É sempre tempo de amor,
Mesmo quando tudo parece cansaço
Mesmo quando as derrotas batem a porta
Mesmo quando a desesperança assombra e
quer fazer ninho no coração.
É sempre tempo de amor,
Porque se nossos pés estão cansados
Muito mais firme é a nossa convicção,
Nossa lealdade e esse amor
Que nos faz continuar a caminho.
(…)
É sempre tempo de amor
Porque nada poderá deter a primavera do povo
Porque nada poderá deter a primavera do povo
Venceremos!-
Bruna Matos de Carvalho
Em 1947, o Boletim de Cientistas Atômicos (BPA, na sigla em inglês) da Universidade de Chicago criou o Relógio do Apocalipse, para criticar o uso de arma nucleares no mundo. O relógio é uma ilustração simbólica, que tem os ponteiros modificados de acordo com o parecer dos membros do BPA. Desde sua criação, há mais de 70 anos, o relógio vinha marcando que faltavam dois minutos para a meia-noite, ou seja, muito pouco para uma catástrofe global. Após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a BPA adiantou o relógio em trinta segundos, isso significa que estaríamos cada vez mais próximos da meia-noite.
O Relógio do Apocalipse e os “dois minutos para a meia noite” servem como um recurso literário, ou uma frase de efeito, nada mais que isso. Felizmente o tempo histórico não pode ser medido em um relógio. Felizmente, na história, não existe um fim determinado, uma via de mão única na qual caminhamos rumo ao nosso destino. Na história, os caminhos são uma série de possibilidades, cada qual gerando conseqüências e novas possibilidades. Fazemos a história a partir de ações, de atos, e os resultados destes nunca são finais, pois a história segue, o relógio continua se movendo, e novas possibilidades são criadas.
A vitória eleitoral de Jair Bolsonaro na noite deste domingo deu a impressão que a “meia-noite” havia chegado. Foi difícil. O medo toma conta, a angústia fica presa na garganta, o sentimento de impotência se espalha por todo o corpo. Foi difícil dormir. Parecia que a noite era interminável. Mas ela passa. Assim como as lágrimas silenciosas secam, o choro em pranto termina, e o medo, a angústia, que pareciam intermináveis, vão cessar. Não existe dor que dure para sempre. Tudo uma hora passa e se transforma. A dor e a angústia, a indignação e a tristeza, o medo e a impotência, devem e precisam ser transformados em ódio de classe, em força, em vontade de lutar.
Depois da meia-noite, o amanhecer vem, assim como a primavera sempre chega após o inverno. É preciso mais do que nunca, como diriam os bolcheviques, de “paciência revolucionária”. Ou como diria os poetas “esperança na luta do povo”. É preciso ter paciência já que alguma hora, mais cedo ou mais tarde, Bolsonaro entrará em contradição, atacará os direitos do povo, a máscara dele vai cair. É preciso ter paciência e não substituir as as ações das massas pelas ações individuais, somente o povo organizado conseguirá vencer a barbárie que se aproxima.
Bolsonaro venceu as eleições, foi uma vitória eleitoral e uma vitória política, mas ele ainda não venceu a guerra. Eles ainda não nos derrotaram por completo. É preciso ter calma, por mais que pareça difícil. O medo é um péssimo conselheiro, e agora precisamos ver as coisas com bastante paciência.
Existe uma diferença entre a vitória eleitoral de um fascista, e a instalação de um regime fascista. Não é a mesma coisa. A vitória eleitoral de Bolsonaro não significa que ele vai modificar as instituições e o caráter do regime assim que subir a rampa do Planalto ou no mês seguinte. Até agora nada aponta para isso. Nenhuma confiança nas palavras dissimuladas do soldadinho que acha que pode governar, mas não significa que ele tem o caminho aberto para instaurar uma ditadura no país. Essa possibilidade existe, mas entre a possibilidade, a vontade dela se realizar e sua concretização existe um imenso caminho. Existe em especial a luta de classes.
Nós não sabemos o que esperar de um governo Bolsonaro. Seja pelo fato dele ter se escondido nos debates, seja pelo fato dele ser imprevisível, perigoso, cheio de ambição. Seja pelo nível de instabilidade das instituições brasileiras. Mas algumas coisas estão aparentemente certas. O Judiciário vai fazer vista grossa e aparentemente ser aliado na retirada das liberdades democráticas. Bolsonaro terá maioria da Câmara, a bancada do PSL com 52 deputados deverá sofrer reforços de outros deputados eleitos que buscam mais visibilidade, assim como terá o apoio de outros bolsonaristas eleitos por partidos como o DEM, Novo, PP, entre outros.
A dúvida sobre o futuro governo gera um mar de angústia. Pois além de algumas certezas políticas, temos a certeza que a vida não vai ser fácil com a retirada de direitos e o crescimento assustador de um discurso de ódio e ações violentas, em especial contra LGBTs, mulheres, negros e ativistas sociais.
Apesar da derrota eleitoral de Haddad e Manuela e das forças progressistas, nem tudo são lágrimas. Como diria Mano Brown, “até no lixão nasce flor”. As duas últimas semanas de campanha construíram um movimento espetacular em defesa das liberdades democráticas. Foi intenso e maravilhoso, os mais belos adjetivos possíveis servem para definir o que nós fizemos. Milhares de ativistas saíram as ruas do país, muitos destes foram com críticas ao PT, independentes do PT, e por vezes se chocando ao partido. Ou seja, a reorganização da esquerda radical e socialista continua. De norte a sul, formos às ruas. Diariamente dialogando com outros milhares de pessoas. Nas universidades, nos centros das grandes cidades, nos bairros populares, nas periferias. A esquerda fez algo que não fazia a muito tempo. Colheremos os frutos em um futuro próximo.
Agora temos algumas tarefas imediatas. A primeira é enfrentar e superar o medo e a angústia. O quanto antes fizermos isso mais forte e com disposição estaremos para lutar. E este ato deve ser feito de forma coletiva, não podemos deixar ninguém para trás, não podemos nesse momento soltar a mão de ninguém.
A segunda tarefa é se organizar. Vence a guerra quem tem o exército mais bem organizado. Aqueles que estão organizados devem mostrar que a luta não termina com o fim das eleições. Muitos milhares se tornaram ativistas da democracia, a tarefa é fazer com que estes se tornem militantes, e dediquem parte de seu tempo na construção de um novo projeto, que seja radicalmente contrário ao apresentado por Bolsonaro.
A terceira tarefa seria dar uma atenção ainda maior aos estudos e ao internacionalismo. Entender o fenômeno da extrema direita mundialmente é crucial para armar um plano para derrotá-la. Como se comporta quando chegam ao governo? A extrema-direita atua igual em um país de centro e em um país de capitalismo dependente como o nosso? São algumas perguntas que teremos que responder. É preciso também buscar aprofundar os estudos dos clássicos. Entender o funcionamento do capitalismo em crise, como a retirada de direitos é fruto do processo de crise do neoliberalismo, do toyotismo brasileiro e da acumulação por espoliação.
A última tarefa é continuar o trabalho que fizemos nestas últimas semanas. Aprender com o que fizemos e como manter o dialogo que abrimos com as milhares de pessoas. Ir a rua, nas periferias, bairros populares, os comitês de Frente Única, são coisas importantes para conseguirmos combater o discurso hegemônico da direita e construirmos uma nova esquerda no Brasil.
É possível construir um forte movimento de resistência a extrema-direita, ao conservadorismo, e a Bolsonaro. Como disse Honestino Guimarães, “voltaremos e seremos milhões”. Nós seremos resistência.
Afronte, é guerra!
Os que virão serão povo
E saber serão,
Lutando –
Thiago de Mello
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