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Gramsci e o Fascismo: a criminosa omissão da burocracia sindical

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

Um dos elementos centrais da compreensão de Gramsci sobre a ascensão do fascismo passa pela sua crítica à política de apaziguamento dos socialistas reformistas, como já discutimos em artigo anterior. Uma dimensão particularmente dramática desta política se evidenciava na direção imprimida pelos socialistas à Condererazione Generale del Lavoro (CGdL), principal central sindical italiana. Esta orientação, na visão de Gramsci, era marcada pelo reformismo, pelo apaziguamento e pela omissão frente aos crimes fascistas. Em março de 1921, após a realização do Congresso da CGdL, Gramsci denunciava a opção das lideranças sindicais pelo não enfrentamento à ameaça fascista, em uma avaliação vigorosa:

O Congresso não pôs e não resolveu nenhum dos problemas vitais para o proletariado no atual período histórico: nem o problema da emigração, nem o do desemprego, nem o das relações entre operários e camponeses, nem o das instituições melhor aparelhadas para expressar o desenvolvimento da luta de classes, nem o da defesa material das sedes dos órgãos de classe e da integridade pessoal dos militantes operários. A única preocupação da maioria congressual foi a de salvaguardar e garantir a posição e o poder político dos atuais dirigentes sindicais, de garantir a posição e o poder (poder impotente!) do Partido Socialista. [1]

Este “poder impotente” implicava em condições favoráveis às agressões fascistas, que crescentemente avançava: “o terreno da luta rapidamente se tornou trágico: incêndios, tiroteios, rajadas de metralhadoras, dezenas e dezenas de mortos”.[2] Agressões que se davam um ano e meio antes da ascensão de Mussolini ao poder, e com total cumplicidade das instituições do Estado liberal. A indiferença dos dirigentes sindicais frente ao fuzilamento de operários e camponeses cometido pelas hordas fascistas era explicada por Gramsci pelo transformismo destes dirigentes, convertidos de trabalhadores em burocratas afastados das condições concretas enfrentadas pela classe operária: “Esses homens não vivem mais para a luta de classes, não sentem mais as mesmas paixões, os mesmos desejos, as mesmas esperanças vividas pelas massas: entre eles e as massas se criou um abismo insuperável. O único contato entre eles e as massas é o registro das contribuições e o fichamento dos filiados. Esses homens já não veem o inimigo na burguesia, mas nos comunistas: têm medo da concorrência, são líderes que se tornam banqueiros de homens em regime de monopólio”. [3]

Ao invés de resistir ao fascismo, a burocracia sindical preferia oferecer seus serviços de apaziguamento da luta de classes à burguesia italiana. Na visão de Gramsci, é sua impotência e incapacidade política que levou à desastrosa tentativa dos socialistas de um entendimento com os fascistas, concretizada no Pacto de Roma – jamais observado pelos fascistas – que supostamente garantiria respeito mútuo aos símbolos e à integridade física dos militantes de ambas organizações. [4]

Burocratizados, os sindicalistas socialistas já não mais exerciam liderança sobre os trabalhadores, pois “as massas não mais obedecem aos líderes que as abandonaram covardemente no momento do perigo e dos massacres”[5] Portanto, também deixavam de ser úteis às classes dominantes, que sem maiores remorsos descartavam os antigos aliados, já que “os líderes sindicais só são respeitados na medida em que se crê que eles gozam de confiança das grandes massas trabalhadoras, na medida em que possam evitar greves e convencer os operários a aceitar resignadamente a exploração e a opressão do capitalismo”. [6] É por esta razão que, pateticamente, sem condições de atuar como efetivos representantes dos trabalhadores, assumiam uma política errática e suicida, fragilizando a resistência ao fascismo: A incapacidade de pensar a realidade a partir da luta de classes os levou a uma negociação com os fascistas, no exato momento em que estes golpeavam e atacavam os trabalhadores e camponeses.

Poucos meses depois, Gramsci registrava que a atividade sindical estava inteiramente destroçada, mas que nada disto preocupava os burocratas da CGdL:

Os Stenterellos [7] da Confederação Geral do Trabalho estão permanentemente alegres. Inteiras regiões são postas a ferro e fogo pela guarda branca, a atividade sindical está completamente destroçada, não subsiste mais nenhuma garantia constitucional para os indivíduos e as associações, os operários e camponeses são fuzilados impunemente por bancos armados mercenários que se deslocam livremente de região a região – mas nem por isto os Stenterellos sindicais da Confederação perdem o apetite e o bom humor. [8]

Frente à ascensão do fascismo e ao crescimento dos ataques propagados pelos fascistas, a reflexão de Gramsci expressava enorme angústia com os resultados facilmente previsíveis da política de apaziguamento e conciliação levada adiante pelos burocratas sindicais – bem como pelos dirigentes do partido socialista. Em contraposição, propugnava a necessidade da organização política dos trabalhadores para a resistência, bem como o direcionamento da luta política para a construção de uma greve geral. Neste sentido, enfatizou que foi a realização de uma exitosa greve geral na Alemanha que em março de 1920 permitiu a derrota de um golpe de estado reacionário [9] e se entusiasmou com a greve geral dos trabalhadores de Turim contra a condenação de operários injustamente acusados. [10]Embora a organização do Partido Comunista estivesse em crescimento, era ainda insuficiente para capitanear a resistência e organizar uma greve geral de âmbito nacional, o que explica a angústia de Gramsci, que via o fascismo crescer em organização e violência e – ao contrário da direção socialista – antevia a concretização de um Golpe fascista.

*Gilberto Calil é doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. É autor, entre outros livros, de “Integralismo e Hegemonia Burguesa” (Edunioeste, 2011) e pesquisa sobre Estado, Poder, Direita, Hegemonia, Ditadura e Fascismo.

NOTAS

1 – GRAMSCI, Antonio. “Burocratismo”. In: Escritos Políticos. Volume 2, 1921-1926. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 41.
2 – Idem, p. 41.
3 – Idem, p. 41.
4 – Ver a respeito https://esquerdaonline.com.br/2018/09/17/gramsci-e-o-fascismo/
5 – GRAMSCI, Antonio. “Os líderes e as massas”. In: Escritos Políticos, op. cit., p. 72.
6 – Idem, p. 73
7 – “Stenterello é uma máscara do teatro florentino, criada por Luigi Del Buono no final do século  XVIII, que representa o falso esperto”. “Notas ao Texto”. In: Escritos Políticos, op. cit., p. 447.
8 – GRAMSCI, Antonio. “Golpe de Estado”. In: Escritos Políticos, op. cit., p. 77.
9 – Idem, p. 77
10 – GRAMSCI, Antonio. “Contra a magistratura”. In: Escritos Políticos, op. cit., p. 102. Mais indicações sobre esta greve em https://esquerdaonline.com.br/2018/09/23/gramsci-e-o-fascismo-a-cumplicidade-do-estado-e-da-justica/

 

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