1 – A corrida eleitoral entrou em nova etapa. O “efeito facada” em direção a Bolsonaro e “voto útil” – ao menos o que ia em direção ao Ciro – podem já ter se esgotado nessa eleição. É provável que agora é que Bolsonaro e Haddad apareçam nos dois primeiros lugares. Ciro, ao que parece, não havia chegado a conquistar o eleitorado mais profundo e suscetível à indicação de Lula e apenas havia começado a se beneficiar de um voto útil de um eleitorado progressista.
Num primeiro momento, tende a tentar resistir: vai tentar o trunfo da crítica a Dilma, vai mostrar que está melhor no 2o turno, vai fazer (ou manter) um discurso até à esquerda do que o candidato do PT, vai investir nas áreas em que este tem mais potencial, mas terá dificuldades em resistir ao movimento de um enorme contingente de eleitores que – ao longo de meses de artificialização contra Lula – reforçaram sua fidelidade ao ex-presidente e mesmo às estruturas muito mais sólidas fechadas com seu adversário dentro do campo progressista. Muitos eleitores urbanos e de classe média deste campo enxergaram compreensivamente em Ciro uma alternativa até mais viável e consistente que Haddad e se direcionaram a ele, mas isso dificilmente chegará para “compensar” o fato de que Ciro – como Marina – não tem o apoio fechado de segmentos de classe e de suas organizações (nem das dominantes nem das subalternizadas).
É notável que tenha chegado tão longe com tanto fôlego e com críticas tão duras – e meritórias – às cúpulas militar e financeira mas, agora parte deste eleitorado, que não aguentou esperar a definição do PT, poderá ir voltando ao seu caminho tradicional. Abre-se aí uma questão importante: a de como Ciro se comportará caso constate que não conseguiu deter o avanço de Haddad: voltará a tentar ganhar eleitores de Bolsonaro, apostando num esvaziamento deste disputando com Alckmin a condição de “aquele que pode vencer o PT no 2o turno?” Radicalizará o discurso de disputa com ele? Voltar a ser visto como alternativa pelo “andar de cima”, como foi em outras eleições temporariamente, parece praticamente impossível desta vez, apesar da escassez de boas alternativas. De todo modo, ele não deixará Alckmin à vontade na posição de 3o colocado (que é sempre o primeiro desafiante das vagas na final), fará diferença tirando do tucano o monopólio do “nem bolsonaro, nem PT”, em especial depois do esvaziamento de Marina.
2 – O PT aposta suas fichas numa ida para o 2o turno contra Bolsonaro, que se tornaria num plebiscito contra a Barbárie. É compreensível, já que parece o caminho mais fácil e imediato para o retorno do partido ao governo (depois de um golpe e de ter seu maior líder preso; não se trata de uma pequena tentação). E, caso se concretize tal segundo turno, não tenho dúvidas de que teremos que jogar tudo para derrotar o facínora. Mas isso traz problemas aos quais deveríamos atentar: com quem fica a tarefa de “desconstruir” o monstro antes dele virar uma alternativa “natural” de poder e líder da oposição? Pq é isso que acontece com o 2o colocado no 2o turno usualmente. Bolsonaro precisa ser derrotado desde já.Se for para a próxima etapa, que seja o mais enfraquecido possível, devolvido ao seu nicho de odiadores viúvos da ditadura. É legítimo que o PT seja cobrado a ajudar nesta tarefa e não apenas porque seu objetivo de reservar vaga na “final” parece cumprido.
Aquela frase atribuída à Gleise de que Bolsonaro seria “problema do Alckmin” nunca foi boa, mas não tem mais atualidade alguma. Depois que o referido fez a sua reentrada na campanha com um vídeo do hospital, em que reforça sua condição de vítima e em que lança uma suspeição prévia sobre a votação eletrônica em caso de derrota – num contexto em que os golpismos fardados, togados, endinheirados e midiáticos parecem especialmente despudorados – reforça-se este ponto: derrotá-lo é uma tarefa democrática urgente, tarefa de todas as organizações e não pode ser adiada para uma etapa posterior sob pena de subir muito o “preço” da vitória (e os riscos da derrota e de fortalecer um pólo desestabilizador para depois das eleições).
3 – Há fragilidades importantes no lado da candidatura Bolsolnaro-Mourão. Se é verdade que subiu com a exposição pós-facada, é também que perdeu, por enquanto, a capacidade de articular campanha, de negociar acordos com o “andar de cima”. As diatribes do general vice do capitão (como se isso em si, já não fosse um prenúncio) mostram a fragilidade do que eles têm a oferecer aos de cima. Nossa burguesia não é democrata e nem mesmo liberal convicta. Só quer “ficar rica”. Mais rica.Este setor tem pré-disposição negativa forte pra Haddad (e pra Ciro), não tanto por considerá-lo demasiadamente “de esquerda” mas por avaliar que não vai entregar o ajuste, mesmo que se comprometa com ele ou com parte dele, mas congelou a possível opção de ir pra uma candidatura cujo destino e desenvolvimento é incerto.
Não devemos apostar nem no pudor nem na racionalidade política da Av Paulista e eles podem aderir ao pior mas, neste momento, o pior não tem muita certeza a oferecer.Além e melhor que isso, cresce um movimento potente – sobretudo de mulheres – de rejeição a esta alternativa sórdida de não-futuro. A própria “deslegitimação preventiva” lançada pelo candidato ao processo é sinal de que os seus percebem o potencial do “veto” popular à sua ascensão. A dinâmica entre grande burguesia (incluindo os bancos e a grande mídia), candidatura protofascista, de um lado, e outras alternativas, de outro, não está definida e isso fará toda a diferença nestes 20 dias que restam até o primeiro turno e no próprio segundo turno.
4 – Alckmin só tem uma chance: convencer o campo conservador de que é o único caminho para evitar uma vitória do PT, recuperando uma parte do eleitorado perdido pra Bolsonaro e sugando a votação de seus parceiros de programa: Amoedo, Álvaro Dias, Meirelles e ainda buscando algo da desidratação de Marina. É difícil, sobretudo com o desânimo dos seus padrinhos “do mercado”. Mas não se pode esquecer que é apoiado por máquinas que somam mais da metade do parlamento. E muito menos que o eleitorado conservador (e antiPT) faz os seus movimentos pragmáticos e de última hora também. Não foram muitas horas as necessárias para a virada de Aécio sobre Marina em 2014.É uma ilusão achar que os 30% antiPT vão só assistir ao desfile de seu desafeto rumo ao planalto, notadamente se as fragilidades de Bolsonaro se mantiverem. Por pior que ele esteja se saindo, ainda é o candidato “dos sonhos” da alta burguesia, confiável para estes agentes e de programa compatível (e parecido) com o do 1o colocado.
As “simulações de 2o turno”, onde as divergências entre os grandes institutos são maiores, serão instrumentos importantes pra ele e seus trunfos serão jogados caso consiga se apresentar como desafiante à final “Bolsonaro x PT”. Ao contrário do que pensam até alguns de seus incrédulos fanáticos, o tucano não está descartado ainda.A esta altura a Av. Paulista deve estar – ou deveria estar – arrependida de ter apoiado o golpe e de não ter apostado mais em algum outsider de confiança que pudesse colar mais que a desgastada e pouco atrativa imagem de um tucanato gasto. A “ressurreição” de um de seus “reservas” parece ainda mais improvável. Um eventual descarte definitivo do ex-governador que obrigue as frações de classe que ele representa a se mover mais solidamente será uma nova movimentação estrutural desta disputa.
5 – Com a pressão do “voto útil” arrefecendo por enquanto, talvez seja o momento da candidatura Boulos apostar nos trunfos que tem: o maior, mais detalhado e discutido programa e o fato de estar a serviço de um processo de médio prazo: o da retomada da capacidade de resistência e luta organizada por direitos e projetos. Seja com o governo que for – inclusive se for um governo PT ou Ciro – essa capacidade mobilizadora, esse horizonte de ir além de simplesmente dizer não ao fascismo, vão ser muito necessários para fazer face à pressão que vem aí. O golpismo não vai morrer com o resultado da eleição, vai tentar se trasladar de novo pra dentro do poder e não vai sair das estruturas que já ocupa. Vai ser preciso mais que votos para enfrentá-lo, vai ser preciso força social e, sobretudo, política.
*Elídio A. B. Marques é professor de Relações Internacionais da UFRJ, militante da Resistência/PSOL
Comentários