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BRASIL

Cinco anos de Jornadas de Junho: o que deu errado?

Ademar Lourenço

Onde estão e o que estão fazendo hoje as milhões pessoas que tomaram as ruas no dia 20 de junho de 2013 em todo o Brasil? Já faz cinco anos desde a maior mobilização popular de nossa história. Eu fui um dos que estavam na Esplanada dos Ministérios em Brasília e pude ver o quanto aquele momento era especial. Tomar o centro do poder do país, gritar bem alto que um professor vale mais que um Neymar, que o povo quer hospitais e escolas padrão FIFA. Para quem fez parte daquilo, foi único.

Sem lideranças, as pessoas tomavam as ruas mobilizadas pelas redes sociais. Em primeiro lugar contra o aumento da passagem de ônibus, depois contra os gastos excessivos com a Copa do Mundo de 2014, depois contra tudo. Não havia nada planejado ou organizado. Mas o que parecia a beleza dos atos de junho também foi sua fragilidade. Sem uma forma de debater democraticamente o que fazer e formular pautas de maneira organizada, o movimento acabou se dissolvendo. Houve tentativas de organização, como a Assembleia Popular dos Povos do Distrito Federal ou a Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte. Mas estas iniciativas acabaram não dando certo.

Os atos foram mobilizados por meio das redes sociais, em que pessoas conseguem se comunicar sem precisar criar laços de solidariedade. Sem sindicatos, organizações de bairro ou qualquer outro movimento social que desse um norte, os atos não passaram do grito de revolta de cada pessoa com seu cartaz. Infelizmente, as mobilizações acabaram se limitando a uma multidão de individualidades. Não foi formado um coletivo.

Foi daí que surgiram os aproveitadores. Grupos que usaram a confusão e o ressentimento surgidos da falta de resultados dos atos de 2013 e criaram “movimentos” como o MBL ou Vem Para Rua. Usaram alguns motes de 2013 para desviar a revolta popular a favor de suas pautas. Ao invés de pedir “hospitais e escolas padrão FIFA”, passaram apenas a “lutar contra a corrupção” com um discurso moralista, despolitizado e sem nenhuma pauta social. A revolta contra o sistema político foi trocada pela revolta contra um único partido: o PT. A falta de debate e organização fez com que milhares dos que ainda sentiam revolta se atraírem por este tipo de movimento. Especialmente as pessoas com maior poder aquisitivo.

Foi o início das marchas “coxinhas” de 2015 e 2016. Com o tempo, o discurso anticorrupção deu lugar aos preconceitos sociais mais asquerosos da nossa classe média alta. Dilma era uma “mulher louca” e Lula era um “analfabeto cachaceiro”. A porta do inferno foi aberta e o que existia de mais racista, machista, homofóbico, elitista e atrasado na sociedade tomou as ruas. Os movimentos que lideravam este festival de bizarrices sabiam o que estavam fazendo desde o início. Usaram a crise política para impor sua agenda de retirada de direitos da classe trabalhadora. Quando o vice-presidente Michel Temer assumiu esta agenda, passaram a defender o impeachment de Dilma. A parte mais elitista e rancorosa da classe média e os setores ainda confusos da população foram usados de massa de manobra. O resultado foi o golpe de 2016 e a aprovação de medidas que retiram direitos históricos, como a reforma trabalhista e a emenda constitucional que limita investimentos sociais por 20 anos.

Mudar um país é uma tarefa coletiva. Não de um grupo de Whatsapp ou de um aglomerado de pessoas que acabaram de se conhecer. Mas de pessoas que confiam umas nas outras, que cultivam laços de solidariedade e se organizam. Este foi o limite de junho de 2013. E esta fragilidade cobrou um preço alto. Temos que aprender a lição.

Quando teremos outro junho? O mais provável é que demore. A descrença surgida depois da derrota é muito grande. Os setores mais reacionários da sociedade ainda estão aí, babando suas besteiras e inclusive tentando roubar o legado de 2013. Mas a história é imprevisível. Militantes e movimentos sociais aprenderam lições importantes. As greves gerais e os atos pelas Diretas Já em 2017 mostraram que nem tudo está perdido. Que as lições aprendidas nestes tempos sombrios possam forjar a direção da próxima revolta popular. Pode ser no ano que vem, pode ser na próxima geração. Mas espero que não seja mais apenas um aglomerado de indivíduos, mas um povo organizado que sabe o que está fazendo.

Esse artigo representa as posições do autor e não necessariamente a opinião do Portal Esquerda Online. Somos uma publicação aberta ao debate e polêmicas da esquerda socialista.