Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

A história do 08 de março

Kelly Santos* e Rachel Euflauzino**, do Rio de Janeiro, RJ

O 08 de março é um marco histórico na luta feminista pela liberdade e igualdade de direitos. Não deve ser uma data comemorativa de cunho comercial como o capitalismo vem tentando capitalizar e apagar o histórico de lutas.

Tal data tem suas raízes em lutas históricas por igualdade de direitos e condições dignas de vida e de trabalho para as mulheres.  Não deve ser visto apenas como um marco histórico, mas como um dia de lutas e de reivindicações ainda não resolvidas como: o feminicídio, a diferença salarial entre os gêneros, a questão do aborto, as violências contra a mulher, o racismo, transfobia, etc. 

A origem do 8M parte das desigualdades estruturais sócio econômicas  vivenciadas pelas mulheres na Primeira e Segunda Revolução Industrial, na qual elas possuíam jornadas exaustivas de trabalho nas fábricas e baixos salários. A jornada chegava a 16 horas seguidas, durante 6 dias por semana e as vezes incluía os domingos.

Tal jornada somada ao invisibilizado trabalho doméstico promoviam duplas jornadas de trabalho. Até hoje o trabalho doméstico é imposto sobre as mulheres sem qualquer remuneração ou reconhecimento. 

No que diz respeito à maternidade, as mulheres não possuíam licença e ficavam impossibilitadas de prover os cuidados essenciais nos primeiros meses de vida do bebê e também permaneciam ausentes durante a infância. A criança crescia com a ausência de ambos os pais e, na maioria das vezes, sob a responsabilidade de um irmão mais velho. Além disso,   devido a precariedade da vida do proletariado, as famílias se viam obrigadas a mandarem seus filhos para trabalhar nas fábricas que, às vezes, contratavam crianças de cinco anos de idade. Tais condições resultavam em uma alta taxa de mortalidade infantil, acidentes e doenças.

Diante de todo esse cenário, o proletariado começou a se organizar em sindicatos e partidos. As mulheres operárias organizaram diversas mobilizações por melhores condições de trabalho  que começaram a ocorrer pelo mundo, trazendo à tona diversos debates silenciados pelo patriarcado dominante e em resposta as mudanças ocasionadas pelo capitalismo. 

O primeiro Dia Nacional da Mulher ocorreu em maio de 1908 nos Estados Unidos com uma greve que levou aproximadamente 1500 mulheres às ruas, reivindicando igualdade econômica e política no país. No ano seguinte, um protesto com mais de 3 mil pessoas no centro de Nova York culminou em uma grande greve têxtil que fechou quase 500 fábricas pelo país devido as péssimas condições de trabalho. 

Em 1910 a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas ocorrido na Dinamarca foi fundamental para que fosse criada uma data anual para honrar as lutas femininas e promover o sufrágio universal em diversas nações. Mas foi em 25 de março de 1911 onde a mobilização das mulheres se intensificaram, quando um incêndio em uma fábrica têxtil em Nova York matou cerca de 130 operárias carbonizadas. A partir disso, as lutas feministas por direitos se intensificaram e ganharam o mundo ao longo do século XX.

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) marcou uma nova onde de protestos8) que se intensificaram significativamente na Rússia, cuja classe trabalhadora e os camponeses morriam aos milhões na guerra. Em 8 de março de 1917 ocorreu uma das maiores manifestações de mulheres quando 90 mil operárias protestaram contra o Czar Nicolau II, devido às péssimas condições de vida e de trabalho, a participação da Rússia na guerra e a fome. 

Tal protesto conhecido como “Pão e Paz” consagrou o dia 8 de março como o dia Internacional de Luta das Mulheres, embora esta só tenha sido oficializada em 1921. Além disso, o papel de vanguarda desempenhado pelas mulheres foi um dos elementos que impulsionou a Revolução Russa, e após a Revolução Bolchevique, a data foi oficializada como celebração da “mulher heroica e trabalhadora”. Mais tarde Trostsky relatou:

“As mulheres trabalhadoras desempenham um importante papel na relação entre trabalhadores e soldados. Elas sobem até os cordões com mais coragem do que os homens, agarram os rifles, suplicam, praticamente ordenam: “Abaixem suas baionetas – juntem-se a nós”. Os soldados estão empolgados, envergonhados, trocam olhares ansiosos, vacilam; alguém se decide primeiro e as baionetas se levantam com ares de culpa por cima dos ombros da multidão que avança”. 

Devemos lembrar que a Revolução Bolchevique trouxe inúmeras avanços como o direito ao divórcio, direito ao aborto (primeiro no mundo) e uma política que incentivava a socialização do trabalho doméstico e criação dos filhos. Porém em 1936, no governo de Stálin, o aborto voltou a ser criminalizado, representando um retrocesso nas conquistas da Revolução Bolchevique. 

Foi somente em 1945 que o primeiro acordo internacional sobre igualdade entre os seres humanos foi assinado pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1975 oficializou-se a comemoração pelo Ano Internacional da Mulher, e em 1977 o 8 de março foi de fato reconhecido pelas Nações Unidas. 

No Brasil o movimento foi principalmente influenciado pelas lutas estadunidenses, sobretudo, a que ocorreu em 1911 com o incêndio da fábrica têxtil. As primeiras manifestações nacionais começaram a surgir com grupos anarquistas que também buscavam melhores condições de trabalho e de vida, mas ela foi de fato intensificada a partir do movimento das sufragistas que ocorreu entre 1920 e 1930, com a conquista do direito ao voto em 1932 no governo de Getúlio Vargas.

O movimento cresceu fortemente no país em 1970, onde ampliou-se as discussões sobre igualdade de direito entre os gêneros, sexualidade e saúde da mulher. A inclusão das pautas feministas no debate político do Brasil promoveu várias conquistas como a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina em 1982, em São Paulo, e a criação da primeira Delegacia Especializada da Mulher em 1985.

Em 2006 foi promulgada a Lei Maria da Penha um importante avanço no combate de abusos, agressões e crimes motivados por violência de gênero. Ainda há muito o que se conquistar, principalmente no Brasil.  Compreendemos que a pauta da legalização do aborto segue sendo uma das mais importantes, pois todos os anos milhares de mulheres, principalmente mulheres negras morrem devido a prática do aborto clandestino. Aborto é questão de saúde publica!

Destacamos que poderíamos ter avançado na pauta do aborto nos  governos do Partido dos Trabalhadores (PT), mas preferiram vender nossas revindicações à banca evangélica em acordos em troca de apoio parlamentar. 

Em 2018 na disputa às eleições presidenciais dois candidatos estavam mais fortes no páreo: o neofascista Jair Bolsonaro (PSD) e Fernando Haddad do Partido dos Trabalhadores. 

As falas de Bolsonaro sempre foram recheadas de machismo e misoginia. Em 2016, quando ele era deputado federal, declarou que a deputada federal Maria do Rosário (PT) não “merecia” ser estuprada.  No ano seguinte chegou a afirmar que sua filha mulher foi resultado de uma “fraquejada”. 

As vésperas do primeiro turno fomos às ruas e construímos o #elenão. O objetivo era mostrar que não aceitaríamos um presidente machista e misógino no poder.

Com a sua ascensão ao governo, em 2019 nomeou para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos a fundamentalista religiosa Damares, que desde o início ataca ferozmente as pautas feministas. 

Segundo a Folha de São Paulo, foram usadas apenas metade das verbas destinadas para o combate à violência à mulher. Além disso, a ministra é abertamente contra a descriminalização do aborto e já participou de atos “pró-vida”.

Enquanto nossas irmãs latinas avançam na legalização do aborto, seguimos sem perspectiva de avanço no Brasil. Caso Lula seja eleito, provavelmente deixará esta reivindicação em segundo plano. Cabe a nós fazer acontecer a maré verde no Brasil.

Esse ano o 8M precisa trazer às ruas a memória das lutas. Precisamos mostrar a nossa força e firmar a nossa posição de vanguarda contra o neofascismo. Vamos às  ruas pelo Fora Bolsonaro e pela vida das mulheres!

*Kelly Santos é Mestranda em Geografia- PPGEO/UF e militante do Afronte/RJ

**Rachel Euflauzino, militante do Afronte RJ