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EDITORIAL

Ditadura: elas botaram a boca no trombone e foram à luta

Por: Ana Lucia Marchiori, de São Paulo, SP

Nothing
“Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada”
Pagu/Patricia Rehder Galvão
Primeira presa política no Brasil

Quero falar um pouco sobre a luta das mulheres como protagonistas na resistência à ditadura civil, militar e empresarial no Brasil: elas estiveram na linha de frente dos movimentos de anistia e na busca pela verdade, ao procurar seus familiares, vítimas da perseguição política e demandar apuração dos crimes da ditadura. Também quebraram barreiras abalando hierarquias de gênero dentro da esquerda. Além do machismo, a gravidez e a maternidade eram consideradas totalmente incompatíveis com a militância política.

Nas tarefas militantes, havia uma divisão sexual. As mulheres travaram uma luta interna e externa, sendo que, para os militares, eram duplamente transgressoras. As guerreiras desafiaram o regime, pois, para os agentes da ditadura, deveriam desempenhar exclusivamente os papeis de mães, esposas e donas de casa. Ao ocupar os espaços na política, quando eram capturadas, as forças repressoras tentavam recolocá-las em seu “devido lugar”. Oprimeiro ataque era moral, com xingamentos de “vagabunda” e “prostituta”, seguidos de violência sexual, com sevícias, estupros, abortamento forçado e empalamento.

Em meio a tudo isso, ainda foram vítimas da pior das torturas, a violência psicológica: mães eram expostas a ver seus filhos, crianças de pouco mais de um ano de idade serem torturadas com choque elétrico.

A face mais cruel da tortura não é fazer falar, como pensam alguns. A verdadeira intenção dos torturadores é calar. As mulheres foram e ainda são as principais lutadoras contra o regime ditatorial no Brasil. Elas botaram a boca no trombone e foram à luta, organizando comitês, pedindo anistia em busca dos desaparecidos.

Carlos Lamarca treinando Iara Iavelberg.

As lutadoras eram mulheres de todas as idades, desde as mais jovens, como as 200 presas no Congresso da UNE, em Ibiúna, até as de mais idade, como Antonieta Hampshire Campos da Paz, de 60 anos, conhecida como a “Velhinha”, ou simplesmente “Nieta”, que comandou a guerrilha da ALN. É importante sublinhar que ela foi muito mais que uma velhinha esquerdista: foi dirigente da ALN no Rio de Janeiro, ao lado de Carlos Eugenio Coelho da Paz e Domingos Fernandes.

Lembremos, ainda, a própria mãe de Carlos Eugenio, recrutada por ele. Maria da Conceição Coelho da Paz entrou para a ALN aos 49 anos de idade, sendo conhecida pelo codinome de “Joana”. Presa e barbaramente torturada para dizer o paradeiro do filho, ela nada falou, resistindo com firmeza para que ele tivesse tempo de fugir do país.

A todas as sobreviventes, enfim, registramos nossa homenagem, em especial às militantes do movimento surgido nas greves, que obrigou os militares a ceder a uma transição. Mesmo que não tenha sido a tomada do poder pela classe trabalhadora, possibilitou a restruturação democrática no país.

Neste dia 8 de março de 2018, que as mulheres novamente, como as operárias nas greves do ABC Paulista, consigam avançar na organização da luta da classe trabalhadora, para derrotar as contrarreformas e a intervenção militar hoje decretada no Rio de Janeiro, como fizeram há 40 anos. Que as pautas das reivindicações específicas para a emancipação da mulher estejam nas negociações coletivas das entidades sindicais.

Eu acredito na força das mulheres. Quem resistiu, foi violentada no passado, tem no golpe do presente a garra necessária para lutar e vencer.

Viva a luta das mulheres de ontem e hoje!