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BRASIL

As próximas semanas serão decisivas para a luta contra a privatização dos hospitais universitários da UFRJ

Nesta semana a reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro receberá em audiência o movimento “Barrar a Ebserh na UFRJ”. O movimento formado por técnicos administrativos, estudantes e docentes da universidade reivindicou a audiência para apresentar sua posição contrária à implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares na UFRJ e para cobrar o debate sobre os impactos que essa decisão poderá acarretar para a comunidade acadêmica e para a população, em geral.

Hospital Universitário UFRJ
Prohart / HUCFF / UFRJ

O que é a EBSERH

A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) é uma empresa pública de direito privado criada pelo governo federal, em 2011, para administrar e gerir todos os hospitais universitários federais do Brasil no intuito de desvincular estes das universidades e entregá-los para a gerência do grande capital. A empresa desenvolve suas atividades a partir da cessão de bens e direitos das universidades, muda o regime de trabalho dos servidores e determina as linhas administrativas gerais dos hospitais.

No momento presente o retorno desse debate é ainda mais ameaçador, levando em conta o contexto pandêmico do país, que o atual presidente da Ebserh é um general do exército, fortemente alinhado com o governo Bolsonaro, e que a Ebserh está presente na lista de privatizações de Paulo Guedes.

É assustador e incoerente trazer essa proposta em meio a uma crise sanitária que já matou milhares de brasileiros, sem debater amplamente com a comunidade, num momento em que a Saúde Pública se mostrou mais uma vez uma área estratégica importante para o desenvolvimento do país. Por isso, é preciso dizer: a tentativa de adesão UFRJ à Ebserh está alinhada claramente aos interesses de Bolsonaro, Guedes e seu governo genocida!

Antecedentes

Sabemos das inúmeras investidas do grande capital para derrubar o SUS, incluindo as tentativas de impedir que o sistema público de saúde do país tivesse surgido. Desde a década de 90, os hospitais universitários vem sendo precarizados pela falta de investimentos públicos, o que acarretou uma grave crise expressa nos déficits de recursos financeiros, tecnológicos e de pessoal, com repercussões bastante negativas na universalização do acesso da população e na qualidade da prestação dos serviços. Essa insuficiência de recursos levou ao sucateamento da infraestrutura, à redução do número de leitos, ao elevado endividamento da instituição e à carência de pessoal, provocada pela não contratação de novos profissionais por meio de concursos públicos, como previsto no Regime Jurídico Único (RJU).

Diante dessa crise, a solução imposta pelo governo federal passa pela introdução dos “novos modelos de gestão”, entre eles, a EBSERH.  Busca-se passar a idéia de que a situação enfrentada pelos profissionais e usuários dos HU está na forma de gestão e não na redução do financiamento publico e no interesse em entregar este patrimônio publico à sanha de lucro dos donos de empresas privadas de saúde. Nada diferente de um velho discurso requentado de que com uma nova e moderna reforma administrativa nossos problemas acabarão.

Os hospitais universitários (HU’s), que compõe a maior rede de hospitais do SUS em todo o Brasil,são equipamentos sociais públicos de educação e saúde e devem atender ao projeto político-pedagógico das instituições de ensino às quais estão vinculados. Neles é realizado grande parte da pesquisa científica no Brasil. Além disso, esses hospitais comportam a maior parte da assistência de alta complexidade do país, sendo 50% para cirurgias cardíacas, 70% para transplantes, 50% para neurocirurgias e 65% em atendimentos para malformações craniofaciais. Isso mostra o quão fundamental a rede de hospitais universitários é e o papel social importantíssimo que estes possuem no atendimento às populações mais pauperizadas. Demonstra isso o fato de que na pandemia do COVID-19, estes se mantiveram como referência na pesquisa, tratamento e combate ao vírus. Não é, portanto, casual que o complexo hospitalar da UFRJ seja considerado um “ativo” atraente ao mercado.

Situação atual

Atualmente, de um total de 50 hospitais de 35 universidades púbicas, 40 já estão sob a gerência desta empresa. Convém ressaltar, que em diversas universidades a aprovação da EBSERH se deu por meio da assinatura de um contrato de gestão com as reitorias às portas fechadas e/ou em reuniões de Conselhos Universitários apoiadas em forte repressão policial contra os manifestantes contrários. Nesse sentido, há um resgate histórico importante que precisa ser feito: a UFRJ já disse NÃO A EBSERH em 2013, ainda nos governos do PT! Com muito debate e mobilização, mais de 1000 pessoas ocuparam a sessão do conselho universitário e foram vitoriosos em barrar o projeto de implementação da Ebserh na Universidade. Isso só foi possível após alguns meses de debates promovidos pelo ANDES-SN, pela FASUBRA e pelos sindicatos dos técnicos, docentes e pelo DCE da UFRJ.

Hoje o complexo hospitalar da UFRJ é o maior entre as universidades e o que possui a tecnologia mais desenvolvida no país. É composto pelas seguintes unidades:

1- Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)
Maior hospital do estado do Rio de Janeiro em volume de consultas. Possui um programa de transplante credenciado no Sistema Nacional de Transplante (SNT) do Ministério da Saúde, para transplantar rim, fígado, córnea e medula óssea.

2-Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (Hesfa)
O Instituto atende as demandas da Atenção Básica de Saúde (ABS), Atenção Secundária à Saúde (ASS) e dos Programas de Saúde da Família (PSF)

3-Instituto do Coração Edson Saad (Ices)
A Instituição é especializada em pesquisa e assistência em cardiologia e cirurgia cardíaca,

4-Instituto de Doenças do Tórax (IDT)
O hospital se dedica à promoção da saúde e à assistência integral de doenças respiratórias. O IDT oferece treinamento avançado para todas as profissões de saúde e promove a atualização permanente para profissionais em intercâmbio com instituições no Brasil e no exterior.

5- Instituto de Ginecologia (IG)
O Instituto trabalha com assistência, ensino e pesquisa em reprodução humana e fertilidade e o próximo passo será promover a reprodução in vitro.

6-Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC)
Atende a pacientes com doenças musculares primárias. Na área de pesquisa, possui linhas de investigação sobre as doenças neuromusculares da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), do Parkinsonismo e das manifestações neurológicas da doença de Alzheimer.

7-Instituto de Psiquiatria (Ipub)
É um centro de ensino, pesquisa e treinamento em saúde mental, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Centro de Excelência do (SUS) do Estado do Rio de Janeiro.

8-Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG)
Seu objetivo principal é o aprimoramento dos conhecimentos teóricos e práticos dos profissionais da área de saúde ligados à pediatria. Oferece assistência a gestantes e a recém-nascidos de alto risco.

9- Maternidade Escola (ME)
Funciona 24 horas por dia e conta com um moderno Centro Obstétrico, UTI Neonatal, Banco de Leito Humano, Alojamento Conjunto e Enfermarias Mãe-Canguru, assim como serviços de apoio (laboratório de análises clínicas e de patologia). Vale salientar o seu pioneirismo na introdução dos métodos biofísicos na obstetrícia do Brasil, como a ultra-sonografia e a doplerfluxometria.

Para analisar as conseqüências da Ebserh dever-se buscar a experiência de quem já passou pela implantação do modelo. Vejamos o depoimento de Maria das Graças, assistente social do Hospital Antonio Pedro da Universidade Federal Fluminense, ao jornal do SINTUFRJ, em agosto de 2021. Segundo a profissional, não houve aumento do número de leitos, nem de funcionários e a gestão empresarial criou situações de assédio moral e comprometimento do atendimento. Alem disso, os profissionais de saúde perderam a autonomia, os residentes tiveram redução do seu campo de treinamento e a pesquisa e a assistência ganharam cunho empresarial.Alteração, que impede que avanços científicos e tecnológicos na área da saúde, sejam acessados pela maioria da população, especialmente, os mais pobres.

 

A entrega dos HU da UFRJ à EBSERH constitui parte integrante das iniciativas que visam “passar a boiada”

Conforme amencionado, a proposta de entrega deste patrimônio publico para EBSERH ocorre neste contexto de gravíssima crise social no país, no qual o governo federal e seus aliados no Congresso gastam milhões em emendas parlamentares para fazer “passar a boiada” , a serviço dos interesses do grande capital. Além de tentar aprovar a PEC 32 (Reforma Administrativa), uma ameaça nefasta aos serviços e servidores públicos e à população trabalhadora, em geral, o governo agiliza o desmonte da educação publica com uma série de ataques a direitos e cortes de orçamento na pandemia,tais como : a minuta do MEC de retorno, sem segurança sanitária, às aulas presenciais, a minuta do Programa Reuni Digital, as intervenções em 23 instituições federais de ensino, a inclusão de inovação e empreendedorismo junto a extensão, pesquisa e ensino, o que na verdade significa a implementação na pratica do privatista programa FUTURE_SE.

Tudo isso feito em meio aos sucessivos cortes no orçamento das Universidades, Institutos e CEFETs e ao congelamento do financiamento para saúde e educação públicas pela EC 95. Estas medidas constituem reais ameaças ao funcionamento das nossas instituições e à garantia de acesso da população aos serviços públicos.

Em meio a todos esses ataques e à dificuldade de organização da comunidade universitária para debater a proposta, os gestores do hospitais da UFRJ e a reitoria só enxergam como saída para a insuficiência financeira dos HU´s a adesão a Ebserh. O relatório da reitoria tenta promover a proposta se utilizando de dados e estatísticas que colaboram com sua hipótese, muitas vezes analisando situações muito distintas e com critérios fluídos. Erram em desconsiderar uma visão de totalidade da crise brasileira e dos hospitais públicos. Em posição antagônica, o Movimento Barrar a UFRJ vem defendendo que para assegurar o exercício de sua função como hospital escola os hospitais universitários devem ser financiados exclusivamente pelo fundo publico.

Barrar a EBSERH na UFRJ pode abrir caminho para a reversão da EBSERH nos Hospitais Universitários do país!

Os resultados da gestão da EBSERH confirmam as criticas apresentadas nos protestos contra a sua implantação. Ao invés de constituir solução, a Ebserh representa um agravamento dos problemas que afligem os HUs, porque se apropria privadamente do fundo publico e altera de forma autoritária e substancial e a razão ser do hospital : ser um hospital de ensino e pesquisa! Em nome da eficiência e modernização na gestão pública o que está oculto é a busca de novos meios de recuperar e ampliar as taxas de lucratividade do capital por meio do assalto ao fundo publico.

A luta contra a EBSERH na UFRJ deve estar articulada com a luta pela Educação Pública, pelo conjunto dos Serviços Públicos, como direitos fundamentais da classe trabalhadora que é quem produz toda a riqueza dos fundos públicos que empresas como a EBSERH querem assaltar! Somente a recomposição orçamentária nas Instituições de Ensino Superior e a luta pelo investimento na educação e saúde públicas poderá salvar nossos hospitais universitários, sem qualquer ilusão com empresas públicas de direito privado.

Estamos em um momento muito duro, onde a pandemia e o governo neofascista somados a uma série de derrotas que sofremos nos últimos anos em várias esferas da sociedade, impõem limites relevantes. As pessoas estão cansadas! Por isso, devemos fortalecer o “Movimento Barrar a EBSERH na UFRJ” e lutar para que cada vez em mais espaços as pessoas na universidade estejam discutindo este tema tão fundamental para o futuro do serviço público e de uma saúde de qualidade para todos/as.

A reitoria desrespeita a democracia universitária ao agir sem promover um verdadeiro debate, em que toda a comunidade esteja presente. É preciso que o SINTUFRJ, o DCE e a ADUFRJ ajudem a promover a discussão nos respectivos segmentos e fortaleçam a pressão para que a reitoria recue desse nítido ataque à universidade pública.

Não permitiremos que seja retirado das mãos do povo um dos maiores patrimônios públicos que o Brasil tem que é o complexo hospitalar da UFRJ. A saúde é e sempre deverá ser um direito de todos/as e dever do Estado brasileiro!

Seguimos na luta, Ebserh não é solução!

Link do Facebook e Instagram do movimento

 

* Rachel de Souza Euflauzino é aluna de terapia ocupacional na UFRJ e militante do Afronte!
* Igor Dantas é técnico administrativo na UFRJ e militante da Travessia coletivo sindical
* Sônia Lúcio é diretora do Andes-SN RJ e militante da Resistência/PSOL.

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ebserh / saúde / ufrj