Nas últimas duas semanas sucessivas, manifestações têm sacudido o Iraque. Elas começaram na província de Basra, que fica no sul do país, e se estenderam até a capital Bagdá. Os protestos se espalharam pelo país na sexta (13), após o aiatolá Ali al- Sistani, representante máximo dos muçulmanos xiitas no Iraque, expressar sua solidariedade e apoio às pautas dos manifestantes, que começaram a tomar as ruas desde terça-feira (17). As manifestações têm como pauta o aumento cada vez maior do custo de vida, do desemprego, da inflação, dos preços de produtos essenciais e a falta de serviços básicos, como saneamento, eletricidade e água.
Hoje, 10,8% dos iraquianos estão desempregados. Entre os jovens esse índice é de 22%. Enquanto isso, a corrupção se alastra entre a elite iraquiana e a casta política. Os protestos tiveram início após a energia que é fornecida pelo Irã ter sido cortada por falta de pagamento do governo iraquiano. A dívida feita pelo governo do país foi mais de um bilhão e meio de dólares.
A região de Basra, onde começaram os protestos é uma das mais pobres do Iraque, sofrendo com diversas quedas de energia, assim como problemas de falta de água potável e falta de coleta de lixo que se espalha nas ruas da principal cidade da província. Ao mesmo tempo a região é responsável por mais de 50% dos três milhões de barris de petróleo que o Iraque exporta por dia. O país é o segundo maior produtor de petróleo da OPEP (organização de países exportadores de petróleo). O setor petrolífero representa 89% de todo orçamento e 99% das receitas de exportação, embora empregue apenas 4% da população.
Os manifestantes tentavam invadir uma instalação de petróleo na região para parar a produção, porém foram dispersados pelas forças de segurança. Estradas que dão acesso a um porto de commodities na cidade de Umm Qasr foram bloqueadas em pelos menos três cidades próximas impedindo produtos chegarem e saírem do porto.
Sedes do Partido Dawa, do atual primeiro ministro al-Abadi, foram incendiados, assim como sedes da Organização Badr, das Brigadas do Hezbollah, grupos que apoiam o Irã.
O governo não conseguiu encontrar uma maneira de atender as demandas por melhorias econômicas dos manifestantes e acabou desencadeando uma forte repressão. O resultado foram onze mortos e mais de quinhentos feridos.
As forças de segurança do país estão em alerta máximo. Soldados do “Serviço Contra o Terrorismo” se juntaram às tropas da Nona Divisão do Exército e foram enviados a província de Basra, após convocação feita pelo primeiro-ministro Haider al-Abadi, que também ocupa o cargo de comandante chefe das forças armadas do país. No sábado (14), o Conselho de Segurança Nacional também limitou o acesso a internet na capital do país, Bagdá, onde os protestos haviam começado no dia anterior.
Responsabilidade dos sardristas?
Algumas especulações foram feitas apontando que Muqtada al-Sadr, vencedor das eleições iraquianas de maio e seus partidários estão por trás dos protestos, buscando assim influenciar nas negociações para a formação do novo governo.
Esta hipótese, que não pode ser descartada dado a força política de al-Sadr, nos parece até agora a menos provável. As manifestações que começaram, teceram críticas a todos os grupos políticos do país, embora, é verdade, com mais foco naqueles que estão no governo. O crescimento dos protestos e a intensificação da pauta por uma reforma política pode no primeiro momento até favorecer al-Sadr. Mas, caso continuem deixam o clima cada vez instável, não sendo de interesse do clérigo assumir um governo em um clima de transtorno político.
Os iraquianos têm razões de sobra para irem as ruas em protestos contra as elites corruptas de seu país e contra seus governantes. Os atuais protestos parecem ter um ar de espontaneidade muito grande, embora nada impede que acabem por ser cooptados por al-Sadr, como ocorreu em protestos massivos ano passado.
Um fato que vale a pena ser analisado é que com a diminuição da violência, com a derrota do Estado Islâmico e com a guerra civil mais estabilizada, os iraquianos conseguiram de certa forma exigir melhorias como o direito por serviços públicos de qualidade por meio de protestos e manifestações populares.
Alguns analistas apresentam estes protestos como manifestações contra o Irã. É bem verdade que existiram muitos sentimentos anti-iranianos nesses protestos, como palavras de ordem e gritos contra o país persa e retratos do aiatolá Khomeini sendo queimados, mas se formos analisar a fundo, esses protestos não são diretamente relacionados ao Irã. O sentimento anti-iraniano é uma consequência, não a causa fundamental.
A causa fundamental é a falta de produtos básicos, de sérvios públicos, são as condições de vida dos iraquianos que culpam seus governantes por essa situação. O país vizinho aparece então como um aliado destes governantes.
O atual primeiro ministro al-Abadi, após a repressão aos protestos, anunciou na sexta-feira (19) a demissão de três ministros e uma série de medidas para o desenvolvimento da região sul do Iraque, em especial em Basra, destinando US $ 3,5 bilhões para os projetos.
Uma grave e instável situação
A situação no Iraque é delicada e merece nossa atenção. Caso as manifestações continuem ao longo da semana a situação política pode se radicalizar. As medidas que o primeiro-ministro ofereceu pode, de forma momentânea, amenizar os protestos. Porém, os problemas no país são de tamanha proporção que não vão ser resolvidos por medidas amenizadoras de crise. Problemas como a falta de emprego, corrupção, saneamento, crise energética, falta de recursos próprios, problemas políticos para formação de governo, etc, parecem não encontrar solução em nenhum dos lados envolvidos na política iraquiana. Dessa forma, devemos acompanhar a situação, sabendo que o mais provável é que o povo iraquiano pode voltar às ruas como vem fazendo desde o ano passado.
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