Histórico golpista marca relação das Forças Armadas com a política nacional
Dos ministros anunciados até o momento por Bolsonaro, pelo menos quatro são diretamente militares, a saber: Os generais da reserva Augusto Heleno, indicado para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e Fernando de Azevedo e Silva, indicado para o Ministério da Defesa; o general Carlos Alberto Cruz, indicado para a Secretaria de Governo, que pode ser mantida com status de Ministério; e o Tenente-Coronel da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB) Marcos Pontes, indicado para ministro de Ciência e Tecnologia.
Existem também aqueles que possuem origem nas Forças Armadas, tais como: Wagner Rosário, atual ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), que foi mantido no cargo por Bolsonaro e foi oficial do Exército; e Tarcísio de Freitas, indicado para o Ministério da Infraestrutura, e que também fez carreira no Exército.
Soma-se a estas indicações o fato do próprio Bolsonaro, presidente eleito, ter origem no Exército – ele é um capitão reformado – e seu vice-presidente, Hamilton Mourão, ser também um general reserva e ex-presidente do Clube Militar. Com certeza, muitos outros militares ocuparão cargos importantes, não só no primeiro escalão como também no segundo e terceiro escalões do novo governo.
A indicação de militares para postos chaves do governo federal, depois do fim da ditadura militar, já tinha se iniciado com o governo ilegítimo de Temer. Por exemplo, com um general da reserva – Joaquim Silva e Luna – ocupando pela primeira vez o Ministério da Defesa. Não foi a toa que justamente no governo Temer se decretou a intervenção militar na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.
Representantes do governo de transição, da grande imprensa e da própria cúpula militar tentam relativizar esta situação, afirmando que a presença de generais e outros militares assumindo cargos no governo não significa um envolvimento direto das Forças Armadas na administração Bolsonaro. Entretanto, mais de um século de história demonstra de forma inequívoca a vocação golpista da cúpula das Forças Armadas, quando ela se encontra envolvida diretamente no poder.
A presença de militares no poder sempre representou riscos às liberdades democráticas
O Exército foi criado ainda no tempo da colonização portuguesa, embora sua formalização venha apenas com a “independência” de Portugal, em 1822/23. No período colonial, os primeiros movimentos de criação de tropas militares tiveram como objetivo principal o combate às invasões externas – especialmente dos chamados Países Baixos (atual Holanda), principalmente na região do Nordeste. E a repressão a rebeliões de escravos, especialmente o combate ao Quilombo dos Palmares.
Já na fase do Império, a prioridade do Exército Nacional (ou Imperial, como era chamado) seguiu sendo o combate ao elemento interno, ou seja, as inúmeras rebeliões contra o Poder Imperial. E, também, a participação efetiva na Guerra do Paraguai, uma ação coordenada com Argentina e Uruguai, totalmente a serviço dos interesses do imperialismo inglês, que representou um duro ataque à soberania daquele país independente.
Mas, foi com a Proclamação da República, em 1889, que assistimos a consolidação da entrada do Exército na cena política nacional. Um processo que se iniciou com a vitória na Guerra do Paraguai e que, por exemplo, explica a criação do Clube Militar. A criação da República no Brasil foi fruto diretamente de um típico golpe militar.
Os primeiros presidentes da chamada “República Velha” foram diretamente militares do Exército (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto). Esse regime político foi sustentado basicamente pela aliança dos antigos senhores de engenho, elite econômica dos períodos anteriores, com a alta cúpula do Exército.
Embora o Exército estivesse diretamente ligado a “República Velha”, a alta cúpula militar esteve envolvida no movimento de 1930, chamada por muitos autores de “modernização conservadora” do Brasil, que levou Getúlio Vargas a Presidência da República, sem passar pelo voto popular, acabando com o antigo regime político.
A cúpula do Exército também apoiou e organizou a transformação do governo de Getúlio Vargas diretamente numa ditadura, iniciando o período do “Estado Novo” (1937-1945). Neste processo, também sem passar pelo voto popular, já se destacava o protagonismo de generais, especialmente Eurico Gaspar Dutra, um militar que era conhecido por sua simpatia pelo movimento integralista (uma espécie de fascismo brasileiro da época). Ele acabou ocupando o Ministério da Guerra.
Em 1945, sob o impacto liberal provocado pela derrota do Nazismo e do Fascismo na II Guerra Mundial, novamente foi à elite do Exército que esteve por trás da deposição de Getúlio Vargas, quando este já tinha iniciado um movimento de abertura política e anistia, marcando eleições para o final deste ano.
Os mesmos generais que estiveram desde o início na construção do “Estado Novo”, se reciclaram rapidamente, e defenderam o processo de “redemocratização”, totalmente controlado pela elite econômica e militar. Neste período também, se consolida a aliança e a subordinação das Forças Armadas brasileiras aos interesses dos EUA.
Alguns partidos são criados, principalmente o PSD, a UDN e o PTB. O PCB também conquista a sua legalidade, que rapidamente é cassada, apenas dois anos depois.
O general Dutra (PSD) foi eleito presidente da República. Seu partido concentrou, em suas fileiras, a maior parte da elite política e econômica que se consolidou no período do “Estado Novo”. Embora houvesse formalmente um “regime democrático” – uma espécie de “democracia autoritária” – em muitos momentos foi possível identificar intentos autoritários destes governos. E, em todos eles, estava por trás a elite das Forças Armadas, em especial a do Exército.
São exemplos principais deste processo: a cassação da legalidade do PCB em 1947, as inúmeras tentativas de destituição do presidente Getúlio Vargas (agora eleito pelo voto popular, no ano de 1950) – que culminaram no seu suicídio em 1954; o movimento que tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek (PSD), eleito em 1955; e, posteriormente a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros (UDN), o movimento que tentou impedir também a posse do vice-presidente João Goulart (PTB), no início da década de 1960.
A derrota de todas estas tentativas golpistas, que marcou um breve período de democracia formal em nosso país (1954-1964), só pode ser entendida pela existência de uma importante ala nacionalista e legalista nas Forças Armadas, que se colocou contra todas estas tentativas de golpes militares. Uma das figuras de destaque desta ala era o Marechal Lott, que chegou a ser candidato a presidente, em 1960, pelo PSD, derrotado nestas eleições por Jânio Quadros (UDN).
Este período marcou o duelo de duas alas no interior das Forças Armadas: uma primeira nitidamente reacionária, ligada aos interesses estadunidenses e que patrocinou todas as investidas golpistas do período; a segunda, uma ala nacionalista e legalista, onde o PCB exerceu também uma influência minoritária. Estas duas alas duelaram especialmente pelo controle do Clube Militar, depois de alguma alternância, acabou por prevalecer uma delas, a ala reacionária, chamada também de entreguista, por seus opositores da época.
Em 1964, finalmente, depois de tantas investidas, a elite das Forças Armadas consegue êxito na sua sanha golpista, destituindo o presidente João Goulart (PTB), com franco apoio do governo dos EUA.
Num primeiro momento o golpe militar de 1964 foi executado com a promessa de garantia de novas eleições diretas, em breve período, já no ano de 1965 (calendário eleitoral normal). Uma mentira muito útil aos militares, pois ajudou a angariar apoio popular ao seu projeto autoritário e atrair para o lado do golpe lideranças políticas civis.
O caráter autoritário e ditatorial do regime militar vai se intensificar quatros anos mais tarde, quando diante de um amplo movimento democrático de questionamento aos governos militares, cujo ponto culminante foi a “passeata dos cem mil”, em 1968, o regime é totalmente fechado com a publicação do Ato Institucional número 5 (AI-5). Medida que fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos parlamentares, aprofundou a política de perseguições, torturas e assassinatos, entre outros absurdos. Um momento de triste memória para nosso país, que no próximo mês de dezembro vai completar 50 anos de acontecido.
Os militares ficaram no poder formalmente até o ano de 1985, mais de duas décadas de uma ditadura entreguista, corrupta, criminosa e assassina.
O golpe militar de 1964 marca a consolidação definitiva, no interior das Forças Armadas, da chamada ideologia da “segurança nacional”. Explicação ideológica utilizada, até nos tempos atuais, para explicar toda a política golpista que a cúpula das Forças Armadas exerceu em nosso país, em períodos distintos da nossa História.
A importância da unidade de ação democrática
O fim da ditadura militar, formalmente em 1985, a nova Constituição de 1988 e a primeira eleição presidencial de 1989 acabaram por afastar a cúpula das Forças Armadas de postos chaves de governo.
Mas, sua influência política nunca deixou de ser presente e sentida, seja para a defesa corporativa de seus interesses seja, principalmente, na sua luta por impedir quaisquer ações que buscassem rever a Lei da Anistia, que isentam de punições todos os criminosos que praticaram terrorismo de Estado, prisões ilegais, torturas e assassinatos, no “período de chumbo” da ditadura militar.
Infelizmente, mais de três décadas depois do fim da ditadura militar, novamente, primeiro com Temer e agora mais ainda com Bolsonaro, assistimos a volta de parte da cúpula das Forças Armadas ao poder. Especialmente do Exército, a maior e principal instituição militar do país.
Portanto, entra em grave risco as liberdades democráticas e o próprio regime democrático, que apesar de seus limites evidentes, foi resultado das lutas pelo fim da ditadura militar, no final dos anos 1970 e no início dos 1980.
O grande teste será quando um amplo movimento de resistência popular questionar as medidas reacionárias que o governo Bolsonaro quer aplicar – seja os brutais ataques aos direitos seja as investidas contra as liberdades democráticas.
Mais uma vez, como em outros momentos de nossa história, a tarefa do povo trabalhador, da juventude, do conjunto dos explorados e oprimidos e dos partidos de esquerda é enfrentar com sua organização e mobilizações os ataques deste governo de extrema-direita, com fortes traços neofascistas.
Só uma frente única dos trabalhadores, movimentos sociais e da esquerda poderá enfrentar de forma contundente os ataques que virão. Este movimento deve, inclusive, propor uma grande unidade de ação democrática, formada por todos os setores que queiram lutar contra os ataques de Bolsonaro e seu governo de extrema-direita a democracia. De fato, vivemos tempos de resistência.
FOTO: General Augusto Heleno. Foto arquivo. Marcello Casal Jr / Ag. Brasil / Arquivo
Referência Bibliográfica:
. BARBOSA, Jefferson; GONÇALVES, Leandro; VIANNA, Marly; e CUNHA, Paulo (Organizadores), MILITARES E POLÍTICA NO BRASIL, Expressão Popular, São Paulo, 2018.
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