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OPRESSÕES

Mãe África: uma breve perspectiva cultural

Kleber Marin, de São Paulo (SP)

Muitas vezes quando pensamos no continente africano nos remetemos a escola. E a escola, por sua vez, de certo modo procurou transmitir até algum tempo atrás uma ideia de que o continente africano não passou de uma grande porção de terra com uma infinidade de seres humanos. Em outras palavras, a África segundo a perspectiva escolar, não tão distante, passou a ser um continente onde não há nada além da pobreza, logo não foi à toa que se tornou apenas um território de exportação de escravos para os europeus, principalmente, para os portugueses durante a colonização que sucedeu do outro lado do Atlântico.

Todavia, na verdade, a África nunca se tornou apenas um território de exportação de escravos. A África se tornou um continente não só de uma identidade própria, mas também construiu sua história fundada em suas raízes, as quais se uniram a outras culturas com o passar do tempo.

Por exemplo, a África é conhecida como o berço da humanidade, pois segundo os registros antropológicos o ser humano surgiu neste continente, e somente depois de um determinado período passou habitar outras regiões do planeta.  O que isso quer dizer? Se a cultura corresponde a tudo que o ser humano realiza, então categoricamente podemos afirmar que foi no continente africano onde a cultura se iniciou.

Além disso, foi na África durante o período antigo que se fundou um dos berços da Filosofia Ocidental, caso do Egito. Na Antiguidade, o Egito embora não seja destaque na Filosofia Ocidental como outras nações anteriores a era cristã, já havia  desenvolvido toda uma matemática, uma organização social entre modos de vida antes mesmos de nações consagradas. Tal como, o Egito serviu como fonte de inspiração filosófica para os gregos, como para Pitágoras de Samos, um filósofo que desenvolveu toda uma filosofia baseada na matemática.

A saber, este pensador quando viajava com seu pai para diversos países aprendeu diversas culturas, inclusive sobre a cultura egípcia. Como assinala Bulfinch: “Quando jovem, viajou muito e, segundo a tradição, esteve no Egito, onde sacerdotes lhe transmitiram todos os seus conhecimentos, e, mais tarde, andou pelo Oriente, visitando os magos persas e caldeus e os brâmanes da Índia.” (2006, p 277).

Ainda,  sobre a questão da organização de uma sociedade não só a civilização Axum tinha um desenvolvimento apurado como também o Império de Gana. A primeira,  a civilização Axum, no início da era cristã, aproximadamente, entre os séculos I a V d. C., em meio a região da Etiópia, Somália e parte do Sudão e da Eritreia, contava não só com uma produção reconhecida de incenso para exportação, como também contava com terras férteis, além de abrigar um ponto de relações comerciais entre os Impérios do Oriente e Roma.

Já a segunda civilização, o Império de Gana, fundada aproximadamente em 300 d. C., a qual contava com a presença de um grande número de negros e a introdução da religião muçulmana, desenvolveu não só um processo de grande porte agrícola, mas também  controlou as rotas do Saara.  Para tanto, a África ao longo da Idade Média e comparada com a Europa podemos dizer que detinha um comércio mais desenvolvido.

Além disso, de uma forma ou de outra, o continente africano além de ter desenvolvido uma variedade linguística a partir de suas matrizes,  agregou outras línguas a partir da presença de culturas estrangeiras. A saber, durante a Idade Média, com a inserção do cristianismo e, principalmente do islamismo, determinadas regiões africanas sofreram profundas transformações sociais e econômicas. Isto é, como já mencionamos sobre uma breve evolução de Gana, na Idade Média o continente africano, ou pelo menos uma parte de expressão territorial, ao receber principalmente a religião tradicional do Islã e o impulso da escrita, iniciou uma evolução em termos de desenvolvimento social no continente.

A saber, o islamismo por apresentar semelhanças com o animismo, uma religião tradicional, na qual acreditava que havia um Deus Criador de tudo o que existe, de certo modo, isso facilitou a introdução de uma nova religião estrangeira, na qual contribuiu no desenvolvimento da própria leitura a partir de uma escrita. Uma atividade que não era tão privilegiada quanto a oralidade neste território, uma vez que a educação no continente africano era baseada na transmissão do conhecimento oral praticado inclusive por um tradicionalista.

De mais a mais, comparado o continente africano com outros continentes durante o mesmo período, havia diferenças claras de visão de mundo. Por exemplo,  entre o continente africano e o continente europeu. A saber, enquanto povos do continente africano tinham o costume de buscar conselhos com seus ancestrais, os povos europeus não se influenciavam muito sobre a questão do passado sobre o presente.

Portanto, o continente africano não trata de uma grande porção de terra em que não há nada além da pobreza, mas uma vasta cultura milenar construída a partir de suas próprias mãos.

 

Referências bibliográficas:
KI-ZERBO, J. (Coord.). História Geral da África. Brasília: UNESCO, 2010. v. 1, Cap. 2, p. 23-35.
MACEDO, J. R. História da África. São Paulo: Contexto, 2013. p. 11-22.
SILVA, César A. F. da; CONTIERO, Tiago T. História da África. Batatais: Claretiano, 2015. Unidade 1.
MATTOS, R. A. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2013. Cap. 1 p. 17-58.
Bulfinch, T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução de David Jardim Júnior — 26a ed. — Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

 

* Kleber Marin é professor de Educação Básica I e professor de Filosofia na região metropolitana de São Paulo. 

Marcado como:
África / história