Tempo. Essa é a palavra chave que vem norteando uma das táticas políticas mais arriscadas e imprevisíveis dos últimos anos. A transferência de votos de Lula, para seu atual vice e provável candidato petista, Fernando Haddad.
Falta menos de um mês para as eleições mais improváveis desde a redemocratização do país. Lula, preso, impedido de forma arbitrária pela Justiça de concorrer à Presidência, ainda é, pelo menos na narrativa petista, o nome do partido nas urnas. Caso Lula concorresse, possivelmente venceria, e venceria com tranquilidade. As pesquisas de intenção de voto colocam que o ex-presidente teria algo em torno de 35% dos votos, podendo chegar a 40% no primeiro turno. Mas, a burguesia brasileira não vai deixar Lula concorrer. O projeto do golpe não foi tão longe para acabar morrendo na praia. Desta forma, a tática petista consiste em manter o nome do ex-presidente como o candidato oficial do partido até o último momento, para assim fazer uma arriscada transferência de votos para o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
Nesta terça-feira, 11, às 19h, vence o prazo que a Justiça Eleitoral estabeleceu para que o Partido dos trabalhadores indique o substituto de Lula na disputa para a Presidência. O PT atrasou ao máximo essa indicação, recorrendo em todas as instâncias possíveis e mantendo a narrativa: “Lula é nosso candidato, não temos plano B”. Porém, com a impossibilidade de Lula concorrer, o nome de Haddad deve substituí-lo nas urnas, e Manuela D’avila deve assumir a a candidatura à vice-presidência.
A direção petista tentou ampliar o prazo do limite de indicação, primeiro recorrendo ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), porém a ministra Rosa Weber negou o pedido de prorrogação feito pelo partido. A defesa de Lula, por sua vez, recorreu da decisão e protocolou na manhã de ontem, dia 10, uma petição na qual pede ao STF (Supremo Tribunal Federal) que o prazo para a substituição de Lula por outro nome do partido seja suspenso temporariamente, até o dia 17 de setembro. A partir daí, uma coisa é certa, mesmo não podendo figurar como candidato, e com todo o cerco do Judiciário para impedir qualquer manifestação do ex-presidente, a grande figura e grande protagonista das peças publicitárias e da campanha do PT vai ser o Lula. Uma amostra disso nós temos tido desde o inicio da campanha para ver quem assume o Palácio do Planalto.
Hoje, Haddad é apresentado ao eleitorado como “o vice de Lula”, numa tentativa de ligar o nome do professor universitário ao do ex-presidente, uma tentativa que ainda apresenta algumas confusões e debilidades. Algumas mudanças na linguagem petistas podem ser vistas e são interessantes serem analisadas. O jingle da campanha sofreu algumas mudanças e traz agora uma mensagem direta, “É Lula, é Haddad, é o povo, é o Brasil feliz de novo”.
Haddad iniciou a campanha da chapa petista em uma viagem pelo Nordeste, onde buscou realizar comícios, caminhadas, entrou em contato com antigos aliados e golpistas “arrependidos”, buscando fortalecer o arco de alianças. Haddad foi constantemente citado nos atos e manifestações como o porta-voz de Lula e aquele responsável por trazer a mensagem do ex-presidente, menos em Alagoas, quando Renan Calheiros acabou se antecipando e chamando o ex-ministro de educação de “meu presidente”. A região Nordeste é fundamental, pois é o principal reduto eleitoral de votos do PT, e caso Haddad consiga manter a porcentagem que Lula tem na região será um passo importante para o ex-prefeito chegar ao segundo turno.
O processo da transferência de votos de Lula para Haddad não vai acontecer imediatamente. Nesse intervalo de tempo, entre a confirmação de Haddad e as duas primeiras semanas de campanha para valer, outros candidatos vão ganhar um estafe eleitoral e subirão nas pesquisas eleitorais. Ciro Gomes, em especial, parece que vai se beneficiar de parte da confusão do eleitorado petista, até que Haddad se torne um nome e um rosto conhecido da população e assim a mensagem de que “Lula é Haddad”, como diz o jingle, se torne mais nítida.
O aspecto do tempo na política é fundamental, já foi ensinado por grandes nomes do movimento operário internacional como Trotsky e James Cannon. Uma palavra de ordem pode ser muito boa para momento “x” e péssima para momento “y”. A arte do fazer política consiste em achar a tática certa e aplica – lá no momento certo. Uma semana, e até mesmo um dia, a mais ou a menos fazem toda a diferença.
Por isso, quando mais demora para assumir Haddad como seu candidato, mais arriscada a tática se torna, e as chances dela dá errado aumentam. Pode ser que Haddad não se torne conhecido a tempo, e não consiga retomar parte dos votos de Lula que devem migrar para outros candidatos. Apesar dos obstáculos, Lula e a direção do PT, preferem apostar e seguem jogando contra o Tempo.
A demora para a confirmação do nome petista tem gerado alguns atritos dentro do PT, e em especial com aliados, como o PCdoB, que acham que a tática de adiar o máximo o nome do candidato é errada e faz com a coligação tenha perdido oportunidades para a apresentação de Haddad ao povo. Para o PCdoB o timing já passou.
A pesquisa Ibope e os números de Haddad
A última pesquisa ibope divulgada, Haddad cresceu de 4% para 6%, seguindo a dinâmica da pesquisa, que tirando Marina, que não cresceu, todos os principais candidatos tiveram essa média de crescimento, o único que se diferencia foi Ciro com 3% de crescimento. Alguns apontam que isso mostra que a candidatura de Haddad não vai decolar. Discordo, acho que é preciso ter mais calma ao realizar a analise.
Primeiro porque o peso da propaganda eleitoral na TV ainda não pode ser sentida nessa pesquisa, a partir da próxima podemos começar a identificar algumas mudanças, e em especial se a candidatura prioritária da burguesa, a de Geraldo Alckmin do PSDB, vai crescer ou se manter apagada.
Segundo, porque Haddad ainda não é o candidato do PT. Lula não lhe passou o bastão. A imagem de Haddad sendo ungido ainda não entrou na casa dos milhares de brasileiros que elegeriam Lula, sendo assim é totalmente provável que o acumulo de votos de Fernando Haddad esteja muito acima do que as pesquisas atualmente apontam. É provável que Haddad mantenha um crescimento lento nas primeira semana, na segunda semana ele alcance a marca dos dois dígitos, cresça na terceira e na quarta ele esteja disputando a confirmação de seu nome no segundo turno. Se partirmos dos dados do Datafolha, os votos no ex-prefeito de São Paulo quando indicado por Lula seriam algo em torno de 16%.
Isso, porém, é um das probabilidades, em minha opinião é a maior delas, mas ainda assim, é somente uma probabilidade. A candidatura de Haddad ainda vai ter alguns problemas e desafios, como o fato do PT não ter nessas eleições a estrutura que chegou a ter em campanhas passadas.
Outro problema que Haddad deve encontrar, vai ser para conseguir recuperar os votos que, por conta da demora da oficialização de sua candidatura, irão para outros candidatos. A conta que o PT faz, é que dos 30% que Lula teria, 60% deles irão para Fernando Haddad, fazendo com que ele alcance tranquilamente os 23% no primeiro turno. Os outros 40% dos votos que iriam para Lula devem ser, de acordo com o PT, distribuídos em outras candidaturas como Ciro, Marina, Boulos, e até mesmo Bolsonaro, assim como indo para votos brancos e nulos.
Haddad e o PT não competem sozinhos. Os outros nomes na disputa estão disputando parte do eleitorado lulista. Aqueles que conseguem receber mesmo que temporariamente parte da intenção de votos, vão trabalhar para que elas não migrem para o nome do PT.
A pressão pelo voto útil também pode jogar contra a candidatura petista e a favor de Ciro. Com a demora para a confirmação do nome de Haddad, Ciro é o candidato de centro-esquerda mais bem colocado nas pesquisas, é aquele que sofre de menor rejeição e se coloca no segundo turno como o candidato que teria mais facilidade para vencer Jair Bolsonaro. O atentado que o capitão do exército recebeu, fortalece o nome do candidato como o representante da direita no segundo turno, visto que Alckmin não decola. Assim com o passar do tempo, Ciro vai ganhando cacife entre aqueles que farão do voto um veto a candidatura neofascista, em especial entre a classe média progressista e na juventude.
A tática do PT é arriscada. Caso dê certo, entrara para a história. Um partido retirado da presidência por meio de um golpe parlamentar, depois tem o seu candidato e líder das pesquisas preso para não concorrer as eleições, e mesmo assim consegue se sagrar vitorioso. Este seria o conto perfeito para os petistas. Por outro lado, a tática de transferência de votos pode ser um fiasco, e a narrativa do final das eleições serão totalmente diferentes.
Por mais que os cálculos políticos de intenção de voto, de transferência por região, faixa etária, região do país, remuneração, sejam importantes. Vale lembrar que política não é uma ciência exata. Não se faz política por meio da matemática. No jogo da política alguns fatores normalmente têm mais importâncias que a soma dos números, o tempo da tática e a força do acaso são alguns desses.
Foto: Ricardo Stuckert
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