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MUNDO

Trump rompe com comissão de direitos humanos da ONU e intensifica ataque a imigrantes

Por: Mario Conte, de São Paulo/SP

Primeiro Ministro de Israel Benjamin Netanyahu se despede de Donald Trump no aeroporto Ben-Gurion. Photo by Kobi Gideon / GPO

Na última terça, 19 de junho, a embaixadora dos EUA, Nikki Halley, junto ao secretário de Estado do país, Mike Pompeo, anunciaram a retirada dos EUA do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, com o mesmo argumento com o qual abandonaram a UNESCO: acusaram o órgão de desproporcionalidade em relação ao Estado de Israel.

A medida ocorreu um dia após os EUA tornarem-se alvo de críticas no mesmo conselho pelo endurecimento no trato aos imigrantes que tentavam cruzar as fronteiras do país, que o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, qualificou como “inadmissível” e “abuso infantil”.

Segundo matéria do jornal OESP de maio deste ano “As medidas migratórias adotadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, permitiram a detenção de 41.318 imigrantes que vivem ou são suspeitos de viver no país ilegalmente, o que representa um aumento de 37,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Desde o dia 22 de janeiro, dois dias depois de Trump ter assumido o cargo, a média de prisões foi de 400 imigrantes por dia.” O número de detidos subiu para mais de 50.000 nos últimos três meses.

É importante lembrar o conceito de proporcionalidade dos EUA. Recentemente houve um confronto quando forças militares armadas de Israel disparavam contra manifestantes desarmados durante a Marcha do Retorno em 15/05 na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, territórios palestinos que foram ocupados por Israel em 1967. O saldo daquilo que nem remotamente poderia ser considerado um confronto, mas um verdadeiro massacre, evidenciou onde há desproporcionalidade. Nenhum ferido entre os soldados israelenses, 60 mortos e milhares de feridos entre os palestinos que protestavam pacificamente. Os EUA, no entanto, não fizeram nenhum protesto invocando a ação desproporcional de Israel.

Na verdade, a saída dos EUA do CDH da ONU é o cumprimento de uma ameaça feita há um ano por Halley, quando disse que iria retirar o país do conselho porque exercia o que ela chamou de “campanha patológica” contra Israel. Halley declarou à época do massacre que “Nenhum país teria agido com mais contenção”, tentando assim justificar a ação de Israel. No mesmo dia alegou ser direito dos EUA mudar sua embaixada para Jerusalém. Uma cerimônia de inauguração com pompa oficial ocorria simultaneamente ao covarde ataque aos palestinos.

As retiradas do CDH e da UNESCO somam-se assim, à retirada do pacto do Clima em Paris, do tratado comercial do Transpacífico, do acordo de desarmamento nuclear do Irã, ao início de guerra comercial com a China, com a UE, México e Canadá. Na verdade este é mais um passo que demonstra que a política do governo Trump é a busca de saídas nacional-imperialistas, em consonância com as frações burguesas que avaliam que a crise de 2007/08 representa o fim de uma era de multilateralidade.

A retirada dos EUA do CDH da ONU
O CDH da ONU foi criado em 2006 para substituir a Comissão de Direitos Humanos. Na época, o governo Bush boicotou o organismo. Os EUA só entraram no Conselho em 2009, durante a gestão Obama. O conselho é constituído por 47 países eleitos que cumprem um mandato de três anos e é sediado em Genebra, na Suíça.

A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês) e a ONG Human Rights Watch condenaram a atitude dos EUA. Já o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, agradeceu Pompeo, Halley e Trump pela decisão, que qualificou de corajosa, referindo-se ao CDH como uma organização anti-israelense, que ele considera “a única democracia genuína no Oriente Médio”, ainda que o estado de Israel pratique uma política de apartheid contra palestinos e políticas que tratam imigrantes etíopes como subcidadãos, tendo já imposto medidas contraceptivas forçadas equivalentes a esterilização aos mesmos [1].

Hoje, aproximadamente 90% dos etíopes judeus vivem em Israel em uma a comunidade de cerca de 135.500 pessoas, dos quais, mais de 50 mil nasceram em Israel. São vítimas de racismo, sendo excluídos de uma real integração. Segundo a Associação Israel para os judeus etíopes, o rendimento médio per capita é 40% menor do que a média. Mais de um terço das famílias (38,5%) vivem abaixo da linha de pobreza.

Israel também tem promovido deportação de sudaneses e eritreus [2]. As medidas de contenção de imigrantes em campos e deportação forçada são idênticas tanto em Israel quanto nos EUA. Uma vez que o CDH da ONU anunciou uma investigação a assentamentos israelenses nos territórios ocupados na Cisjordânia, isso levou a que Israel simplesmente anunciasse que não iria mais colaborar com o órgão, enquanto os EUA aproveitaram o momento para romper unilateralmente com o mesmo.

Israel se autodeclara uma democracia, mas omite que prende crianças palestinas, na maioria das vezes sequestradas em suas próprias casas à noite e as mantém em prisões militares, isoladas dos pais, vítimas de violência física e verbal pelos soldados. É famoso o caso da adolescente Ahed Nariman Tamimi, de 17 anos, que foi recentemente julgada e condenada a dois anos de prisão.

De acordo com entidades de direitos humanos, atualmente há cerca de 300 crianças e adolescentes palestinos nas prisões de Israel, juntamente a mais de 6 mil presos políticos, além de centenas sob detenção administrativa, sem qualquer acusação formal.

Todos os anos, os tribunais israelenses processam entre 500 e 700 jovens palestinos, principalmente por acusações como lançamento de pedra a veículos blindados do exército israelense, de acordo com a ONG Defense for Children International-Palestine. Desde o ano 2000, a estimativa é que em torno de 10 mil crianças e adolescentes já tenham sido presos na Cisjordânia, incluindo crianças com 12 anos de idade e, em alguns casos, até menos, com 6 e 7 anos. Entidades internacionais de direitos humanos, a UNESCO e o CDH da ONU denunciaram através de relatórios as prisões com torturas sistemáticas e maus-tratos aos quais os jovens são submetidos, incluindo prisões em “solitárias” e abuso sexual.

Encarceramento de crianças imigrantes nos EUA
A já mencionada política de tolerância zero à imigração, que foi anunciada pelo secretário de justiça Jeff Sessions dos EUA, constituiu-se de uma interpretação muito particular de uma lei em vigor desde 1952, o Ato de Imigração e Nacionalidade. Foi Obama que em seu segundo mandato tornou crime reentrar no país após deportação e com essa alteração deportou 2,7 milhões de imigrantes. Hoje estima-se que 700.000 casos se acumulam nos tribunais de imigração sem julgamento. Os tribunais de imigração dependem do Departamento de Justiça, sendo parte do Poder Executivo, e não do Judiciário.

Recrudescendo ainda mais a decisão anterior, o Departamento de segurança dos EUA deu ordem para que todo adulto cruzando a fronteira ilegalmente fosse encarcerado para que respondesse criminalmente pelo ato. Como, pela lei dos EUA, os menores de idade não podem ser encarcerados, os mesmos eram separados de seus pais e supostamente encaminhados a abrigos, sem que seus pais ou responsáveis tenham qualquer informação de seu destino ou tratamento.

A consequência da medida foi o encarceramento de cerca de 2.300 crianças de várias idades em apenas seis semanas, o que chocou a opinião pública mundial. Os EUA têm sob custódia 11.351 menores imigrantes encarcerados em aproximadamente cem centros, segundo dados mais recentes.

A descrição do que ficou conhecido como “baby jails” (celas de crianças, em tradução livre) pela imprensa era que se constituíssem gaiolas de metal com até 20 crianças confinadas, com luzes permanentemente acesas e grandes folhas de papel, que servem de cobertores para as crianças. Há banheiros químicos nas instalações, mas ficam fora das celas [3].

Michelle Brane, diretora da Comissão de Mulheres Refugiadas, afirmou que “O governo está literalmente levando as crianças para longe de seus pais e deixando-as em condições inadequadas”. E continua: “Se um dos pais deixasse uma criança em uma gaiola sem supervisão com outra criança de 5 anos, eles seriam responsabilizados”, referindo-se ao caso de uma adolescente que trocava fraldas de uma criança menor em uma das celas.

Como porta-voz do governo, a secretária de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Kirstjen Nielsen, declarou que “Não pediremos desculpas” (…). “Este governo tem uma mensagem simples: se alguém cruzar a fronteira de maneira ilegal, será processado”.

Com essa medida Trump desejava pressionar os congressistas democratas a modificarem a lei de imigração e liberarem 25 bilhões de dólares (93,2 bilhões de reais) para a construção de um muro na fronteira do México, uma de suas promessas de campanha.

Críticas, desgaste e inflexão de Trump
A pressão ante a repercussão negativa de crianças encarceradas a apenas cinco messes das eleições legislativas, levou Trump a assinar uma ordem executiva (um equivalente a uma Medida Provisória) que decreta que as famílias não sejam mais separadas. Nesse aparente recuo ele convoca o Pentágono a disponibilizar instalações para permitir que as famílias permaneçam presas juntas. Apesar de afirmar o princípio de “manter as famílias juntas”, o texto acrescenta que isso deverá ser feito “sempre que possível e houver recursos”. Ou seja, as crianças permanecerão sendo presas e não há garantias de que as famílias ficarão reunidas, nem mesmo está claro ainda como se fará isso. Também não se sabe se a medida será posta em prática, dado que sentença judicial de 1997 conhecida como o acordo de Flores, limita a 21 dias o tempo que uma criança, mesmo acompanhada pelos pais, pode permanecer em um centro de detenção, o que entra em contradição com a ordem executiva.

Trump não reconheceu o recuo oficialmente e atacou tanto o México, que ele afirma “não fazer nada”, quanto os congressistas democratas, que “…. podem consertar a separação de famílias na fronteira trabalhando com os republicanos numa nova legislação, para mudar!”. Segundo Trump “É por isso que nós precisamos de mais republicanos eleitos em novembro. Democratas são bons em apenas três coisas, Impostos Elevados, Altos Crimes e Obstrução. Triste.”

Mas a repercussão negativa junto à opinião pública, levou até a ex-primeira dama republicana Laura Bush publicar no The Washington Post um artigo muito duro contra a política de Trump, onde ela afirma que “… moro em um estado limítrofe [Texas]. Eu valorizo a necessidade de proteger e fazer cumprir a lei em nossas fronteiras internacionais, mas essa tolerância zero é cruel. É imoral. E isso parte meu coração”. Laura Bush comparou as instalações aos campos de concentração para imigrantes japoneses da segunda guerra mundial, um tema sempre desconfortável, que os americanos buscam evitar mencionar.

Mesmo a primeira-dama, Melania Trump, pareceu discordar da política e visitou alguns centros de detenção de menores. Protestos nos EUA e no exterior desgastaram os republicanos, que apostavam inicialmente que as medidas repercutiriam positivamente nas próximas eleições.

Segundo um comunicado de Stephanie Grisham, diretora de Comunicação da primeira-dama, enviado à rede CNN: “A senhora Trump odeia ver crianças separadas de suas famílias e espera que ambos os lados do arco político entrem em acordo para conseguir uma reforma imigratória satisfatória. Ela acredita que precisamos ser um país que cumpra todas as leis, mas também um país que governe com o coração”.

Koldo Casla, da Human Rights, explica a inflexão de Trump: “Na esfera internacional desconfio da ideia de que os Estados se motivem por iniciativa própria pela promoção da Justiça global. Dito isso, podem sentir-se impelidos a fazê-lo desde que a população assim o exija na esfera nacional. Em outras palavras, o dia em que nos resignarmos será quando os direitos humanos deixarão de ter um papel na política internacional”.

Imigração e doutrina de segurança nacional
Claro está que o próprio conceito dos EUA sobre justiça global equivale a preservação dos próprios interesses. “Nosso país não se tornará um campo para imigrantes ou um abrigo para refugiados”, disse Trump recentemente, mas evidenciou como pretende isso ao declarar também que “Uma nação sem fronteiras não é uma nação”. Trump ressalta com essas afirmações que os EUA tanto farão uso de medidas protecionistas no comércio mundial quanto buscarão frear a imigração como medida de reserva de mercado para a mão de obra americana.

Assim, seu discurso xenófobo e racista visa fundamentar essa nova política que não mais atuará no multilateralismo da globalização neoliberal da etapa anterior, com intuito de soldar o povo americano em torno dela, como se não houvesse interesses distintos entre as classes do país. Para isso, transfere toda a culpa da situação a bodes expiatórios como os imigrantes latinos, os muçulmanos, classificados como radicais e terroristas e busca consolidar esse isolamento com medidas como o muro que separa os EUA do México, para cuja construção necessita a liberação de recursos por parte dos congressistas.

A inflexão de Trump de assinar o decreto de não separar mais as famílias não é de fato uma mudança de planos. Trata-se de um recuo, claro. Mas uma verdadeira derrota só poderá ocorrer através de um combate organizado em larga escala de todas as forças progressistas em unidade de ação. Se a pressão da opinião pública fez com que ele mostrasse que a separação das famílias dependia mais de sua vontade política que de seguir leis e normas, um movimento de larga escala será necessário para que reveja sua política de imigração.

Nenhum ser humano é ilegal!
Com a frágil recuperação da economia mundial comprometida e o FMI revendo suas primeiras projeções para o ano, a velha ordem multilateral pré-crise de 2007/08 vai sendo substituída por agendas cada vez mais nacionalistas, que passam a exacerbar chauvinismos de todo o tipo, como o racismo e a xenofobia, o machismo e outras formas de opressão, criando falsos inimigos internos e externos que obstruam a unidade da classe trabalhadora, tão necessária para combater as agendas de ajuste e os ataques aos direitos aos trabalhadores e povos de todo o mundo.

Como afirma o editorial do Esquerda Online de 21 de junho, devemos repudiar toda agenda repressiva à questão da imigração e não aceitar absolutamente que qualquer ser humano possa ser declarado ilegal.

No Brasil, devemos exigir do ilegítimo governo Temer que cobre de Mike Pence medidas imediatas quanto aos brasileiros vítimas das políticas de imigração dos EUA, mas também que condene as ações dos EUA na ONU e adote medidas que criem condições de acolhida a todos os imigrantes em território brasileiro, com condições de acesso a trabalho legal, com as mesmas condições dos trabalhadores brasileiros.

Repudiamos a utilização dos imigrantes como fonte de mão de obra mal remunerada e superexplorada para trabalhos precários e também repudiamos completamente o uso de sua situação para a criação de uma verdadeira indústria de encarceramento em massa de imigrantes, como está em curso nos EUA.

Apenas um governo da classe trabalhadora poderá equacionar os inúmeros efeitos deletérios da crise econômica mundial. A construção de uma poderosa organização internacional dos trabalhadores, com um programa de solidariedade entre os povos como alternativa a agenda de austeridade e nacionalismo que se desenha em muitas nações do mundo é o desafio histórico que nos está colocado.

Notas:

[1] Ser negro e judeu: etiopes suportam a parde pesada do racismo do estado israelense Israel impõe controlo da natalidade a judeus etiopes

[2] Africanos em Israel enfrentam deportação, Israel quer deportar 40 mil refugiados africanos e Israel envia migrantes africanos indesejados a outros países, aponta investigação da BBC

[3] BBC

Foto: Primeiro Ministro de Israel Benjamin Netanyahu se despede de Donald Trump no aeroporto Ben-Gurion.
Photo by Kobi Gideon / GPO

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