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EDITORIAL

Por que devemos ser contra a prisão em segunda instância

Foto: Agência Brasil

Foto: Agência Brasil

Editorial de 22 de março

Nesta quinta-feira, 22, será julgado o Habeas Corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal pelos advogados de Lula. Eles pedem o reconhecimento do direito do ex-presidente de responder em liberdade até que todas as instâncias de recurso, no processo em que foi condenado por Sérgio Moro à prisão, sejam esgotadas.

Até o dia de hoje, a prisão do ex-presidente poderia ocorrer a qualquer momento depois do julgamento, na próxima segunda-feira, de seus embargos de declaração no Tribunal Regional Federal da 4a Região – órgão que manteve a condenação de Lula por Moro e aumentou a pena de prisão para 12 anos e um mês.

O conteúdo daquilo que o Supremo decidir não terá, a princípio, repercussão geral, ou seja, só valerá para o caso de Lula. Mas alguns ministros, como Celso de Mello, insistem na necessidade de julgamento das ações de controle de constitucionalidade que estão na “fila” do Supremo e questionam o posicionamento firmado pelo STF em 2016.

Naquela época, ganhou o entendimento de que seria constitucional a execução provisória da prisão depois do julgamento em segunda instância, sem que a sentença tivesse transitado em julgado. Seis ministros votaram a favor dessa posição, contra os outros cinco. É possível que a composição dessa votação seja inversa hoje, com a mudança de posicionamento de Gilmar Mendes.

Mesmo que as posições dos ministros do STF tenham mudado, dificilmente Lula conseguirá a segurança de responder em liberdade depois de segunda-feira. Rosa Weber, por exemplo, embora seja pessoalmente contra a chamada “prisão em segunda instância”, considera equivocado votar de maneira divergente ao entendimento do STF de 2016, que ganhou repercussão geral e, portanto, força normativa.

Apesar da decisão de amanhã não ter efeito geral para todos os processos em que a prisão antes do trânsito em julgado é questionada, é preciso denunciar os efeitos desse tipo de agravamento punitivista na estrutura da justiça brasileira – caracterizada desde sempre pela seletividade de raça e classe.

A execução antecipada da pena de prisão, desde a decisão do Supremo em 2016, foi celebrada como medida de combate à corrupção, em meio ao furor midiático da Lava Jato. Contudo, nesse tempo, já jogou aos superlotados presídios brasileiros milhares de pessoas, quase sempre negras e jovens.

As defensorias públicas, à época do julgamento de 2016, se posicionaram contra a execução antecipada da pena, que pune muito mais quem cometeu pequenos delitos e só agrava injustiças. Em 2015, 41% dos recursos interpostos ao Superior Tribunal de Justiça pela Defensoria do Rio de Janeiro solicitando redução e substituição de pena, atenuação de regime de prisão ou absolvição foram atendidos e tiveram um resultado positivo para os réus, brasileiros pobres que não podem pagar um advogado particular. As taxas de reversão nos recursos às instâncias superiores pela Defensoria paulista são ainda mais altos, cerca de 64% no mesmo período.

A “prisão em segunda instância” representa um retrocesso em curso, que ganha força com o espetáculo do combate à corrupção e as campanhas virais de grupos de extrema-direita, como o MBL. Não é de hoje que o Judiciário se autoproclama como arauto contra a impunidade e, com isso, tratora princípios básicos de direitos humanos absorvidos pelas democracias burguesas, como o de não tratar inocentes como culpados antes do marco estabelecido pela Constituição.

Seja no julgamento sobre o indulto de fim de ano em dezembro de 2017, quando os ministros do STF impediram a liberdade de milhares de presos condenados por crimes não violentos (nada semelhantes com os de colarinho branco como diziam os jornais à época), seja neste tema da prisão antes do trânsito em julgado, o Judiciário surfa na onda de sucesso ideológico do tema da corrupção, mas está longe de moralizar a política brasileira ou fazer vigorar as garantias democráticas constitucionais.

Não se trata apenas de defender a liberdade democrática de Lula perante uma condenação política que visa tirá-lo das eleições desse ano e avançar na criminalização do PT. Trata-se de denunciar a realidade subterrânea de aumento no encarceramento da população negra e jovem no Brasil, ainda mais assolada por discursos que carregam a falsa bandeira da ética.