação, para que ela seja autorizada.

Não bastasse isso, Dória também exigiu que as mesmas normas fossem utilizadas para a realização de eventos públicos com caráter de reunião, o que significa que, a partir de agora, uma assembleia sindical, ou estudantil, uma reunião para organizar o 8 de março, ou o 20 de novembro, podem ser desautorizadas pelas forças policiais.

Mais uma vez, o uso de máscaras como mote para a ampliação da violência policial

Foto: Manifestantes usam máscaras e pinturas em protesto pelo impeachment da Dilma. Jonas Pereira | Agência Senado

Com a regulamentação da lei sancionada por Geraldo Alckmin em 2014, Dória retoma o vulto dos “mascarados”, utilizado pela imprensa e governos para criminalizar manifestações em defesa dos direitos sociais desde junho de 2013.

Esse tema também é instrumentalizado de acordo com o gosto dos governantes. Por exemplo, nas manifestações pelo impeachment de Dilma, que trancavam por horas as vias públicas e contavam com a participação de Dória, diversos tipos de máscaras eram utilizadas para hostilizar e ridicularizar figuras ligadas ao governo.

Não se pode relacionar diretamente o uso de máscaras a ações criminosas. Aliás, o decreto criou uma definição ampla e imprecisa sobre “instrumentos que possam lesionar pessoas e danificar patrimônio público”, o que explica a tentativa da polícia em impedir o uso de bandeiras nos últimos atos, mesmo as com mastros de PVC.

Outra questão preocupante do decreto é a legalização da apreensão de qualquer objeto de “interesse policial”, o que dá liberdade para os policiais construírem o enredo que bem entenderem sobre as manifestações, legalizando a prática dos “enxertos”. Enquanto isso, seguem as ações arbitrárias realizadas por policiais sem identificação.

Resistir em defesa da liberdade de manifestação e reunião

Sabemos que a garantia ao direito de manifestação e reunião nunca foi plenamente respeitada no Brasil, mas a situação se agrava com a onda bolsonarista. Enquanto isso, não existe até hoje qualquer parâmetro que estabeleça regras para o uso da força policial em manifestações populares, o que desrespeita normas internacionais.

Recentemente, a Secretaria Pública de São Paulo enviou representantes para Londres com o intuito de preparar a ação dos mediadores de manifestações, os coletes azuis. Mas a polícia paulista, e de todo o país, está completamente distante de qualquer parâmetro londrino, onde entre 2013 e 2014 a polícia só usou armas de fogo em duas ocasiões.

O que vimos nos últimos protestos foi a ampliação da violência, que atingiu manifestantes e também jornalistas. O objetivo é impedir que a população expresse sua insatisfação com a piora nas condições de vida e a retirada de direitos sociais. É preciso que as organizações de direitos humanos, movimentos sociais e partidos políticos rejeitem o decreto, com medidas jurídicas, ações institucionais e a reafirmação das ruas como espaço livre para manifestações políticas.

Foto: Policiais em protesto, em SP | Pedro Muniz – Esquerda Online