Após uma semana de incertezas e crise na bolsa europeia, na noite desta quinta-feira (31) o presidente italiano Sergio Mattarella chegou a um acordo com a coalizão dos partidos Movimento 5 Estrelas (M5E) e a Liga, aprovando finalmente a formação do novo governo italiano.
Até ontem, não estava certa a efetivação do governo de coalizão M5E-Liga . No último domingo (27), Mattarella vetou a indicação de Paolo Savona para o ministério das finanças. Giuseppe Conti, que tinha sido indicado pela coalizão para ser o primeiro ministro, afirmou que não iria aceitar o cargo sem ter liberdade para escolher seu ministro das finanças, que não por coincidência era eurocético.
Após a renúncia de Conti, Mattarella tentou criar um governo interino chefiado pelo ex-diretor do FMI, Carlo Cottarelli, até novas eleições em 2019. Contudo, tanto o líder do M5E, Luigi Di Maio, quanto o líder da Liga, Matteo Salvini, afirmaram que iriam rejeitar o governo interino no parlamento.
A ameaça da Itália mergulhar em mais uma etapa de incerteza política gerou uma queda geral na bolsa europeia, atingindo seu pior patamar desde o Brexit (saída da Inglaterra da União Europeia), em 2016.
Esta reação negativa dos mercados fez com que Mattarella tentasse uma nova rodada de negociações, nesta quinta-feira (31), para tentar efetivar um novo governo. Sua condição era que o ministério das finanças não fosse gerido por alguém contrário à União Europeia.
Apesar de certa relutância da Liga, pois o partido cresceu oito por cento em popularidade e por isso desejava novas eleições, tanto eles como o M5E recuaram e decidiram escolher outro ministro das finanças. Assim, Giuseppe Conti, voltou ao posto de primeiro-ministro e foi empossado nesta sexta feira (1). No entanto, Paolo Savona manteve-se no ministério com o cargo de Ministro para os Assuntos da União Europeia, o que mostra que o recuo foi relativamente formal e pequeno, mesmo que importante.
Novo governo e o papel extrema direita
Dos 14 ministérios italianos, o M5E obteve 9 e a Liga 5. Apesar de o 5 Estrelas ter recebido mais ministérios por ter feito o dobro de votos da Liga, a extrema direita vai ter o controle do ministério do interior, facilitando ainda mais seu projeto para os imigrantes. Aliás, foi exatamente isso que declarou o novo ministro, Matteo Salvini: “Portas abertas na Itália para boas pessoas e um ticket sem retorno para os que vêm à Itália para causar comoção e pensam que serão cuidados pelo estado. ‘Enviá-los para casa’ será uma de nossas prioridades máximas”. Ressalte-se que o Ministro do Interior na Itália é responsável pela segurança interna, direitos civis, imigração e asilo e eleições, o que tem uma enorme importância na vida cotidiana dos italianos.
Entidades defensoras dos direitos humanos já manifestaram sua preocupação pelos efeitos de tal política. Segundo Calogero Santoro, dirigente do Girasoli, uma ONG que promove a integração dos imigrantes e refugiados nas comunidades locais na Sicília, “as notícias falsas sobre os imigrantes abundaram durante toda a última campanha. Minha preocupação é o futuro das pessoas que buscam status de refugiados. O que ocorrerá no governo da Liga de Salvini’?”
Além disso, as bravatas de Salvini de deportar 500 mil imigrantes seriam inviáveis se seguissem as regras atuais. A pior expectativa é que os centros de acolhimento sejam transformados em análogos à “Selva de Calais”, na França, em que os imigrantes ficavam ao relento, sem nenhuma assistência. E tudo isso entra em direta contradição e piora sensivelmente as já duríssimas normas de acolhimento da União Europeia e fortalece os países que as contestam desde dentro, como Polônia e Hungria, aumentando o caos nas políticas já restritivas da UE. O que sobra são as políticas de contenção dos imigrantes nos mares, que certamente serão endurecidas pelos direitistas novatos no governo.
Aumento dos conflitos e da instabilidade interna e na EU
A imprensa do grande capital europeísta está alarmada: o Financial Times de sexta-feira alerta que o resultado dessa nova coalizão pode ser o aumento dos conflitos entre a União Europeia e a Itália. Sua pretensão de desafiar as restrições fiscais que governam a moeda única para implementar um pacote de corte de impostos e aumento de despesas vai contra a política monetária comum da UE.
Apesar de terem se submetido às imposições do presidente da República, Di Maio, dirigente do M5E, declarou ameaçadoramente que é “inútil votar se os governos são decididos pelas agências de classificação e pelos lobbys financeiros e bancários. Sempre são as mesmas pessoas que decidem quem governa”. Este é o clima em que a classe dominante italiana recebe o novo governo.
Além disso, as eleições acentuam as contradições entre os setores do Norte (em particular Milão), que praticamente não sentem os efeitos da crise e que votaram no partido do governo e o restante do país, duramente assolado pela decadência italiana. Já na próspera região do Veneto, a quebra de dois importantes bancos no último período fez com que a Liga e o M5E tenham vencido as eleições de março.
A tendência é de que haja importantes enfrentamentos entre os setores burgueses deslocados e o novo governo, sem falar da reação popular às consequências de suas medidas, apesar do apelo racista e xenófobo que tenham.
As negociações na reunião de junho do Conselho da Europa deverão ser duríssimas e consumir boa parte de sua atenção, pois se trata da terceira economia da Europa continental. Ressalte-se que o problema para a União Europeia não é o fato de o governo ser de direita e de extrema-direita, mas seu questionamento, ainda que parcial, da União Europeia. Mas sua margem parlamentar é muito estreita para decisões drásticas que precisem passar pelo Congresso, o que acentuará sua instabilidade.
Por razões distintas, mas sobre o mesmo marco, a queda do longo governo do Partido Popular liderado por Rajoy na Espanha levará a mais um ponto de tensões, ainda que desde um ponto de vista inverso, sobre a já combalida União Europeia. Isso tornará ainda mais difíceis as negociações sobre a elevadíssima dívida pública italiana que é de 132% do PIB, só perdendo para a Grécia, que é de 180% e sofre os efeitos da rejeição a mais um pacote brutal sobre sua população. Sem falar nos inéditos e fortes conflitos com os EUA de Trump e suas retaliações comerciais que atingem diretamente a Itália também.
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