A luta de classes significa hoje o que sempre significou desde a ascensão do capitalismo.
Lembre-se que, no último (e abruptamente interrompido) capítulo do Vol. III de O Capital, Marx compreende as três grandes classes da sociedade moderna – trabalhador assalariado, capitalistas e proprietários fundiários – como resultado da pressão permanente, interna ao desenvolvimento do capitalismo, por separação entre produtores diretos e meios de produção, permitindo que esses últimos se concentrem cada vez mais. Essa pressão materializa-se na expropriação violenta de grandes massas humanas, que se veem obrigadas a vender sua força de trabalho, enquanto os recursos necessários à sua sobrevivência são gradativamente convertidos em capital. Seu efeito colateral é o aparecimento da propriedade exclusiva do solo em favor de outros (poucos) indivíduos.
Se salário, lucro e renda singularizam os proprietários de mera força de trabalho, de capital e de terra, a contradição entre eles pressupõe o ato expropriatório. Quando se tem a espoliação compulsória de meios de subsistência, os expropriados se veem na obrigação de lutar por sua conservação física, os expropriadores, pela valorização de seu capital, e os rentistas de fazer valer seu direito de extrair rendimentos de sua propriedade. À medida que essas relações necessárias se desenvolvem, também se reforçam os antagonismos. Tem-se assim um recrudescimento da própria luta entre as classes.
A financeirização é a principal característica desta etapa avançada do capitalismo, quando a base da acumulação dá preferência aos imperativos da propriedade, cada vez mais vinculada à reprodução do capital fictício, em detrimento da revalorização direta produtiva. O capitalismo torna-se, assim, essencialmente rentista. Sob tais condições, os proprietários de ações reivindicam a renda devida à sua propriedade e, com isso, se apropriam da parcela crescente dos lucros extraídos na produção.
Ao mesmo tempo, em razão da tendência de concentração de capitais, capitalistas transformam-se cada vez mais em grupos de investimentos associados em fundos e consórcios. Distanciados das atividades produtivas, aguardam comodamente seus ganhos, capturando parte da mais-valia criada na economia. Se delegam a exploração do trabalho assalariado a terceiros, não podem abrir mão da produção dos excedentes que serão apropriados como renda. O resultado é conhecido desde os anos 1980: queda da fatia dos salários na renda nacional da maior parte dos países.
O financeirização libera os capitalistas dos inconvenientes da acumulação produtiva: extrair valor excedente de força viva. Ao mesmo tempo, em razão do consórcio de capitais concorrentes, necessita ampliar tal extração para remunerar tamanha quantidade de capitais concentrados. Se agora há algo de novo, é apenas de ritmo e de escala da expropriação. Por mais distante dos capitalistas, a força a ser expropriada continua a ser viva e pode se rebelar. Esse risco, somado ao ritmo e escala citados, pode explicar o grau de violência política com tendências fascistas presente nos dias de hoje.
Essa violência, todavia, não dispensa o uso da alienação. Ao contrário. Em contexto de hegemonia do capital fictício, Marx já alertava que até os capitalistas passam a se reconhecer como “trabalhadores”. Mas a luta por reconhecimento é apenas uma oposição formal, uma mistificação da classe pela diferença. A luta de classes continua onde e como sempre esteve: nas relações necessárias e antagônicas criadas pela expropriação e pela exploração do trabalho pelo capital.
Foto: EBC
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