Tito de Alencar Lima, o Frei Tito: presente, sempre

Por: Luciano Mendonça de Lima

A história do cristianismo é feita também de mártires. Dentre estes podemos destacar a figura singular que foi o brasileiro Tito de Alencar Lima. Frei Tito nasceu em 14 de setembro de 1945, no seio de uma família cearense numerosa, de origem católica. Depois de passar a infância e a adolescência em sua Fortaleza, migrou para o “sul maravilha” na década de sessenta, com o intuito de estudar Teologia e Ciências Sociais.

Naquele contexto, teve seu destino pessoal definitivamente entrelaçado com a história do Brasil, já agora sob a égide do terrorismo oficial de uma sanguinolenta ditadura a serviço do grande capital nacional e associado, resultado do golpe militar de 1 de abril de 1964. Além de estudar e meditar muito na grande metrópole, Tito participou intensamente dos protestos populares contra a ditadura, especialmente daqueles capitaneados pelo movimento estudantil. Era o tempo do Concílio Vaticano II, da Teologia da libertação, da opção preferencial pelos pobres da América Latina, quando cristãos e marxistas se uniram na luta comum contra a exploração e a desumanização capitalista.

A trajetória de Frei Tito seria radicalmente alterada quando na madrugada de 04 de novembro de 1969 ele foi preso, juntamente com outros frades dominicanos do Convento das Perdizes, em São Paulo, no quadro mais geral da infame operação “batina branca”, acusado de pertencer aos quadros da Ação Libertadora Nacional, organização guerrilheira de esquerda comandada pelo comunista histórico Carlos Mariguella. Enquanto Mariguella era friamente trucidado na noite daquele mesmo dia, em emboscada preparada pelo famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury, na Alameda Casa Branca, centro da cidade, Tito começava seu longo calvário nos porões da ditadura militar. Nestas verdadeiras “sucursais do inferno”, Tito passou por todos os tipos de torturas: choque elétrico, telefone, cadeira do dragão, pau de arara etc.

Depois de barbaramente supliciado pelo mesmo Fleury e seus asseclas, permaneceu encarcerado nas masmorras do regime até janeiro de 1971, quando foi libertado com outros 69 presos políticos em troca do embaixador suíço no Brasil, sequestrado no final do ano anterior por um comando guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionária, liderado por Carlos Lamarca. Após breve passagem pelo Chile de Salvador Allende foi para a Europa, se fixando definitivamente na França.

Nos lugares por onde passou em seu forçado exílio Tito nunca deixou de denunciar, aos quatro cantos do mundo, a ditadura militar e suas barbaridades, inclusive a cumplicidade da cúpula da Igreja católica com os ditadores de plantão dos países do cone-sul. Porém, atormentado pelos fantasmas dos seus algozes e pelas sequelas físicas e mentais das sevícias sofridas, veio a se suicidar em um convento da cidade francesa de Lyon no dia 10 de agosto de 1974, quando contava com apenas 29 anos. Seu corpo só retornou ao Brasil em março de 1983, quando finalmente foi enterrado em sua terra natal. Desde então não deixa de clamar por justiça e reparação.

Nunca como hoje tornou-se tão urgente e necessário lembrar e reverenciar figuras humanas como Frei Tito. Dentre outras razões, poderíamos recordar pelo menos três: 1- Frei Tito viveu sua curta existência com intensidade, senso de justiça e compromisso para com o outro. Nem na hora da morte lhe faltou dignidade. Incapaz de “sentir – se em casa neste mundo”, lutando para não sucumbir à loucura gerada pelas sequelas que a tortura deixou nas profundezas de seu ser, optou por tirar a própria vida, mesmo que esse gesto extremo contrariasse seus mais caros princípios.

Esse estado de espírito ele deixou transparecer em um de seus últimos escritos, que soa como um grito de protesto, um ato final de bravura: “É melhor morrer do que perder a vida”; 2- Supondo que Frei Tito tivesse sido a única vítima dos horrores da ditadura militar no Brasil (o que, como sabemos, não foi), isso por si só seria motivo suficiente para que todos os responsáveis por seu martírio (generais ditadores, empresários, banqueiros, latifundiários, grande imprensa etc, enfim, todos que se locupletaram com as políticas da ditadura) fossem julgados e condenados por crime de lesa – humanidade; 3- Por fim, quando hoje assistimos com preocupação ao surgimento de grupos “cristo fascistas”, que apoiaram abertamente candidatos como o obscurantista Jair Bolsonaro (notório apologista da ditadura militar), o exemplo de Frei Tito aponta em direção radicalmente oposta.

Em outras palavras, isso quer dizer que os verdadeiros cristãos do tempo presente devem estar ao lado dos pobres e oprimidos, por quem o Cristo histórico se sacrificou e morreu de morte matada, a mando dos poderosos de seu tempo.

*Luciano Mendonça de Lima é Historiador

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