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A mentira da prisão dos 159 “milicianos” no Rio de Janeiro

Prisão de 159 pessoas no local de uma festa. Divulgação: Polícia Civil

Prisão de 159 pessoas no local de uma festa. Divulgação: Polícia Civil

Pedro Augusto Nascimento, de Santo André (SP)

Ficaram sabendo da tal intervenção militar que prendeu 159 “milicianos” no dia 07 de abril numa festa em um sítio em Santa Cruz, no Rio de Janeiro? Pois é mentira. Prenderam indiscriminadamente 159 homens, quase todos pretos, que estavam num festa aberta ao público. Isso mesmo, uma festa, com bandas de pagode, que cobrava ingressos, com divulgação nas redes sociais e rádio, igual a essas que tem em toda cidade e que tanta gente vai. 
O crime que cometeram? Mulheres e homens pretos da periferia festejando. Segundo Richard Nunes, general que é o atual chefe da Secretaria de Segurança Pública do RJ, isso é suficiente para mantê-lo presos há 18 dias.

O incrível, é que não há sequer a individualização da conduta. Ou seja, até o momento, as pessoas detidas não sabem sequer do que são acusadas. Apenas uma pessoa foi libertada.Nesta terça, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu a liberdade imediata de 138 dos presos.

A denúncia inicial foi feita pelo site Intercept Brasil, que produziu este vídeo com depoimentos de moradores e imagens do local da festa.

É óbvio que é impossível se defender quando não se sabe do que se está sendo acusado. E mesmo assim estão presos. Sem previsão de liberdade, ou mesmo direito à ampla defesa.
A polícia não precisou provar a culpa de ninguém, ou sequer apresentar flagrantes ou qualquer indício que comprovasse a prática de crimes para encarcerar 159 vidas. Por exemplo, a polícia apresenta como prova material a apreensão de 24 armas. Contraditoriamente, acusa os 159 por porte ilegal de armas e associação com a milícia. Percebem que sequer havia arma pra todo mundo? Além disso, quem eram as 24 pessoas donas de cada arma? Ou uma só pessoa possuía várias armas? Porque isso prova o envolvimento com a milícia?

Segundo matéria do G1, a Justiça pediu informações sobre os presos à Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco). Segundo o ofício, seis têm ligação direta com a milícia, e 139 não possuem “anotações policiais nem investigações ou inquéritos em andamento.”. A matéria ainda revela que o documento enfatiza “que essas informações não garantem a inocência”, quando na verdade o que precisa ser provada é a culpa, pois todos devemos ser considerados inocentes até que se prove o contrário. Ou seja, é a Constituição Federal sendo rasgada para justificar uma operação midiática absurda, que está injustamente aumentando ainda mais o já explosivo e superlotado sistema penitenciário brasileiro para justificar a existência da intervenção militar no RJ, que como resultado não reduziu em nada os índices de criminalidade.

É possível que haja milicianos entre os detidos, mas isso ainda não podemos saber. Não temos qualquer acesso às investigações, se é que realmente há algo digno desse nome. A operação é toda ela de uma arbitrariedade sinistra. 
O que podemos calcular pelas informações que temos sobre as milícias nesses últimos anos é que essa operação seria mais exitosa e deteria mais milicianos se fosse realizada contra um dos batalhões da PM na Zona Oeste do Rio, ou mesmo na assembleia legislativa do estado do RJ.

Uma das conquistas inscritas no estado democrático de direito é a presunção de inocência. Como todo o direito arrancado do estado burguês, este nunca está plenamente garantido, em especial para os pretos e pobres no Brasil. Mas é a partir dessa referência que os operadores do direito que representam a maioria da população podem se apoiar para reivindicar o direito à ampla defesa, buscando alcançar a justiça, ou nesse caso, remediar a injustiça que já foi praticada, driblando assim o injusto, violento, parcial e racista aparato jurídico-policial. É por esse motivo, e por nenhum outro, que devemos denunciar e lutar contra a aplicação de todo e qualquer instrumento jurídico que legitime o punitivismo que prescinde de provas e ataca a presunção de inocência, como é o caso da Operação Lava Jato e das decisões do juiz Sérgio Moro e do TRF-4 contra Lula, e a sua também arbitrária prisão sem trânsito em julgado.

Não é preciso ter muita imaginação pra descobrir que esse “exemplo” midiático que querem dar com a injusta prisão do Lula já está servindo para aumentar ainda mais o silêncio sobre as injustiças contra a maioria da população, como as que estão sendo vítimas os 159 detidos. Sim, pois mesmo aqueles que tiverem ligação com o crime organizado e as milícias devem ter direito a acessar o devido processo legal.

Essa é a missão da intervenção militar no RJ: aplicar uma maquiagem militar que legitime as injustiças e as violências praticadas pela polícia e pela justiça contra negros e negras todos dias. É ampliar ainda mais a guerra aos pobres, o “Estado de Sítio” a que está submetida a população das periferias num momento onde se aprofunda o caos social e a violência policial e o encarceramento em massa como medidas de controle. A regra do golpe é clara: menos direitos e mais porrada e prisão.

Foi contra essa intervenção militar que Marielle Franco dedicava a sua vida a denunciar. Foi contra o genocídio do povo negro, que ela acabou sendo vítima, e o encarceramento em massa que Marielle saiu da Maré e foi eleita vereadora pelo PSOL ocupando um cargo na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. E foi para calar a sua voz e manter esse verdadeiro terrorismo de estado intacto que Marielle foi executada.

Manter a luta de Marielle viva é não perder nem por um instante a noção de que temos no país um estado racista, que através de sua polícia e das forças armadas, sob a tutela do desigual e elitista sistema judiciário brasileiro, impõe a bala e a prisão como medida de controle social. São vidas negras jogadas nas valas e nas celas que precisam ser trazidas à luz do dia por nós incansavelmente.

Também é importante que todos os lutadores saibam que mesmo não sendo negro e morador da periferia, se continuarem sendo consequentes na luta pela emancipação humana e contra todas as injustiças, cedo ou tarde também serão vítimas das arbitrariedades do sistema judiciário.

Ninguém está seguro diante da ditadura de farda e de toga, nas favelas e nos tribunais. Por isso, é necessária nesse momento a mais ampla frente em defesa dos direitos democráticos, que defenda justiça por Marielle, que se coloque contra a intervenção militar no RJ e contra a prisão do Lula e a criminalização dos lutadores e dos movimentos sociais.