“O poente em pé como um arcanjo / Tiranizou o caminho”.
(Jorge Luis Borges)
Bruscamente, o sol desapareceu no domingo, 28. Aos poucos, os primeiros resultados do segundo turno da eleição presidencial começaram a vir à tona. Depois de duas semanas nas quais a militância de esquerda enfrentou não só as monstruosidades dos apoiadores do capitão Bolsonaro, com mortos e feridos, mas, igualmente, do empresariado sequioso de destruir o último dos direitos trabalhistas, do partidarismo extremista de muitos Tribunais Regionais Eleitorais, de segmentos majoritários da mídia, das forças de segurança etc., as consequências se expressaram nesses resultados. Aos olhos da militância, o poente tiranizou o caminho.
Os campos, mais do que entardecidos – como no poema de Jorge Luis Borges – estão entristecidos e estarrecidos, mas nem por isso, imóveis ou mortos. A resistência sobrevive ao fim da tarde. Quantas pessoas tão inacreditavelmente jovens não confeccionaram os trajes do seu batismo de sangue nesses últimos dias? Nada disso será em vão. Eles não querem absolvição porque não trazem nenhuma culpa. Só querem um país em que as liberdades democráticas não sigam sendo postadas apenas no papel.
Os que querem mudar o mundo sabem o quanto é importante preservar cada uma das liberdades democráticas duramente conquistadas. Sabem também que “um mais um é sempre mais que dois”. Essa juventude que se levantou contra a barbárie aprendeu essa lição. Os corações mais jovens se agarram ao velho Belchior: “Eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens”. Certamente, aprenderão que a luta muda de sinal. O que hoje parece indevidamente austero e imutável, por certo, há de mudar.
Os silenciosos combates já começaram. Muitos se reuniram nas casas, nos comitês, praças e ruas para conferirem arranhões e outras marcas oriundas de sonhos aparentemente degolados. Ouviram os oradores, homenagearam os que tombaram ao longo das últimas semanas, revistaram as forças e, mesmo entre lágrimas, buscaram luzes e ânimos redobrados. Muitos sabem que precisam se organizar, pois o lado de lá traz consigo dinheiro (simbolicamente, Bolsonaro venceu em 97% das cidades mais ricas e Haddad venceu em 98% das mais pobres), violência e organização.
Mas, não é só isso!
Os vencedores de domingo querem impor uma “nova” ordem política. Nova de aparência, velha de conteúdo. Os vencedores de domingo querem consolidar a ordem social germinada no golpe palaciano de 2016. Os vencedores de domingo querem, finalmente, impor uma moldura cultural medida pela trena do ultraconservadorismo. Para tanto, sufocam as liberdades democráticas e parte significativa deles não reluta em tomar o capitão apenas como o prato de entrada do general. O neofascismo – com sua sombra militar – os nutre.
Há ditaduras que são diretas, abertas, e, de fato, representam uma completa infelicidade. Acontece que tão infelizes quanto são as ditaduras que se disfarçam de democracia. Contra ambas, nunca se deve deixar de lutar. Os dias que nos trouxeram até o domingo 28, de certo, ajudaram alguns milhões a entender a importância dessa tarefa. Enquanto isso, o jornal O Globo – em editorial de 28/10 – defende que houve uma “oxigenação do regime pelo voto”. Certamente, realça o logro e a fantasia para iludir os trabalhadores e o povo.
Não nos iludiremos!
Estamos diante do abismo, mas nele não vamos nos atirar. A história dos últimos dias, a história dos últimos anos e a história de longo prazo nos orientam em outra direção. Aliás, se no domingo 28, o país pisou em falso, ele saberá dar um passo certo, e não será em direção ao abismo, mas no rumo oposto.
Imagem: Reprodução. Tela de William Turner, 1840
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