A votação no Parlamento Britânico do projeto de acordo de saída da União Europeia – o Brexit – estava marcado para acontecer no final de 2018, sendo adiado pelo governo às vésperas da votação pela avaliação de que sairia derrotado. Este acordo, construído durante os últimos dois anos entre os governos de Londres e as lideranças do bloco europeu, sediadas em Bruxelas, previa uma separação branda entre o Reino Unido e a UE, e deixava diversos pontos cruciais em aberto.
A nova votação está marcada para amanhã, terça-feira (15). A situação atual da Primeira Ministra Theresa May é ainda mais complicada que na data inicialmente prevista. A PM esperava que Bruxelas flexibilizasse alguns pontos do acordo, especialmente a questão da fronteira terrestre na Irlanda (com a Irlanda do Norte), item essencial para que o DUP – partido de Direita na Irlanda do Norte que, apesar de pequeno, é o que confere maioria à coalizão governista – votasse pelo acordo. Porém, a UE se manteve firme e o acordo será votado exatamente como estava, sem a alteração de uma única vírgula.
Vale ressaltar que o projeto do governo enfrenta forte oposição em setores de seu próprio partido que consideram o Brexit “brando demais”. Por isso já se posicionam claramente contra o mesmo, chegando a questionar a presença da PM à frente do governo. Chegaram a apresentar uma moção de desconfiança dentro do Partido Conservador que, caso fosse vitoriosa, a obrigaria a renunciar à liderança do Partido e, consequentemente, ao cargo de PM. Entretanto, a moção foi derrotada por uma margem não muito confortável.
Nas últimas semanas, ao perceber que dificilmente conseguiria alterações no acordo por parte de Bruxelas – ou mudanças favoráveis em relação aos votos -, Theresa May passou a falar em uma saída sem qualquer acordo, o chamado “no-deal”, como forma de pressionar setores políticos e sociais a aceitarem seu projeto como um mal menor.
Essa é uma das “ameaças” que May vem fazendo ao mercado e políticos burgueses. A outra é que uma derrota significaria o colapso de seu governo, que seria forçado a chamar eleições gerais e, com isso, abrir caminho para a possibilidade de um governo de Jeremy Corbyn e seu Manifesto “For the Many, Not the Few”.
Theresa May: derrotas importantes em menos de 48 horas
Nesta reta final da votação desta terça-feira (15), o governo já sofreu duas derrotas importantes no parlamento. Na terça-feira (8), o parlamento derrotou o governo aprovando um dispositivo que praticamente impede a solução do no-deal.
No dia seguinte, quarta-feira (9), determinou que, caso perca a votação do dia 15, Theresa May dispõe de apenas três dias para apresentar uma alternativa – o governo estava propondo ter um prazo de três semanas. Na prática, uma provável derrota na votação do dia 15 deixa o governo May em uma situação ainda mais insustentável do que já se encontrava anteriormente.
As diferentes frações burguesas perante o Brexit
A vitória no Referendo foi considerada a primeira manifestação do mesmo fenômeno que levou a eventos como a eleição de Trump e a própria vitória de Bolsonaro no Brasil: o sucesso em frações não hegemônicas da burguesia em, aproveitando o desgaste dos governos tradicionais e suas políticas de austeridade, apresentar uma alternativa mais nacional-autárquica baseada em um discurso ultra reacionário e racista / xenófobo. Esses setores, que avaliam ter condições de aumentar seu espaço (e lucros) com uma economia isolada da UE, defendem um hard-Brexit (separação total). O atual projeto não atende à essa reivindicação.
Já as frações burguesas centrais, incluindo os setores hegemônicos do imperialismo britânico e europeu – principalmente o capital financeiro – a “City” -, tem muito a perder com esta separação. Com isso, desde a derrota no referendo de 2015, vem dando uma batalha política para que o Brexit seja o mais “simbólico” possível – um soft Brexit -, ou mesmo oficialmente revertido. Essa contradição se expressa dentro do Partido Conservador e, também, dentro de todo o espectro político burguês de uma forma geral. Tal é a razão da profundidade da crise política aberta.
A linha firme e inflexível da UE tenta colocar Theresa May em um beco sem saída e forçar um novo referendo devido a “inviabilidade” do Brexit. Isso encontra eco dentro do próprio Reino Unido. No final de outubro do ano passado, uma passeata por um novo Referendo mobilizou em Londres cerca de 750 mil pessoas. Há uma forte campanha, em várias esferas, colocando a necessidade de um novo referendo e a reversão total do Brexit.
Até mesmo a nova campanha publicitária do HSBC – banco multinacional sediado em Londres – vem gerando polêmica por ter como slogan central que “o país não é uma Ilha”, um trocadilho entre a condição geográfica da Grã-Bretanha e sua integração com o continente europeu.
A Esquerda perante o Brexit
A Esquerda não tem uma posição unificada sobre o Brexit desde o Referendo, em 2016. Um setor, apoiado na correta leitura que a UE é um bloco imperialista que existe para aumentar a exploração dos trabalhadores em todo o planeta – inclusive nos países membros, vide o caso da Grécia -, defende a saída do Bloco em uma perspectiva de esquerda. Atuou no Referendo defendendo o chamado Lexit (Left Brexit, ou Brexit de Esquerda). Esta posição foi absolutamente minoritária na campanha pelo Brexit. Na verdade, o sentimento pela saída foi capitalizado pela direita e teve majoritariamente um perfil nacionalista, racista e xenófobo.
Houveram também setores que defenderam votar pela permanência na UE, junto com o governo – na época, o neoliberal David Cameron, do Partido Conservador – e os principais blocos burgueses e imperialistas. Estes diziam que, apesar dos problemas da UE e do governo, votar contra estes fortaleceria a extrema-direita e sua agenda ultrarreacionária no país.
Hoje, este debate ganha um contorno um pouco diferente. Uma parte da esquerda defende um novo Referendo, com alguns chamando a anulação do Brexit, como é o caso de Socialist Resistance (seção britânica do ex-SU-, o Secretariado Unificado da Quarta Internacional) e a corrente AWL (Workers Liberty – que atua dentro do Momentum como minoria).
Outros, como a maioria dos grupos de esquerda do Labour, incluindo o Momentum, do movimento sindical e partidos como o Socialist Party (seção britânica do CWI) e SWP são contra esta política. Opinam que seria uma capitulação à UE e às correntes burguesas que a defendem e, frente a isso, são pela realização de eleições gerais.
A TUC, algo como a maior central sindical do país, lançou uma campanha junto com o labour de exigir que o Brexit não retire nenhum direito trabalhista existente na UE, apenas adicione mais direitos aos trabalhadores no Reino Unido. Além disso, argumentam que a permanência na UE inviabilizaria a aplicação do programa contido no Manifesto. Isso implicaria em uma nova ruptura a exemplo do que ocorreu – ou melhor, do que não ocorreu – na Grécia em 2015.
A direita do Labour pretende ocupar o espaço de representante oficial da grande burguesia e imperialismo britânicos como fazia na época do ex-PM Tony Blair. Por isso – e principalmente após o estouro da crise no Partido Conservador – sabota sistematicamente a liderança de Corbyn no Partido. Figuras desta ala, com destaque para o Parlamentar Chuka Ummuna, não perdem uma oportunidade de atacar publicamente a liderança do LP, e ameaçam votar no parlamento contra orientações da bancada etc. Estão na linha de frente da campanha por um novo referendo e a anulação total do Brexit.
Nesta quinta-feira (10), Jeremy Corbyn fez um pronunciamento e mandou uma nota oficial ao Partido dizendo que o momento era o de unificar os trabalhadores que votaram pela saída e pela permanência na EU. Para isso a principal tarefa do momento é a de garantir a antecipação das Eleições. Afirma que se o governo perder a votação no dia 15, o que é o mais provável, que se construam as condições, no parlamento e nas ruas, para a derrubada do governo e convocação das eleições. Essa é a política do LP neste momento.
É preciso ressaltar que, em caso de antecipação das eleições, a probabilidade que o Labour obtenha maioria no Parlamento é, no mínimo, bastante considerável. Isso significa dizer que um governo encabeçado por Jeremy Corbyn, e baseado no Manifesto “For the Many, not the Few”, pode estar colocado em um futuro próximo. Não subestimemos o que isso pode significar. Ele terá o impacto internacional da eleição de Trump nos EUA, porém com sinal invertido.
Tal é a atual situação política da Grã-Bretanha às vésperas da votação do Brexit no parlamento neste dia 15.
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