Não choremos: compreendamos e lutemos

Por Enio Bucchioni, de São Paulo, SP

Neste 14 de maio, completam dois meses da execução da vereadora socialista do Psol, a Marielle Franco, bem como trinta e sete dias da prisão, sem provas, de Lula. Nesse período, foram executados três jovens da UJS em Maricá, bandos de ultra—direita e, ou fascistas deram tiros na Caravana de Lula e, depois, no Acampamento pró-Lula, em Curitiba, feriram à bala dois militantes. Anteontem, foi ferida à bala a militante do MTST Nathanelly dos Santos, de Aracaju, por policiais, numa ocupação de terras.

Creio ser muito importante o texto de Nahuel Moreno de 1974 sobre a escalada das bandas fascistas na Argentina nesses anos. Moreno, junto com Hugo Blanco, foram os maiores e melhores militantes socialistas com quem tive a oportunidade de conhecer e trabalhar junto.

Diz Moreno, entre outras coisas:

“Diante desse perigo, diante dessa escalada que vem há muito tempo, hoje estamos aqui gritando pela unidade de ação. Nosso Partido está profundamente preocupado se esta unidade de ação é apenas para acompanhar o funeral até o cemitério ou será a unidade de ação na rua para derrotar e esmagar a fera fascista. Não queremos que a unidade de ação apenas acompanhe nosso cortejo fúnebre. Queremos para esmagar o fascismo”

“As facções fascistas agiram até agora e continuarão a agir. Elas não fizeram nenhuma distinção entre a JP [Juventude peronista], o PC [Partido Comunista] ou o PST [Partido Socialista dos Trabalhadores]. Seu objetivo é tentar quebrar todas as organizações. Chegou a hora de tirarmos uma conclusão muito importante que nos chega do Chile, que vem da experiência mundial. O fascismo não é derrotado pelo caminho das eleições! O fascismo não é derrotado pelas frentes [eleitorais]!”

Abaixo, o texto completo da intervenção de Moreno em nome do saudoso Partido Socialista dos Trabalhadores da Argentina:

“Não queremos que a unidade de ação acompanhe nosso cortejo fúnebre” 
Queremos que esmague o fascismo!

Resolvemos publicar no local usualmente ocupado pela Editorial do Avanzada Socialista o discurso feito em nome do Comitê Executivo do Partido Socialista dos Trabalhadores por Nahuel Moreno no ato de sepultamento de nossos três companheiros assassinados. Resume nossa posição diante dos momentos sérios da hora.

Em nome da liderança do nosso Partido, eu gostaria de dar nossas mais profundas condolências aos parentes dos três companheiros que caíram na luta. Quero dizer também que estes três camaradas continuarão a viver não só na memória do nosso Partido: continuarão a viver na memória da sua classe e de todos os combatentes anticapitalistas, anti-imperialistas e revolucionários do país. Eles permanecerão ao nosso lado apesar de terem desaparecido fisicamente.

Em segundo lugar, em nome do Partido, quero salientar que esses três camaradas foram grandes, imensos e não o dizemos por causa da biografia pessoal desses três militantes. Não se trata de adotar uma atitude hipócrita, no estilo dos panegíricos que os obituários burgueses escrevem quando um de seus personagens morre. Eles eram jovens: eles não tinham uma extraordinária biografia, nem internacional nem de qualquer tipo. Eles eram três militantes modestos. Mas é por isso que eles eram muito maiores ainda. Eles eram grandes porque a luta deles era grande. Eles foram grandes porque o nosso partido é grande. Eles foram grandes porque é grande a sua ideologia!

Eles morreram pelo que foram: socialistas, revolucionários, internacionalistas legítimos e por tudo isso queremos reivindicá-los. Nós também queremos reivindicá-los como combatentes de toda a esquerda como um todo, contra um perigo que nos ameaça a todos: o fascismo e o golpe reacionário. Essa parte da personalidade dos companheiros que é uma herança comum, essa parte da biografia de nosso companheiro se relaciona mais do que Trelew , a aqueles fatos tão ou mais graves do que as de Trelew[ na madrugada de 22 de agosto de 1972 foram assassinados 16 militantes de distintas organizações peronistas e de esquerda presos na penitenciária de Rawson].

Em terceiro lugar, camaradas, quero agradecer fraternalmente a todos os partidos e organizações que contribuíram para a sua solidariedade e, especialmente, a todos os partidos e organizações que aqui estiveram presentes com a sua mobilização. Nesta apreciação nós cuidadosamente sabemos distinguir as tendências socialistas, as dos nossos irmãos no objetivo final e aquelas outras tendências que não coincidem com a nossa meta final, mas que estão ligados a nós contra o monstro e o perigo fascista. Com todo o respeito, dizemos que elas deram um exemplo de unidade de ação, aquelas correntes humanistas, democráticas ou liberais que estiveram aqui presentes para nos saudar e deixaram de lado as profundas diferenças ideológicas que podemos ter com elas. Esses dois fatos devem nos levar à reflexão. Há uma frase antiga de um filósofo que diz: “Nem ria nem chora: compreende”. Hoje os revolucionários têm que dizer: “Não choremos; compreendamos e lutemos!. “

Este é também o momento de refletir sobre a situação pela qual passa o país e fazer um chamado em nome do Comitê Executivo do nosso Partido. É evidente que há uma escalada fascista no país. Escalada fascista que não é um simples surto histérico, porque não é a escalada fascista de um movimento que está fora do governo, mas é baseado no próprio governo. Um elemento categórico comprova isso, assim que refletirmos um pouco. Até agora não foi descoberto um único ataque contra militantes de esquerda, nem a morte de um trabalhador comunista, nem as torturas, nem a morte de Montoneros nem de militantes da JP[Juventude peronista], nem de nossos mortos! Jamais! É uma ineficiência fantástica a da polícia e de todos os serviços secretos do regime descobrir os assassinos de militantes de esquerda. No entanto, eles têm uma eficiência incrível para descobrir, segundo eles, os ataques que a esquerda faz. Isto tem como significado para nós que o fascismo é fomentado dentro do governo: o próprio governo alimenta os setores fascistas que preparam um golpe branco. Há um silêncio cúmplice do governo em tudo isso.

Diante desse perigo, diante dessa escalada que vem há muito tempo, hoje estamos aqui gritando pela unidade de ação. Nosso Partido está profundamente preocupado se esta unidade de ação é apenas para acompanhar o funeral até o cemitério ou será a unidade de ação na rua para derrotar e esmagar a fera fascista. Não queremos que a unidade de ação apenas acompanhe nosso cortejo fúnebre. Queremos para esmagar o fascismo e fazer o desfile da vitória! Consideramos que a unidade de ação diante dos inimigos fascistas é indispensável. Mas não queremos isso daqui a dez ou vinte anos. É verdade que o fascismo de Mussolini dominou durante vinte anos e que Hitler durou dez anos; Também é verdade que o exército de um país socialista teve que ir libertá-los. Mas queremos evitar que o fascismo venha e queremos pará-lo agora! Nós não queremos celebrar sua queda depois de vinte anos de erros e retrocessos!

É assim, camaradas, como se pode aprender da experiência. As facções fascistas agiram até agora e continuarão a agir. Elas não fizeram nenhuma distinção entre a JP [Juventude peronista], o PC [Partido Comunista] ou o PST [Partido Socialista dos Trabalhadores]. Seu objetivo é tentar quebrar todas as organizações. Chegou a hora de tirarmos uma conclusão muito importante que nos chega do Chile, que vem da experiência mundial. O fascismo não é derrotado pelo caminho das eleições! O fascismo não é derrotado pelas frentes [eleitorais]! Aí está a experiência de Allende no Chile; aquela grande frente de tipo eleitoral que caiu como água entre as mãos ao primeiro impacto do fascismo.

O fascismo também não é para se discutir. Não é uma tendência política ou intelectual. O fascismo, camaradas, é destruído na rua, com os mesmos métodos que eles usam! Se quisermos homenagear os mortos do PC [partido Comunista], se quisermos homenagear os mortos da JP [Juventude Peronista] e nossos mortos, também temos que entender nossa reflexão. Vamos aprender sobre o fascismo no Chile, vamos aprender que antes de nos matar, temos que detê-los! É por isso que a liderança do nosso partido, como resolução de seu Comitê Executivo, convida todas as tendências aqui presentes e os que não estão, para a próxima quarta-feira às 19 em nosso local, e comecemos a formar brigadas ou piquetes antifascistas operários e populares que serão a ferramenta com a qual definitivamente abateremos as bandas fascistas em nosso país.

Foto: Carol Burgos | Esquerda Online