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73ª Assembleia Geral da ONU: Trump desafia a ordem mundial e crise fica exposta

Por: Paulo Aguena, de São Paulo, SP

No dia 25 de setembro tiveram início os debates na 73ª Assembleia Geral da ONU. Trump arrancou risadas irônicas quando iniciou o discurso anunciando que seu governo fez mais pelos EUA em dois anos do que todos os governos anteriores juntos.

Entretanto, depois de brincar dizendo que não esperava tal reação, logo recompôs o silencio do plenário, passando a ressaltar os aspectos positivos de seu governo como a recuperação econômica, o baixo desemprego e os altos índices da Bolsa.

Em seguida, passou a expor sua visão de mundo e as iniciativas correspondentes que estão sendo adotadas pelos EUA em praticamente todos os terrenos.

Num tom sóbrio e até mesmo sombrio, repetiu o discurso (atualizado) proferido em dezembro de 2017, quando anunciou a nova Estratégia de Segurança Nacional (NSS) dos EUA. A nova doutrina foi reafirmada em fevereiro de 2017, quando J. Mattis, secretário de defesa, apresentou a nova Estratégia de Defesa Nacional (NDS).

Há, contudo, uma ressalva: dessa vez, perante o público da ONU, Trump omitiu-se sobre a Rússia, quando em dezembro a mesma era apontada, ao lado da China, como um dos Estados a ser combatidos pelos EUA. Isso demonstra que neste ponto ainda persiste uma diferença entre o governo Trump e o Pentágono. Não por acaso, a relação de Trump com a Rússia tornou-se um de seus flancos mais expostos aos ataques da oposição e, inclusive, do próprio staff republicano.

Uma vez mais, “America First”
Em seu discurso na ONU, Trump reafirmou sua doutrina da “America First”. Defendeu o patriotismo e declarou-se inimigo da globalização. Admitindo o declínio relativo dos EUA como potência mundial, reafirmou que os EUA não podem seguir perdendo às custas do resto do mundo.

Afirmou que sob a ordem neoliberal proliferaram enganadores que se beneficiaram de um imperialismo tímido e globalista, mais preocupado em liderar o mundo do que defender os interesses norte-americanos. Advertiu: “Isso chegou ao fim”.

Justificou as guerras comerciais afirmando que os EUA não podem seguir sendo vítima da cobiça de seus rivais e mesmo de seus próprios sócios. Alegou que estes têm se aproveitado das instâncias e instituições multilaterais como a OMC para entrar no mercado norte-americano, enquanto ao mesmo tempo tratam de proteger seus próprios mercados.

Criticou a transferência forçada de tecnologia e os subsídios estatais violando o livre mercado. Apesar de considerar Xi Jinping um amigo, ressaltou que a China adota uma política comercial e monetária desonesta, insinuando que por detrás dela também estariam alguns dos sócios tradicionais dos EUA como a Alemanha, a União Europeia e Canadá.

Sem apontar diretamente a OTAN e a Alemanha, também se referiu aqueles países que não querem gastar com sua própria segurança, deixando que os EUA arquem com os custos de ser a polícia do mundo. Afirmou que partir de agora a ajuda financeira e política será destinada somente aos amigos.

Neste diapasão, exaltou o recente acordo militar dos EUA com a Polônia, advertiu a Alemanha sobre sua dependência do gás russo – uma referência à construção do gasoduto ligando os dois países -, bem como apontou como um exemplo o recente acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul.

Além disso, Trump reivindicou também o papel que Israel cumpre no Oriente Médio e defendeu a transferência da embaixada dos EUA e da capital de Israel para Jerusalém. Reivindicou também a monarquia da Arábia Saudita – ainda que, contraditoriamente, tenha criticado a OPEP como responsável pelo aumento do preço do petróleo – e sua atuação contra o terrorismo na guerra civil no Iêmen.

Uma afronta, já que a situação do Iêmen é considerada pela própria ONU como a maior crise humanitária do mundo atual, produto da sistemática violação de direitos humanos, tal como o caso do bombardeio de um ônibus escolar matando 40 crianças.

Por outro lado, Trump denunciou duramente o Irã e a Venezuela. Sustentou a justeza da ruptura dos EUA com o acordo nuclear que Obama assinou com o Irã (Plano de Ação Conjunto Global, JCPOA, na sigla em inglês) em 2015, considerado por ele como o “pior acordo do mundo”.

Embora não tenha defendido explicitamente a “opção militar” ou a “intervenção” externa na Venezuela -tal como vem fazendo explícita e sistematicamente no último período – reivindicou as novas medidas econômicas contra o país, o qual chamou de “socialista”, cuja situação seria uma “tragédia humana”. Chamou o apoio às suas medidas contra a Venezuela e os esforços pela “restauração da democracia” no país.

Sobre a Coreia do Norte, saudou como atitude “corajosa” os passos dados por Kim Jong-un desde a cúpula de Singapura, realizada entre ambos países em junho deste ano, à qual tratou da desnuclearização da península. Como exemplo, citou a suspensão dos testes nucleares, o início do desmonte do aparato nuclear e a liberação dos restos mortais dos soldados norte-americanos que combateram na Guerra da Coréia. Reafirmou, no entanto, que o fim do embargo econômico à Coreia do Norte só viria depois da completa desnuclearização do país.

Embates de projetos e crise da ordem mundial
O discurso de Trump contrastou com o do secretário geral da ONU, António Guterres. Membro do Partido Socialista português, seu discurso[1] colocou em confronto duas visões extremas que deixam nítida a atual polarização na instituição, refletindo a crise da ordem mundial.

Enquanto Trump, desde a ótica de seu nacional-imperialismo – “America First” – visando “Fazer a América Grande novamente” (“Make America Great Again”) afirmou que a própria ONU precisaria ser “ajustada”- uma forma diplomática de dizer que ela não serve aos seus propósitos -, Guterres reafirmou que a ONU é necessária e que o “multilateralismo é mais importante do que nunca” quando há conflito de interesses e conflitos abertos.

Em seu discurso, o secretário geral afirmou que “A confiança [no mundo] está em um ponto de ruptura” e que “As divisões no nosso Conselho de Segurança são rígidas”. Para ele “A confiança na governança global também é frágil”.

Diagnostica que “Hoje, a ordem mundial é cada vez mais caótica. Relações de poder são menos claras. Valores universais estão sendo erodidos. Os princípios democráticos estão sob cerco e o estado de direito está sendo minado. A impunidade está em ascensão, à medida que líderes e estados ultrapassam as fronteiras, tanto em casa como na arena internacional.” E assevera: “O multilateralismo está sob fogo precisamente quando mais precisamos dele.”

Mais a frente, agrega: “Sem estruturas multilaterais fortes para a cooperação e resolução de problemas à escala europeia, o resultado foi uma grave guerra mundial.” Ele alerta que “Hoje, com mudanças no equilíbrio de poder, o risco de confronto pode aumentar.” À título de ilustração recorre a um exemplo histórico: “Ao avaliar a Guerra do Peloponeso na Grécia Antiga, Tucídides disse, e cito: ‘Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso incutiu em Esparta que tornou a guerra inevitável’”.

Mais à frente conclui: “Líderes individuais têm o dever de promover o bem-estar de seu povo. Mas é mais profundo. Juntos, como guardiões do bem comum, temos também o dever de promover e apoiar um sistema multilateral reformado, revigorado e fortalecido.”

Nos debates ocorridos no decorrer da Assembleia, afirmou que as relações em torno às armas nucleares estão em seu mais alto nível de ansiedade desde o fim da chama da Guerra Fria, devido aos testes nucleares e de mísseis da Coreia do Norte, mas aponta que “A solução precisa ser política. É hora de estadismo. Não devemos caminhar para a guerra”. Alertou que “conversas enérgicas podem levar a desentendimentos fatais”.

Sobre terrorismo, enfatizou a necessidade de enfrentar as causas da radicalização: “Não é suficiente combater terroristas no campo de batalha”. Resgatou a necessidade de um “crescimento da diplomacia” e “um salto na prevenção de conflitos para o amanhã”. Disse que é possível se mover “da guerra para a paz, da ditadura para a democracia”.

Ressaltou que apenas soluções políticas podem levar paz para conflitos não resolvidos em Síria, Iêmen, Sudão do Sul, Sahel, Afeganistão e em outros lugares. Para isso anunciou a criação de um conselho consultivo de alto nível para a mediação de conflitos.Sobre o conflito entre Israel e Palestina, Guterres afirmou que a solução de dois Estados permanece como o único caminho adiante.

Durante a Assembleia, Guterres disse também que a migração segura não pode ser limitada a uma elite global, e enfatizou a necessidade de se fazer mais para enfrentar seus desafios. Refugiados, pessoas deslocadas internamente e migrantes não são o problema, e sim os conflitos, as perseguições e a pobreza. Seu discurso foi no mesmo sentido.

Ao tratar das mudanças climáticas, enquanto Trump, defensor do “negacionismo”, retirou a assinatura dos EUA do Acordo de Paris, Guterres alertou para a gravidade da situação climática e pediu aos governos a implementação do que ele chamou de um acordo “histórico” para o clima.

Para enfrentar essa nova situação mundial e seus desafios, a ONU lançou iniciativas de reforma da própria Organização[2].

Crise doméstica, uma ameaça
Apesar que Trump tenha dito em seu discurso que sob seu governo os EUA estariam “mais fortes”, “mais ricos” e “mais poderosos” que há dois anos atrás, isso contrasta com a profunda crise política que sua administração atravessa. Desde que tomou posse a Casa Branca vem sendo sacudida por escândalos e divisões dentro do seu próprio stablishment.

Há meses Trump está metido no imbróglio do inquérito liderado pelo promotor especial Robert Mueller sobre a interferência da Rússia nas eleições de 2016. Mueller indiciou 12 russos por suspeita de hackear computadores do Partido Democrata, da oposição.

Após encontro com Putin em julho, Trump disse não acreditar na interferência da Rússia. Depois teve que voltar atrás e concordar com a continuidade das investigações que a todo momento ele tenta interromper.

No início do mês o New York Times, principal jornal corporativo opositor a Trump, publicou um artigo anônimo de um funcionário da alta administração. Em tom conspirativo se definiu como parte de uma “resistência silenciosa” a um “governo caótico” e tranquilizou a opinião pública dizendo que também “tem gente adulta na sala”, numa referência ao Salão Oval, gabinete e local de trabalho do presidente.

O vice-presidente Mike Pence, o secretário de Estado Mike Pompeo e a secretária de segurança doméstica Kirstjen Nielsen, chegaram a ser cogitados como supostos autores do artigo.

Nas últimas semanas, o juiz conservador Brett M. Kavanaugh proposto por Trump para ocupar uma vaga na Suprema Corte enfrenta acusações de abusos sexuais que vem dificultando sua confirmação. A comissão do senado aprovou seu nome por 11 votos a 10, e ainda falta a votação no plenário onde os republicanos têm 51 votos contra 49 dos democratas e há 3 republicanos indecisos. Uma batalha que às vésperas das eleições legislativas de meio de mandato, a “midterm”, fez pairar sobre a Casa Branca o fantasma do escândalo de Watergate que pôs fim ao governo Nixon.

Toda essa situação questiona a fortaleza demonstrada por Trump ao discursar na 73ª Assembleia Geral da ONU. É bom lembrar que nenhum imperialismo, nem império, incluindo os pré-capitalistas, puderam se sustentar sem um grau suficiente de consenso, legitimidade e apoio político e social no seu interior. Muitas vezes a ‘frente interna’ resulta ser, em última instância, a principal frente para se exercer o domínio imperialista.

NOTAS

[1] https://www.un.org/sg/en/content/sg/speeches/2018-09-25/address-73rd-general-assembly

[2]http://undocs.org/es/A/73/1

 

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