No mês de setembro foram realizados intensos encontros bilaterais entre países do subcontinente sul-asiático. Cada vez mais, desde a crise de 2007-2008, as peças do tabuleiro na região estão em intenso movimento revelando as mudanças geopolíticas que estão se operando no cenário mundial.
Destaco dois importantes encontros ocorridos nos últimos meses. O primeiro foi dos chanceleres do recém-eleito primeiro-ministro do Paquistão, Inram Khan, e o ministro do exterior da China. O segundo foi o encontro de cúpula entre os EUA e a Índia.
Desde o encontro de Donald Trump e o primeiro-ministro da Índia, Narandra Modi, ocorrido em Washington nos dias 25 e 26 de junho de 2017, houve uma maior aproximação entre os dois países. Os dois mandatários têm muita similaridade em seus nacionalismos, até em seus slogans de campanha eleitoral “American First” (América Primeiro) e “Make in India” (Faça na Índia). Mas essa aproximação não para por aí. Apesar da relação econômica entre os dois países ser relativamente estável, a administração Trump está na briga para abocanhar um pedaço do mercado na Índia, hoje nas mãos da Rússia.
Em 2017, o comércio entre Rússia e Índia atingiu o montante de US$ 8,2 bilhões (R$ 30 bilhões), com saldo positivo a favor da Rússia. As exportações russas para a Índia atingiram US$ 5,6 bilhões (R$ 21 bilhões); as importações cifraram-se em US$ 2,6 bilhões (R$ 9,7 bilhões). Por sua vez, segundo o Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI, na sigla em inglês), a exportação de armas da Rússia para a Índia caiu de US$ 2,2 bilhões (R$ 8,2 bilhões) para US$ 1,9 bilhões (R$ 7,1 bilhões). Consequentemente, a parcela de bens não militares exportados é de 66%, uma ampliação em termos relativos.
De toda forma, cabe destacar que as exportações russas de armamentos e tecnologia militar para a Índia tem como principal item o novo sistema de rastreamento e defesa antimísseis S 400, já adquirido pela China, um negócio de 6 bilhões de dólares. Junto com ele estão os projetos dos aviões de caça “Make in India”. Entre tais projetos estão incluídos o caça Su-30MKI, os tanques T-72M1 e T-90S, entre outros. Nenhum país firma esses acordos desse tipo, exceto a Rússia.
O desagrado do governo dos EUA com essa relação Rússia-Índia, seguramente estão por trás das medidas protecionistas dos EUA às importações da Índia, tal como foi o caso do Alumínio e outros bens, e, também, a denúncia que o governo Trump fez na OMC, em 9 de maio deste ano, contra os preços dos grãos. O último capítulo que revela o interesse dos EUA em ter uma relação econômica mais estreita com a Índia numa disputa clara com a Rússia, foi um acordo de cooperação militar assinado entre os dois países no último dia 6 de setembro. Segundo a Folha/UOL 7 de setembro 2018, “A ministra da defesa da Índia, Nirmala Sitharam, disse que a cooperação militar se tornou o propulsor das relações EUA x Índia, que, segundo ela, estão sendo ´levadas a outro nível´. Discutiu-se também até onde a Índia cortaria suas importações de petróleo Iraniano, além de um possível maior papel da Índia em um nascente bloco econômico formado por EUA, Índia, Japão e Austrália.”
China e Paquistão: o contraponto
Outra importante movimentação tem sido a aproximação da China com o Paquistão, intensificada após a vitória de Imram Khan e seu partido, o PTI (Pakistan Tehreek-e-Insaf, ou, Movimento Paquistanês pela Justiça), garantindo sua eleição para primeiro-ministro. Mesmo antes das eleições gerais de julho, a China emprestou mais 1 bilhão de dólares (https://www.dci.com.br/mundo/china-empresta-1-bi-de-dolares-ao-paquist-o-para-que-recupere-reservas-1.720130) , chegando a um montante que deve ultrapassar os 5 bilhões de dólares em empréstimos ainda este ano.
Em abril deste ano, houve um encontro de cúpula entre os dois países onde essa tendência se aprofundou. Neste encontro o presidente chinês Xi Jinping apontou que os laços entre os dois países devem tornar-se um modelo de relação de boa vizinhança e de cooperação internacional sob a “Iniciativa do Cinturão e Rota” (One Belt One Road), o megaprojeto chinês, conhecido como a “Nova Rota da Sede”. Uma alusão à antiga rota comercial oriente-ocidente dominada pela China entre os séculos II a.c e XIV d.c., conhecida como “Rota da Seda”.
Segundo Daily Times 23 de abril de 2018 (https://dailytimes.com.pk/231411/no-military-aim-of-corridor-project-with-pakistan-china/) “A parceria de cooperação estratégica, sob todas as condições, entre a China e o Paquistão fez um progresso destacado desde que visitei o país vizinho em 2015”, expressou Xi.
O presidente chinês destacou ainda que a situação internacional e regional está registrando mudanças profundas e complexas, o que torna mais importante que os dois países consolidem a amizade e aprofundem a cooperação estratégica. Ele apontou que a China está disposta a fazer esforços conjuntos com o Paquistão para impulsionar os laços bilaterais para um nível superior e construir uma comunidade com futuro compartilhado mais estreitamente entrelaçada entre os dois países. Ele ainda pediu esforços das duas partes para avançar na construção do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP), e garantir o planejamento e a implementação estáveis de projetos de cooperação que envolvam a construção de infraestrutura, tais como o porto de Gwadar, assim como parques de energia e industriais.
O Corredor Econômico China-Paquistão (CECP)
A China posicionou o CECP como o principal projeto de sua iniciativa global de “Cinturão e Estrada”, estimado em US $ 1 trilhão (BRI), defendida pelo presidente Xi Jinping. O embaixador chinês nesta reunião disse que dentro de cinco anos de finalização e lançamento do CPEC, 22 projetos de ‘colheita antecipada’ dos 43 projetos totais sob CECP foram concluídos ou estão em construção, com um investimento total de cerca de US $ 19 bilhões, o maior influxo de investimento estrangeiro da história em 70 anos no Paquistão. Os projetos já trouxeram 60.000 empregos locais, além de enfrentar a crise energética do país.
Em sua declaração após as eleições o primeiro-ministro Inram Khan, elogiou o “modelo chinês” para combater a pobreza no Paquistão. No dia 8 de setembro de 2018, aconteceu um encontro entre os chanceleres do Paquistão e China. Em visita oficial de três dias no Paquistão o ministro das relações exteriores da China Wang Yi se encontrou pessoalmente com o ministro do exterior do Paquistão Shah Mehmood Qureshi.
Yi, enviou um convite ao primeiro-ministro Imran Khan para ser o convidado de honra da International Import Expo na China. Encontrou-se também com militares para discutir cooperação na área de segurança. De acordo com o Daily Times de 8 de setembro 2018 (https://dailytimes.com.pk/294854/pakistan-china-to-strengthen-bilateral-ties/), o porta-voz do governo Dr. Muhammad Faisal afirmou: “a visita do ministro das Relações Exteriores chinês ao Paquistão é um desenvolvimento “muito positivo”, afirmando que desde a formação do governo do PTI as visitas de chanceleres iranianos, norte-americanos e chineses significam a importância do Paquistão na região e no mundo”. E ainda, “O Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC), a cooperação econômica, os intercâmbios culturais e educacionais e a situação regional foram discutidas durante a reunião”, acrescentou o porta-voz.
Acirramento da disputa geopolítica
Os EUA têm razão para se preocupar. A ofensiva da China na região e as relações da Rússia com a Índia, seu histórico aliado na região, ameaçam completamente seu controle da região.
Essa situação reflete o avanço da China sobre a geopolítica mundial como também a política que a Rússia vem aplicando para barrar o avanço constante da OTAN em direção ao Leste, o que ele considera uma violação do acordo coma ex-URSS durante o processo de unificação da Alemanha. O conflito da Ucrânia, em 2014, levando a divisão do país entre oeste (governo pró União Europeia) e leste (pró Rússia), e a anexação da Criméia pela Rússia, é um exemplo de que Putin quer colocar um ponto final a esse avanço. A Rússia vem sofrendo sanções dos EUA por conta de sua atuação na Ucrânia, mas a intervenção da Rússia na Síria mostra que Putin não se intimida.
É levando em conta toda essa nova situação que a Estratégia de Segurança e de Defesa Nacional de Donald Trump, anunciadas em final de 2017 e início de 2018, respectivamente, elencou a China e a Rússia como seus principais inimigos. É a primeira vez desde a queda do Leste e o fim da “chamada “guerra fria” que o conflito entre Estados-potência passa a ser objeto da doutrina de Segurança e de Defesa dos EUA. Até então girava em torno de inimigos não-estatais como as “organizações terroristas” e envolvia países a exemplo do Iraque, Afeganistão e a Líbia.
Esse novo momento da geopolítica em que os EUA hierarquizam o conflito com a China e a Rússia abre um cenário de grande instabilidade mundial. As recentes movimentações e o aumento das tensões no subcontinente sul-asiático envolvendo a Índia e o Paquistão é somente uma expressão desta nova situação.
Referências:
https://jornal.ceiri.com.br/primeiro-ministro-da-india-visita-o-presidente-dos-eua/
http://www.marxistreview.asia/chimera-of-foreign-direct-investment/
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