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A ameaça de intervenção militar na Venezuela e a estratégia de Trump para a América Latina

Euclides de Agrela, de Fortaleza (CE)

É impossível analisar seriamente a situação da Venezuela, em particular, e da América Latina, em geral, sem partir da pergunta: qual a presente estratégia do imperialismo estadunidense para o continente?

Respondemos: A estratégia de segurança nacional do governo de Donald Trump, anunciada em 18 de dezembro de 2017, coloca o controle sobre a produção e comercialização de hidrocarbonetos, sobretudo petróleo e gás, como elemento decisivo para assegurar a hegemonia econômica, a força militar e peso geopolítico dos Estados Unidos no mundo e na região.

Não demorou muito para que isso se manifestasse em declarações e ações políticas. No início de fevereiro de 2018, pouco antes de sua primeira viagem à América Latina para lançar a estratégia do governo de Donald Trump no Continente, o secretário de Estado dos Estados Unidos na ocasião, Rex Tillerson, que foi presidente da Exxon-Mobil, a quarta maior companhia petrolífera do mundo, sugeriu a possibilidade de um golpe militar na Venezuela. Essa não foi a primeira declaração de um membro do governo Trump sobre o tema.

Antes de Tillerson, o próprio Trump em pessoa havia se manifestado, o que levou a alguns desavisados a acreditarem que se tratava apenas de mais uma bravata do fanfarrão imperialista. Em agosto do ano passado, afirmou Trump: “Temos muitas opções para a Venezuela, incluindo uma possível opção militar, se for necessário. Estamos em todo o mundo, e temos tropas em todo o mundo, em lugares que são muito longe. A Venezuela não está tão longe”. Disse o presidente em seu clube de golfe em Bedminster, onde tirava férias.[1]

Em fevereiro de 2018, tuitou Tillerson: “Os venezuelanos morrem de fome. Os saques são comuns e os doentes não recebem a atenção médica que necessitam. O povo venezuelano sofre por causa de um regime corrupto que rouba o seu próprio povo. O regime de Maduro é o verdadeiro culpado e deve prestar contas”.[2] Como podemos ver, a propaganda de uma pretensa intervenção militar do imperialismo na Venezuela, mesmo que não seja uma política imediata, traveste-se, nas palavras de Tillerson, de ação humanitária. Isso tampouco é novidade.

Pouco depois das declarações de Tillerson, o senador republicano Marco Rubio defendeu que a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) derrube o presidente Maduro com um golpe de Estado. Rubio declarou no Twitter que “o mundo apoiaria” uma decisão dos militares venezuelanos de “proteger o povo e restaurar a democracia removendo o ditador”.[3] O apelo à cúpula da FANB para que dê um golpe pró-imperialista contra Maduro, tampouco é novidade. Vimos esse movimento consumar-se de fato em 2002, quando do golpe que derrubou e prendeu Hugo Chávez, que foi libertado e reconduzido ao cargo de presidente da República por multitudinárias manifestações de massas.

Há uma semana atrás, Donald Trump demitiu Rex Tillerson e o substituiu pelo diretor da CIA, Mike Pompeo. Tillerson ainda ficará no cargo até 31 de março. Pompeo é um incondicional de Trump mais submisso que Tillerson, que, em outubro de 2017, chegou a chamar o presidente ianque de idiota.[4] A ascensão de Pompeo resolverá um dos problemas centrais da diplomacia dos Estados Unidos nos últimos 12 meses: quando Tillerson falava, pouca gente confiava em que estivesse expressando a visão do presidente.[5] A rigor, caracterizamos que esta mudança de comando na secretaria de Estado dos Estados Unidos não mudará a essência da estratégia geopolítica e militar do imperialismo para a América Latina e, em particular, para a Venezuela.

Basta ver que, nessa semana, uma vez mais, o espaço aéreo da Venezuela foi violado por aviões da Força Aérea ianque; o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos anunciou novas sanções contra funcionários do governo venezuelano e, por fim, Trump proibiu transações com a nova criptomoeda venezuelana, o Petro.

 

Sinais de uma nova estratégia geopolítica para a América Latina

Apesar de Tillerson não mostrar provas de um levante militar em curso contra o governo Maduro, a insistência de Donald Trump e de seus secretários mais próximos em propagandear a necessidade de um golpe militar na Venezuela demonstra que a fração republicana da burguesia ianque está voltando seus olhos e garras cada vez mais para a América Latina, o que representa a necessidade de redefinir uma estratégia econômica, geopolítica e militar, particularmente no que diz respeito ao petróleo, gás e minérios do Continente.

Apenas para citar o exemplo do petróleo: a Venezuela é atualmente, em todo o mundo, o país possuidor das maiores reservas de petróleo comprovadas, detendo 17,5% das reservas mundiais; à frente inclusive da Arábia Saudita, com 15,7%. O Brasil aparece em 15º, com 16,2 bilhões de barris, o equivalente a 1% das reservas globais provadas de petróleo.[6]

Essa estratégia, por um lado, busca apoiar-se na crise dos governos populistas de esquerda e de frente popular na América Latina que vêm sofrendo importantes derrotas eleitorais, como Cristina Kirchner, na Argentina e Michelle Bachelet, no Chile; ou golpes parlamentares, como os sofridos por Fernando Lugo, no Paraguai e Dilma Rousseff, no Brasil.

Além de buscar apoiar, reforçar e promover governos abertamente pró-imperialistas no Continente, Trump e seus secretários mais próximos, não apenas para a Venezuela, mas para o conjunto da América Latina, começam a ventilar uma propaganda em favor de intervenções militares ou, no mínimo, de uma maior participação da alta oficialidade das forças armadas na vida política, ainda que isso se dê, num primeiro momento, ocupando cargos governamentais no marco dos regimes democráticos representativos que, por conseguinte, assumiriam traços cada vez mais autoritários, sem que implique direta e imediatamente num típico golpe de Estado que suspenda eleições diretas e universais, mas que combine a manutenção destas com a restrição cada vez maior de direitos civis e liberdades democráticas.

Num recente discurso na Universidade do Texas em Austin, o mesmo Tillerson afirmou: “Na história da Venezuela e dos países sul-americanos, às vezes os militares são o agente da mudança quando as coisas estão tão ruins e a liderança não serve ao povo”.[7] Mais nítido impossível.

 

A retomada da doutrina Monroe e o Grupo de Lima

Tillerson alertou ainda contra a “presença crescente” da China e da Rússia na América Latina: “A América Latina não precisa de novos poderes imperiais que só buscam beneficiar a si mesmos”.[8] Ou seja, os Estados Unidos estão preocupados com a crescente intervenção econômica da China e da Rússia na América Latina. Para citar o exemplo da Venezuela: a China está tentando avançar sobre a exploração de minérios do país e a Rússia tem a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), a quinta maior empresa petrolífera do mundo, comprometida com sucessivos empréstimos financeiros.[9]

A recente viagem de Tillerson pela América Latina, em visita ao México, Colômbia, Peru, Argentina e Jamaica – todos países pertencem ao chamado Grupo de Lima – representou o teatro de uma política ofensiva do governo Trump cujo mote é a retomada da doutrina Monroe, lançada em 1823 sob o lema “a América para os americanos”.

À época do seu lançamento pelo presidente James Monroe (1817-1825), tratava-se da disputa dos Estados Unidos sobre o destino da América Latina com os imperialismos europeus, quando o Continente passou a ser tratado como o quintal do imperialismo ianque. Atualmente, o alvo da reedição da doutrina Monroe pelo governo Trump é outro: os crescentes negócios de Rússia e China na América Latina.

Tampouco foi acidental a escolha dos países que compõem o Grupo de Lima para essa primeira viagem de Tillerson pelo Continente. O Grupo de Lima é composto por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru. O grupo surgiu em agosto de 2017, quando os membros assinaram a Declaração de Lima, onde não reconheceram a Venezuela como país democrático e consideraram ilegais as ações que são aprovadas pela sua Assembleia Constituinte.

Na reunião do Grupo de Lima, ocorrida no Chile em 23 de janeiro, o representante do presidente da Argentina, Mauricio Macri, apresentou uma proposta para a exclusão da Venezuela da próxima cúpula de presidentes das Américas, que ocorrerá em Lima, nos dias 13 e 14 de abril. Na ocasião, somente a Colômbia apoiou a proposta de Macri. No entanto, os representantes da Argentina, Colômbia, Chile e Peru aceitaram a proposta do chanceler mexicano, Luís Videgaray, de apresentar uma declaração especial sobre a situação da Venezuela para discutir em 13 e 14 de abril. O Grupo de Lima ainda se manifestou contra a convocação das eleições presidenciais para 22 de abril na Venezuela e “recomendou” ao presidente Nicolás Maduro que apresente um novo calendário eleitoral, repercutindo as exigências da Mesa de Unidade Nacional (MUD), principal coligação dos partidos de direita.

 

Análise estratégica e laboratório político

A presidência de Donald Trump, por mais burlescos que sejam seus discursos e declarações, está redefinindo a geopolítica dos Estados Unidos, particularmente no que diz respeito à produção e distribuição do petróleo em nível mundial, o que afeta sobremaneira a relação do imperialismo ianque com Rússia e China. Os dois elementos anteriores se encontram na América Latina e, sobretudo, na Venezuela.

Para corroborar a afirmação acima, basta fazer uma comparação elementar: os processos de extração, envasamento e transporte do petróleo bruto para o refino em território estadunidense são muito mais baratos quando este petróleo sai da Venezuela do que aquele trazido da Arábia Saudita, que tem seus custos e o tempo de transporte significativamente aumentados devido à distância.

Definir estrategicamente uma nova geopolítica para a América Latina, cujo eixo é a conquista do monopólio absoluto das jazidas de petróleo, gás e minérios do Continente, não significa estabelecer já uma política intervencionista aberta, que venha a promover a invasão militar direta por tropas estadunidenses ou patrocinar golpes militares como uma linha geral imediata.

No entanto, não podemos fechar os olhos aos importantes sinais dessa estratégia já em curso: o apoio do imperialismo aos governos, partidos e movimentos políticos de direita na América Latina, a exemplo do que assistimos hoje na Colômbia e no México; o aumento do protagonismo político do Poder Judiciário em vários países do Continente, como é o caso do Brasil e da Argentina; a perseguição política e jurídica aos representantes dos antigos governos de conciliação de classes, como no Paraguai, Brasil e Argentina; e, não menos importante, uma propaganda enfática do próprio Tillerson em favor do protagonismo político das Forças Armadas na região.

Isso é assim porque desde a primeira guerra do Golfo (1990-1991), patrocinada por George Bush pai, houve um salto qualitativo da militarização da produção e distribuição mundial do petróleo, a partir de uma intervenção coordenada do complexo militar e da indústria petrolífera estadunidense, duas das maiores patrocinadoras e fiadoras da gestão Donald Trump.

Na América Latina, as políticas de relocalização de capitais, reindustrialização e acumulação por expropriação de territórios e matérias primas em economias dependentes, como hoje já vem ocorrendo no México e na América Central, está vinculada estreitamente à restrições de direitos civis e liberdades democráticas, ao estabelecimento de Estados policiais, cujo suporte é a militarização da sociedade civil, sustentada por ideologias como a “guerra às drogas” ou a “luta contra a corrupção” governamental.

Outro exemplo é o que vem ocorrendo na Argentina sob o governo Macri, que anunciou a criação de uma Força de Movimentação Rápida, também sob a desculpa de combate ao terrorismo e ao narcotráfico, o que implica a possibilidade de as Forças Armadas passarem a cumprir o papel de polícia e repressora imediata dos movimentos sociais.

Qualquer semelhança com o novo protagonismo político das Forças Armadas no Brasil catapultado pelo governo Temer, sobretudo depois da intervenção militar no Rio de Janeiro, não é mera coincidência. As graves consequências da intervenção militar já se fizeram sentir de maneira dramática: não só a violência urbana não diminuiu, como os bandos fascistas passaram a se sentir mais à vontade para assassinar dirigentes do povo trabalhador, preto, pobre e favelado, como a companheira Marielle Franco do PSOL-RJ.

Se é verdade que todos esses movimentos se dão fundamentalmente na superestrutura política, não é verdadeiro afirmar que sejam pontuais, desconexos e aleatórios. Eles respondem à categoria de laboratórios para testar as condições de possibilidade e as diferentes táticas para garantir uma única e mesma estratégia: o controle absoluto da América Latina, sem a mediação de uma política de conciliação de classes, através de governos abertamente pró-imperialistas e com traços cada vez mais autoritários.

A esquerda socialista tem o dever de partir de uma séria análise da estratégia geopolítica e militar do imperialismo para o mundo e para a América Latina. A partir daí analisar as situações concretas e elaborar as políticas mais apropriadas para combater os novos governos pró-imperialistas na região.

 

Uma das chaves da América Latina encontra-se na Venezuela

O anterior também vale, ainda que com o signo oposto, para a Venezuela de Nicolas Maduro: desconsiderar a estratégia geopolítica e militar dos Estados Unidos para a América Latina poderia nos colocar ao lado do imperialismo e da oposição de direita venezuelana, quando ainda não existe nenhuma alternativa revolucionária e socialista de massas ao governo Maduro e ao chavismo.

Denunciar a política econômica desastrosa e a política de conciliação de classes do governo Maduro, que busca se apoiar no movimento de massas para tentar negociar em melhores condições com o imperialismo e a oposição de direita, bem como questionar o controle autoritário do chavismo sobre os movimentos sociais não pode nos fazer fechar os olhos diante do maior e mais poderoso inimigo da classe trabalhadora em nível mundial: o imperialismo norte-americano.

Nunca é demais insistir: É preciso pôr a análise do imperialismo como elemento central da elaboração política para a América Latina. Por tudo isso, não hesitaremos, nem mesmo por um segundo, por mais que o critiquemos e façamos exigências, em defender o governo Maduro de uma nova tentativa de golpe ou intervenção militar imperialista.

[1] Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/trump-diz-que-considera-opcao-militar-na-venezuela.ghtml. Acessado em 19/03/2018.

[2] Com dados do Estadão: http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,senador-republicano-defende-golpe-militar-para-derrubar-maduro,70002184736. Acessado: 12 de fevereiro de 2018.

[3] Com dados do Estadão: http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,senador-republicano-defende-golpe-militar-para-derrubar-maduro,70002184736. Acessado: 12 de fevereiro de 2018.

[4] Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/03/trump-demite-rex-tillerson-e-mike-pompeo-sera-novo-secretario-de-estado.shtml. Acessado em: 19/03/2018.

[5] Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/03/mike-pompeo-novo-secretario-de-estado-dos-eua-defende-trump-com-ardor.shtml. Acessado em 19/03/2018.

[6] Os dados mais recentes são de 2016. Fonte: https://exame.abril.com.br/economia/estes-10-paises-tem-as-maiores-reservas-de-petroleo-no-mundo/. Acessado em 06 de março de 2018.

[7] Com dados da Folha: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/02/tillerson-sugere-golpe-militar-na-venezuela.shtml. Acessado em: 12 de fevereiro de 2018

[8] Idem.

[9] Ver artigo: A esquerda socialista e o agravamento da crise na Venezuela em: http://esquerdaonline.com.br/2017/04/06/a-esquerdaa-socialista-e-o-agravamento-da-crise-na-venezuela/

 

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