Seis meses de intervenção federal-militar no Rio de Janeiro

Editorial 16 de agosto

Em 16 de fevereiro desse ano, o governo Temer (MDB) decretou a intervenção federal-militar na segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Já no momento de seu lançamento, estavam evidentes as motivações eleitorais dessa iniciativa, que foi qualificada como uma “jogada de mestre” pelo próprio Temer. Buscando se aproveitar da visibilidade da violência urbana no Rio de Janeiro – que não é sequer o estado com os piores índices de criminalidade violenta –, o presidente tentou conquistar parte do eleitorado que se perfilava junto ao então pré-candidato à presidência, Jair Bolsonaro (PSL).

Hoje, passados seis meses do início da intervenção, já está evidente o fracasso eleitoral dessa estratégia, posto que Temer sequer se apresentou para a reeleição e seu candidato, Henrique Meirelles (MDB), oscila em torno de 1% das intenções de voto. Apesar disso, a intervenção teve muitas outras consequências, tanto no cotidiano dos moradores do estado, quanto na anatomia do regime político vigente no país.

A lógica de ação da intervenção
Dada a sua motivação eleitoral, a intervenção nasceu de forma claramente improvisada. Assim, embora conte com R$ 1,2 bilhões oriundos do orçamento federal – que, em parte, já foram empregados na criação de 67 cargos com remuneração que varia entre R$ 10 mil e R$ 16 mil –, o plano de inteligência para a segurança do estado só deve ficar pronto em janeiro de 2019, após o término do período previsto para a intervenção.

Na ausência de qualquer novidade em termos de enfoque e/ou estratégia, a intervenção tem essencialmente reproduzido o padrão de atuação das forças de segurança pública brasileiras nas últimas décadas. Trata-se do enfrentamento direto e armado com os varejistas do comércio de drogas ilícitas que operam nas favelas e periferias. Nas operações baseadas nessa lógica, são empregados métodos de guerra, como os disparos sequenciais de helicóptero em áreas densamente habitadas. Com óbvia decorrência dessa forma de agir, verificam-se inúmeras mortes de moradores das favelas, como o menino Marcus Vinícius, da Maré, baleado aos 14 anos quando se dirigia para a escola.

Conforme indicado pelo The Intercept, esse padrão oferece amplo espaço para o desenvolvimento das milícias, frequentemente compostas por agentes das próprias forças de segurança pública. Com efeito, embora algumas das regiões mais violentas da cidade do Rio sejam controladas por milicianos, como a Praça Seca e a Taquara, o número de incursões em tais áreas é proporcionalmente muito reduzido.

Os resultados da intervenção
Em termos de resultados mensuráveis, a intervenção demonstra pouquíssima efetividade em termos da redução dos índices de criminalidade. Nos últimos seis meses, a região metropolitana do Rio de Janeiro já teve quase 5.000 tiroteios, 59% a mais do que no mesmo período de 2017. Além disso, caíram os índices de apreensão de armas e continuam subindo os números de mortes violentas e, principalmente, de mortes decorrentes de ações policiais. Já são 895 mortes em confrontos policiais, o maior patamar da série histórica, que cobre as últimas duas décadas.

Dentre os principais índices monitorados, os únicos que apresentaram variação positiva são os referentes a roubos, especialmente o de roubos de cargas. Sendo assim, a proteção à propriedade avança às custas da crescente vulnerabilidade das vidas de amplas parcelas da população. Mesmo nesse quesito, entretanto, já há sinais de uma reorganização geográfica da atividade criminal, com o crescimento dos casos de roubos de carga verificados em Niterói e na Região dos Lagos.

O significado da intervenção
Passados seis meses, a intervenção mostra de forma clara a sua verdadeira face. Trata-se da perpetuação da política de extermínio de parte da população mais oprimida, em especial, a população negra e favelada. Nesse sentido, é especialmente simbólico que a brutal execução de Marielle Franco (PSOL), uma vereadora mulher, negra, favelada e bissexual tenha ocorrido já durante a vigência da intervenção. Crime esse que permanece não solucionado passados mais de cinco meses de sua ocorrência.

Entretanto, para além da continuidade da política de extermínio, a intervenção traz, também, algumas novidades bastante preocupantes. Com efeito, pela primeira vez desde a promulgação da Constituição de 1988, os militares foram chamados para assumir diretamente funções de governo. Dessa forma, passam a operar como um agente político com legitimidade para interferir no funcionamento regular do regime democrático. Conforme evidenciado pelas declarações de importantes lideranças militares em favor dos mandados de busca e apreensão coletivos e contra as instâncias de investigação das ações das forças de segurança (como as comissões da verdade), essa legitimidade está posta a serviço de um recuo ainda maior das liberdades democráticas.

Por outra política de segurança pública
Qualquer alteração significativa desse quadro passa por uma reformulação radical dos pressupostos da política de segurança pública. É preciso deixar de lado a ideia de que a chave para mais segurança é ampliar a repressão às parcelas mais pauperizadas da classe trabalhadora (operações bélicas, mortes, prisões, etc). Em seu lugar, deve-se perseguir os grandes chefões do crime, que não vivem nas favelas, mas são os responsáveis pelo tráfico de armas e drogas.

Para isso, é preciso ter uma polícia desmilitarizada, controlada socialmente, voltada para a prevenção e equipada para a investigação. Também é necessário iniciar um processo de legalização e regulamentação das drogas, começando pela maconha. A ilegalidade cria o tráfico, produzindo violência e impedindo o tratamento de saúde dos usuários.