A lira turca está afundando. Perdeu 40% do seu valor contra o dólar nos últimos seis meses e caiu 20% na última semana. Os turcos debatem-se com a sua economia no contexto da errática política econômica do seu líder autocrático Recep Tayyp Erdogan, recentemente reeleito.
Nos últimos cinco anos, o percurso da divisa turca tem vindo a descer consistentemente. O que desencadeou este último caso foi o congelamento imposto pelos EUA aos ativos de Abdulhamit Gul, ministro turco da Justiça, e de Suleyman Soyhu, ministro do Interior, devido à sua alegada participação na detenção do pastor americano Andrew Brunson. Este, desde há 20 anos, dirige uma pequena igreja na Turquia, mas foi detido em 2016 sob acusação de ter participado no alegado golpe para depôr Erdogan. O pastor descreveu as acusações como caluniosas. A sua prisão é apenas um dos muitos pontos de atrito entre a Turquia e os EUA e que vão desde o conflito sírio ao envio de armamento americano.
Na sexta-feira, 18, o secretário do Comércio Wilbur Ross (sobre quem pesam acusações de conflito de interesses) anunciou que os EUA iriam duplicar a tarifa sobre a importação de aço turco, elevando-a para 50%, já que a anterior de 25% não seria suficiente para reduzir as importações turcas para os EUA.
Este foi o primeiro tiro, mas a pistola está agora apontada à cabeça da economia turca que experimenta uma rápida deterioração da situação econômica. Após o falhado golpe de 2016, Erdogan lançou uma onda massiva de crédito fácil, para relançar a economia, ao mesmo tempo que aprisionava muitos milhares de cidadãos e despedia outros tantos, principalmente na Academia e no aparelho de estado. Erdogan insiste em manter baixas as taxas de juros e opõe-se a qualquer ação tendente a controlar a inflação crescente, por parte do Banco Central, descrevendo essas taxas como “a mãe e o pai de todos os males”.
Mas a economia capitalista turca não tolera isto, sobretudo numa altura em que o dólar está em alta, após a Reserva Federal (FED) ter começado a subir as taxas. O principal problema de um país como a Turquia, desprovido de recursos energéticos e como mão de obra barata, é que a maior parte do investimento industrial e de construção civil vem do estrangeiro: investidores americanos e europeus. Os cidadãos e empresas turcas fazem importantes empréstimos em dólares e euros. O rápido crescimento recente foi baseado no crédito e em empréstimos ao estrangeiro. As importações inundaram o país e não foram acompanhadas de um aumento das exportações. A rentabilidade do capital turco caiu em disparada, enquanto a subida do dólar e das taxas de juro globais puseram um fim à festa e expuseram Erdogan às realidades do capitalismo global. A inflação disparou entre 2010 e 2016 de 8% para 12%.
Os bancos e empresas turcos encontram-se em dificuldade. As companhias não financeiras, com as suas imparidades em divisas estrangeiras, enfrentam o problema de mais de 200 bilhões de dólares em ativos nessas divisas. A dívida externa aproxima-se dos 230 bilhões de dólares, tendo vindo a subir consistentemente ao longo dos últimos oito anos.
Os bancos e corporações turcas têm bilhões de dólares em dívida, cujo vencimento se aproxima rapidamente. No ano que vem, os bancos turcos vão ter de pagar 51 bilhões de dólares, enquanto outros 18,5 bilhões de dólares permanecem como ativos não financeiros nas suas folhas de balanço. Essas faturas aparecem em um momento em que a dívida das corporações atinge 62% do PIB, metade em dólares e euros.
Os investidores mostram-se preocupados com a possibilidade de a Turquia não conseguir pagar, embora a dívida de curto-prazo tenha baixado um pouco. Os capitais estão a abandonar o país e a lira a se desvalorizar.
O problema é que se os bancos turcos deixarem de pagar o serviço da dívida, os bancos europeus vão sofrer perdas significativas, com o consequente contágio, ou seja, o alastrar das perdas a nível internacional. Os maiores emprestadores à Turquia são o BBVA de Espanha, o Unicredit da Itália (atravessando graves problemas) e o BNP Paribas da França.
Os bancos turcos parecem ter vastas reservas, mas mesmo perdas marginais podem alastrar e o crédito mal-parado tem aumentado bastante.
Como é que Erdogan pode sair deste desastre financeiro? A solução capitalista é a subida drástica das taxas de juro para parar com os empréstimos. O governo deve fazer cortes drásticos nas despesas públicas e subir os impostos, usando essas poupanças para apoiar os bancos e pagar aos investidores estrangeiros. Adicionalmente, o país também tem de pedir um empréstimo ao FMI. Isso significa o afundamento da economia, atingindo duramente os cidadãos e minando o apoio a Erdogan.
O governo pode instituir o controle de capitais e impedir a sua saída, mas isso significa que os emprestadores deixarão de emprestar, afundando ainda mais a economia. Erdogan poderia pedir empréstimos à Rússia, à China ou à Arábia Saudita, mas está de más relações com todos eles. O líder tem resistido a tomar qualquer uma dessas medidas insistindo em pedir confiança em si e em Deus.
O aumento geral das taxas e a guerra tarifária de Trump vão atingir em cheio os países em desenvolvimento. O custo dos empréstimos vai disparar e o investimento vai cair. A Turquia aproxima-se do ponto alto da crise da dívida, a Argentina já lá está, junto com a Ucrânia e a África do Sul.
Então, há mais por vir.
Artigo publicado no blog The Next Recession, de Michael Roberts, em 11/08/2018.
Tradução: José Oliveira, de Lisboa, Portugal. 17/8/2018
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