O Conselho Universitário da UFRJ se reuniu, nesta terça-feira (11), para discutir o incêndio do Museu Nacional no dia 2 de setembro. Ao final, aprovaram uma declaração, assinada pelo reitor da universidade, o professor Roberto Leher, onde seus integrantes relatam tristeza, mas também falam de indignação com o que chamaram de “inverdades e fake news” sobre o museu. “O que inicialmente foi uma cobertura da mídia focalizada no sinistro, rapidamente apagou a história e a relevância do Museu Nacional, incidindo de modo irracional sobre a UFRJ, por meio de inverdades, fake news, manifestações de ódio à cultura, à Universidade, à secularização da vida. Agentes públicos encamparam a causa do incêndio para tentar fazer prevalecer seus interesses particularistas”, escreveram. Na declaração, também explicam a questão das verbas e tentativas de captação de recursos “via Lei Rouanet, emendas parlamentares e solicitações de aportes governamentais dos Ministérios da Educação e da Cultura”, segundo apontam.
Ao final, reafirmam que não medirão esforços para a reconstrução do museu, ao mesmo tempo em que se colocaram contrários à Emenda Constitucional 95 aprovada no governo Temer e que congela gastos essenciais como em educação e saúde por 20 anos e defenderam a autonomia universitária, uma resposta à proposta de mercantilização dos museus. “A autonomia universitária é uma cláusula pétrea da vida acadêmica e que jamais irá flexibilizá-la em virtude da hostilidade dos que se julgam os donos do poder”, declararam.
Confira a íntegra da carta publicada
DECLARAÇÃO PÚBLICA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO SOBRE O INCÊNDIO DO MUSEU NACIONAL
O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reunido em 11 de setembro de 2018, manifesta profunda consternação, tristeza e indignação com o incêndio que consumiu a edificação e o maravilhoso acervo museal do Museu Nacional. As coleções de arqueologia, antropologia, linguística, vozes dos povos originários, geologia e paleontologia, botânica, zoologia, documentos históricos foram delicadamente organizados por muitas gerações de professores, técnicos, administrativos e estudantes devotados à causa da ciência, da arte e da cultura. Por meio desse acervo encontramos e reinventamos a nossa história profunda; por isso, o Museu Nacional sempre foi amado por milhões de pessoas que levaram sucessivas gerações de crianças e jovens para encantarem-se com a ciência e a cultura. Todas as pessoas sensíveis, amorosas com o conhecimento, sofreram e choraram naquele trágico 2 de setembro de 2018. Também sentiram seus corações rasgados de dor todos os principais museus e universidades do país e do mundo. As manifestações por meio de notas de solidariedade confirmam isso.
Mas a tristeza e o drama coexistiram com a indignação. Quando o Museu Nacional estava perto de completar dois séculos, a comunidade da UFRJ e do Museu Nacional, em particular, se empenhou em preparar uma celebração que marcasse os 200 Anos com uma profunda reforma das instalações que possibilitasse entregar um presente ao Brasil e ao mundo. O projeto compartilhado por todos envolvia duas vertentes: a completa recuperação das instalações do Museu Nacional liberando o prédio de todas as atividades administrativas, acadêmicas, laboratórios etc., de modo que todo o prédio pudesse estar disponível para as exposições. A segunda, a construção de anexos que pudessem abrigar as referidas atividades universitárias e administrativas. Assim, as vigorosas atividades acadêmicas do Museu Nacional poderiam estar melhor acomodadas, possibilitando que o ensino, a pesquisa e a extensão pudessem seguir iluminando a ciência e a cultura mundiais.
Muitos projetos foram apresentados para captação via Lei Rouanet, emendas parlamentares e solicitações de aportes governamentais dos Ministérios da Educação e da Cultura. Muitos dos que agora criticam a UFRJ negaram apoio ao Museu Nacional. A emenda de bancada foi aprovada, mas os recursos não foram liberados pelo governo. Os projetos de captação, embora aprovados, não tiveram interessados, exceto um destinado a organização de uma exposição. Com essas vias interditadas, a UFRJ buscou aporte no BNDES no segundo semestre de 2015. Após um trabalho primoroso das equipes da UFRJ, da Associação Amigos do Museu e do BNDES foi possível firmar o acordo, tudo isso em um contexto de profunda instabilidade política e econômica. No início de 2017, nova tentativa de aporte da Cultura foi tentada com o então ministro Roberto Freire, mas novamente, a informação foi de que não havia recursos para tal fim no Ministério e que a alternativa seria a referida Lei Rouanet. Novamente, projetos foram elaborados, aprovados, porém, outra vez, sem patrocinadores. Assim, a alternativa ficou restrita ao BNDES. O incêndio ocorreu antes da liberação efetiva dos recursos.
O que inicialmente foi uma cobertura da mídia focalizada no sinistro, rapidamente apagou a história e a relevância do Museu Nacional, incidindo de modo irracional sobre a UFRJ, por meio de inverdades, fake news, manifestações de ódio à cultura, à Universidade, à secularização da vida. Agentes públicos encamparam a causa do incêndio para tentar fazer prevalecer seus interesses particularistas. O incêndio virou uma metáfora da destruição da razão. As hostilidades em circulação na rede web, movidas a partir de centros de pensamento que difundem ódio e irracionalismo, ganharam proporções que exigem uma reflexão corajosa da nação, pois tentam interditar o direito à memória necessária à construção social de um futuro que assegure dignidade, igualdade e liberdade a todas as pessoas.
A UFRJ declara que não irá vergar em virtude dessas manifestações hostis. A UFRJ declara que não se sentirá intimidada a mercantilizar a ciência e a cultura e, por isso, seguirá lutando contra a EC 95. A UFRJ declara que a autonomia universitária é uma cláusula pétrea da vida acadêmica e que jamais irá flexibilizá-la em virtude da hostilidade dos que se julgam os donos do poder. A UFRJ declara que utilizará o melhor de sua inteligência coletiva em prol da reconstrução do Museu Nacional. Esse é um compromisso inquebrantável das atuais gerações de estudantes, professores, técnicos e administrativos. E, com a mesma força e disposição, de todas as forças democráticas que trabalham diuturnamente em prol da educação, da arte, da cultura, da ciência e da tecnologia. Arrancamos da dor a força necessária para forjar um novo tempo histórico em que a cultura e a ciência serão assegurados a todas e todos humanos. Essa é a nossa história e seguimos comprometidos com as causas que inspiram e motivam a UFRJ e o povo brasileiro.
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Foto: Ato na Cinelândia, Luto e luta pelo Museu Nacional. Annelize Tozetto.
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