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MUNDO

Guerra comercial: Trump eleva o tom com novas medidas contra a China e a UE

Por: Mario Conte, de São Paulo/SP

Alegando proteger a indústria siderúrgica americana, o governo Trump adotou unilateralmente medidas protecionistas através de alíquotas de sobretaxas às importações de alumínio (10%) e aço (25%) de países como México, Canadá, China e membros da União Europeia (UE). As sobretaxas entraram em vigor no início deste mês de junho, juntamente a um pacote de sobretaxas a produtos chineses.

Na última sexta-feira, 15/06, Trump anunciou novas sobretaxas de 25% a produtos de tecnologia chineses que entrarão em vigor em 06/07. As sobretaxas atingem um total de 818 produtos, como tela touchscreen, baterias de lítio e zinco, telescópios, microscópios, receptores de rádio, aeronaves, navios, motores de carros, radares, equipamentos de diagnóstico em medicina como raio-X e ressonância magnética e máquinas agrícolas. As novas sobretaxas não incidem sobre produtos que o público americano consome, como aparelhos celulares, TVs, medicamentos e armas.

Estas retaliações americanas obtiveram maior apoio que as taxações ao aço e alumínio, porque esses últimos podem encarecer a produção de bens de consumo dos EUA. Já a retaliação aos produtos de tecnologia ocorre sob a alegação de combater a exigência chinesa de transferência de conhecimento às estatais do país, o que os americanos entendem como violação dos seus direitos à propriedade intelectual. Os EUA ainda acusam a China de utilizar subsídios e indústrias estatais para afetar a competitividade da produção americana. Trump afirmou em nota que “Os Estados Unidos não podem mais tolerar perder nossa tecnologia e propriedade intelectual por meio de práticas econômicas desleais”. Na mesma nota ainda acusa a China de “roubo”. Declarou ainda à emissora Fox News que “Nós temos os melhores cérebros do Vale do silício. São as joias da coroa para esse país. E nós vamos protegê-los”.

Segundo Monica de Bolle, do Peterson Economic Institute, aquilo que o que o governo Trump chama de “roubo” de tecnologia é uma estratégia legítima de desenvolvimento: “A China exige que certas empresas americanas que queiram entrar em seu mercado façam parcerias com empresas locais e transfiram tecnologia. A empresa tem a escolha de entrar ou não.”

O impacto das medidas adotadas por Trump foi calculado em cerca de US$ 50 bilhões em produtos exportados pela China, o que equivale a cerca de 10% das exportações do país aos EUA. Nesta primeira etapa o impacto será de US$ 34 bilhões. Novas retaliações totalizando US$ 16 bilhões serão anunciadas em uma segunda etapa.

As medidas de Trump visam responder à Made in China 2025, uma política industrial chinesa que impulsiona o desenvolvimento de tecnologias como robótica, tecnologia da informação, carros elétricos e equipamentos aeroespaciais, que provavelmente terão papel central no mercado da próxima década.

O ministério do comércio chinês anunciou não querer uma guerra comercial, mas alegou não ter opção ante ao que qualificou como “comportamento míope” dos EUA “que afetará ambos os lados”. Apenas algumas horas depois da declaração de Trump, a China decretou tarifas de 25% a 659 produtos dos EUA, totalizando o valor de US$ 50 bilhões. Trump já havia anunciado medidas adicionais, caso os chineses retaliassem e que os valores podem atingir de US$ 100 bilhões.

Ainda em abril a China havia taxado 128 produtos dos EUA entre 15% e 25%, como carne de porco, nozes, frutas e vinhos, chegando à época US$ 3 bilhões. Essa retaliação às taxações de alumínio e aço teve por alvo a produção dos estados norte-americanos onde a votação a Trump foi mais expressiva.

União Europeia, Canadá e México entram na guerra
No dia 14/06, 28 países da UE aprovaram uma lista de produtos americanos que serão sobretaxados, em resposta às sobretaxas dos EUA às importações aço e alumínio, de acordo com a agência AFP. Os produtos taxados abrangem jeans, uísque, suco de laranja e motos Harley Davidson, com alíquotas de até 25%. As alíquotas entram em vigor após reunião da Comissão Europeia, que ocorrerá nesta quarta-feira, dia 20/06. A previsão é que entre final do mês de junho e início de julho comecem a ser aplicadas.

Somadas às retaliações anunciadas do México e Canadá, as medidas da UE devem atingir até US$ 48 bilhões, o que equivale a cerca de 3% das exportações dos EUA no ano passado.

Christiane Lagarde do FMI declarou dia 14/06 que “o mais crítico agora é o impacto na confiança e na incerteza de investidores e consumidores. Uma redução no comércio internacional não é boa para o crescimento.” No mesmo dia o FMI publicou relatório solicitando aos EUA que trabalhem de forma construtiva com seus parceiros comerciais, abstendo-se de impor tarifas e que a redução do déficit comercial não pode ser a meta em relação ao comércio mundial. O relatório afirma ainda ser difícil de calcular o impacto das novas tarifas americanas, que dependerá das dimensões e do momento em que as reações ocorrerem. O órgão teme que a guerra comercial se aprofunde e prejudique a recuperação da economia mundial, que já vinha dando sinais de exaustão, dado que se baseava na sobrevalorização de ações e não em uma retomada da produção em níveis superiores ou mesmo idênticos aos anos anteriores à crise de 2007/08.

Mais atores na guerra comercial apenas agrava a situação. China e EUA representam hoje as duas maiores economias do mundo e os anúncios de sobretaxas às importações impactaram negativamente o mercado já no dia 15/06, quando as Bolsas de valores do mundo reagiram negativamente.

Também se espera elevação geral de preços e pressão inflacionária para elevação da taxa de juros americana, que impactará as taxas de câmbio com flutuação do dólar no mundo todo. Ainda há expectativa de que a guerra comercial deprima o preço das commodities em todo o mundo, porque ela deve afetar negativamente a demanda de produtos primários.

Possíveis consequências
Arthur Kroeber, da consultoria Gavekal Monica de Bolle, do Peterson Economic Institute, avalia que a China não mudará sua política industrial com a pressão dos EUA.

Não só as indústrias chinesas, mas também empresas americanas, como a Apple, que possuem uma cadeia de produção que se estende dos EUA à China, abrangendo outros países asiáticos, seriam prejudicadas pela guerra comercial. Seu presidente, Tim Cook, se reuniu com o presidente Trump na Casa Branca, em abril, e abordou o tema do protecionismo. Ele declarou numa entrevista à Bloomberg Television: “Eu senti que tarifas não eram a abordagem certa. Eu mostrei a ele (Trump) algumas análises que demonstravam o porquê.” Aparentemente a demonstração não convenceu Trump.

Enquanto os analistas mais otimistas, como William Alan Reinsch (pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, com sede em Washington, e ex-presidente do Conselho de Comércio Exterior dos EUA), apostam que tudo não passa de um certo jogo de cena entre todos os países visando chegar a um termo consensualizado. A China “potencialmente tem mais a perder” numa Guerra comercial já que “vende mais aos Estados Unidos do que compra”. Já outros, como o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo, estão seriamente preocupados com o impacto de uma guerra comercial na recuperação econômica mundial que certamente implicará em ondas de choque que abalarão ainda mais as economias periféricas, principalmente aquelas que sequer se recuperaram de um momento recessivo, como o Brasil. Azevedo teme particularmente que uma guerra comercial de larga escala detone uma recessão econômica global.

Uma política comercial por outros meios?
Desde dezembro de 2017, quando então foi anunciada a nova Estratégia de Segurança Nacional (NSS) dos EUA, Trump passou a considerar a política comercial uma questão de segurança nacional. Assim as saídas em bases nacionalistas como combate à economia fortemente globalizada do período anterior à crise de 2008 vai se conformando como a tendência de política externa dos EUA. Tais saídas para a crise de 2007/8 em bases exclusivamente capitalistas sob o slogan de colocar os interesses da “América Primeiro”, obrigam os países a recrudescerem e fecharem fronteiras, o que se expressa tanto na política de Trump xenófoba contra a imigração estrangeira, quanto nas tarifas protecionistas de comércio internacional.

Trump é comumente retratado de forma anedótica, como um reles bufão ou um louco, mas esse menosprezo por parte da mídia significa não compreender o alcance e o perigo real de suas políticas. Elas possuem método e estratégias claras e constituem um projeto de uma ala da burguesia americana. A eleição de Trump não foi um acidente, como insistiram vários analistas, mas a expressão de uma necessidade concreta de frações nacionalistas da burguesia americana em aplicar o seu projeto de “Fazer a América Grande Novamente”.

A cinco meses de eleições legislativas, que podem dar vitória aos democratas, será posto à prova o projeto de Trump, mas sem dúvida a deflagração da guerra comercial por ele já terá um grande impacto na economia mundial, dado que a “paz negociada” que tantos analistas esperam não se anuncia no horizonte próximo.

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