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OPRESSÕES

Ares, Soren e o suicídio de pessoas trans e LGBTIs

Por Travesti Socialista

No último sábado, 19 de janeiro, Ares Saturno e Soren Neres Denardi, um casal de pessoas trans de gênero não-binário, ou seja, que não se identificam com o gênero feminino nem o masculino, cometeram suicídio. Oportunistas de todo o tipo, da esquerda à direita, estão utilizando este infortúnio para justificar seus preconceitos contra pessoas trans, particularmente as não-binárias. Com distintos argumentos, reforçam a ideologia de que o suicídio é causado pela própria transgeneridade, e que esta, portanto, seria uma doença. Vamos aos fatos: qual é a real causa do suicídio de pessoas trans?

O suicídio de LGBTIs e o discurso médico

Ao final do século XIX, médicos começaram a categorizar e estudar os homossexuais e logo perceberam que eles tinham muitos problemas sociais e psicológicos. A maioria deles concluiu que a homossexualidade supostamente seria uma doença que causa depressão (e consequentemente suicídio) e também promiscuidade (por isso tantos homossexuais recorrerem à prostituição).

Após a Revolta de Stonewall em 1969, as lutas do movimento LGBTI forçaram diversos países a revogarem as leis que criminalizavam a homossexualidade e fizeram com que a medicina reconhecesse que a homossexualidade não é uma doença.

Infelizmente, o mesmo não se deu imediatamente com a travestilidade e a transgeneridade, que só agora estão sendo despatologizadas. A justificativa, por incrível que pareça, é a mesma: dificuldade de se ajustar socialmente, depressão, suicídio e prostituição. As causas desses problemas nas pessoas trans são exatamente as mesmas causas destes problemas em gays, lésbicas e bissexuais, embora em intensidades muito diferentes. Apesar disso, apenas agora, meio século depois, a medicina reconhece oficialmente esse fato – embora alguns médicos, como Magnus Hirschfeld, já diziam isso desde o século XIX.

Mais uma vez é preciso dizer: o suicídio é causado pela opressão, não pela transgeneridade

Segundo algumas pessoas, a transgeneridade, por si mesma, ou então o uso de hormônios, seria a causa dos diversos problemas sociais e psicológicos, entre eles a depressão e o suicídio. Outras, o cúmulo da estupidez, associam isso à identidade de gênero não-binária. Ignoram os fatos: pessoas trans sofrem diversos tipos de violência psicológica, física e sexual na família, na escola, no trabalho e até mesmo em lugares públicos, o que obviamente prejudica a saúde mental de qualquer ser humano.

Os dados das pesquisas estatísticas, como os da pesquisa da Fundación Huésped, são assustadores: [1] cerca de 40% das pessoas trans foram isoladas de suas famílias pelo preconceito, cerca de 50% dessas pessoas já abandonaram a escola antes de completar 18 anos, cerca de 50% já tiveram um emprego negado por serem trans, 80% das mulheres trans entrevistadas já foram detidas e, destas, 43% foram sexualmente abusadas por agentes de segurança.

Por acaso essas pessoas negam que sofrer violência na família, na escola, a falta de emprego e a violência sexual também são fortes causas de depressão e suicídio? É mais fácil enxergar esse fato simples e óbvio do que enxergar um elefante a um palmo de distância do próprio nariz.

E sobre Ares e Soren, por acaso essas duas pessoas não passaram por várias dessas violências que afetam a maioria das pessoas trans?

Antropólogas de vários países já estudaram diversas sociedades nativas ao redor do mundo nas quais pessoas transgêneras são socialmente reconhecidas e aceitas. Em nenhuma delas é possível associar qualquer doença psicológica à transgeneridade.

É mais do que evidente que o suicídio de Ares e Soren, assim como as tentativas de suicídio que afetam cerca de 40% das pessoas trans, não são causados pela transgeneridade em si, mas sim pela violência transfóbica a que elas são submetidas todos os dias. Qualquer pessoa que não esteja totalmente cegada pelo ódio será capaz de tirar essa conclusão.

[1] https://www.huesped.org.ar/informe-situacion-trans/

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transfobia