Na última segunda-feira, 26/02, a Polícia Federal cumpriu sete mandados de busca e apreensão em Salvador. A ação fez parte da Operação Cartão Vermelho, que investiga suspeitas de superfaturamento no serviço de demolição, construção e administração do estádio Arena Fonte Nova. O principal alvo da operação é o ex-governador da Bahia, o petista Jaques Wagner, atualmente secretário de Desenvolvimento Social do governo Rui Costa (PT). Wagner governou a Bahia entre 2007 e 2014, período em que o contrato de licitação foi celebrado com o consórcio Fonte Nova Participações (OAS/Odebrecht). Segundo a investigação da Polícia Federal, o contrato tem indícios de superfaturamento de R$ 450 milhões, e Wagner teria recebido R$ 82 milhões em propina.
Os mandados de busca e apreensão fora cumpridos no apartamento do ex-governador, no seu gabinete na SEDES, e em outros endereços particulares e órgãos públicos na capital baiana. Desde as primeiras horas da manhã, a ação da Polícia Federal ganhou grande repercussão na mídia. No mesmo dia, a imprensa foi chamada a uma coletiva na qual a delegada responsável, contrariando o estágio ainda inicial das investigações, se mostrou convicta das acusações e afirmou que a PF chegou a pedir prisão preventiva de Jaques Wagner.
Em tempo, não nos cabe o papel de advogados. Tampouco é objetivo desse artigo emitir um parecer sobre a inocência de Jaques Wagner e quaisquer das lideranças petistas envolvidas no seu governo. Diante de suspeitas de corrupção e má gestão dos recursos públicos, somos defensores de uma investigação transparente. Mas não é isso que vem ocorrendo com investigações como a Lava-jato e demais operações que envolvem a PF e o poder judiciário.
Temer e a maioria esmagadora do seus ministros, envolvidos até o pescoço em casos de corrupção, seguem soltos e exercendo seus mandatos. Na Bahia, o deputado federal Atonio Imbassahy, liderança do PSDB, segue solto mesmo diante das denúncias de corrupção nas obras do metrô de Salvador quando era prefeito. Já o atual prefeito ACM Neto (DEM) é alvo de denúncia de recebimento de caixa 2 para a campanha eleitoral de 2012 – o montante, segundo delator da Odebrecht, seria de R$ 2,2 milhões.
O espetáculo midiático provocado pela Operação cartão vermelho ocorre poucas semanas após o TRF-4 condenar em segunda instância o ex-presidente Lula. A condenação de Lula, sem provas e sustentada no dispositivo da delação premiada e na “convicção” dos Procuradores, se configurou no segundo ato do golpe. Através do reacionário poder judiciário, a burguesia que já havia interrompido o mandato de Dilma, retirou da corrida eleitoral o pré-candidato que liderava as pesquisas em todos os cenários, decidindo arbitrariamente em quem o povo pode ou não votar. É justo que se diga, com todos os enormes limites e contradições, o voto é um direito, uma conquista democrática. E toda restrição as liberdades democráticas deve ser repudiada e combatida. Lula tem o direito de ser candidato, e os trabalhadores têm o direito de decidir em quem vão votar. Deve-se combater a estratégia de conciliação de classes do lulopetismo na arena da política, e não judicial.
Do mesmo modo, Jaques Wagner, apontado como um possível “plano B” do PT, é agora centro de uma nova investida daquilo que temos chamado de judicialização da política, ou politização da atuação do poder judiciário e da Polícia Federal. O Esquerda Online, através de seus editoriais e artigos de opinião, tem se posicionado sobre como a Operação Lava-jato cumpriu um papel fundamental na articulação que gerou o golpe de 2016. Já apontamos inúmeras vezes que seus problemas vão além da seletividade de suas ações, mas no seu próprio conteúdo reacionário, servindo como braço jurídico do programa conservador de reconfiguração do sistema político do país, para torná-lo ainda mais fechado.
A entrevista da delegada que coordena a Operação cartão vermelho, e o pedido de prisão preventiva de Jaques Wagner, por ora negado pelo TRF-1, escancara um modus operandi idêntico ao aplicado pela operação Lava-jato. Ou seja, juízo político dos fatos, prisões arbitrárias para forçar acordos de delações premiadas e, por consequência, condenações baseadas exclusivamente na reacionária teoria do domínio do fato.
Com base nessa teoria, Lula, o PT, e suas lideranças estão sendo criminalizados. O mesmo expediente já é utilizado contra o MST e o MTST, por exemplo. Se nada for feito, quanto tempo demorará até que sindicatos, centrais sindicais e federações, ou outros partidos ideológicos de esquerda como o PSOL, PCB e PSTU, também virarem alvo?
Rejeitar a judicialização da política não significa prestar apoio ao projeto de Lula, Wagner e do PT
Se posicionar criticamente à Operação Cartão Vermelho, por identificar nela o mesmo sentido reacionário da operação Lava-jato, não significa apoiar politicamente o PT e muito menos o legado dos governos de Jaques Wagner. Categoricamente, do ponto de vista político e programático, os governos de Wagner e agora o do seu sucessor Rui Costa, são indefensáveis. No comando da Bahia entre 2007 e 2014, Wagner acabou por trair as expectativas do povo trabalhador baiano, que via seu governo com os olhos de esperança, a esperança de deixar para trás os tempos ingratos do Carlismo.
Jaques Wagner adotou na Bahia uma política econômica que seguiu a mesma fórmula dos governos Lula e Dilma. Privatizações e parcerias público-privadas em inúmeras áreas, que fizeram a alegria das empreiteiras como OAS e Odebrecht , que lucraram como nunca. No campo, o avanço do agronegócio foi voraz e a reforma agrária foi jogada pra escanteio. Mineradoras multinacionais se instalaram na Bahia para explorar quase sem nenhum limite nossas riquezas minerais. A estratégia da conciliação de classes serviu muito bem aos interesses dos poderosos, o crescimento econômico que embalou as administrações de Wagner, não se refletiu em diminuição da desigualdade social e econômica.
Para obter a chamada “governabilidade”, Wagner não se apoiou na mobilização das centrais, sindicatos e movimentos que o ajudaram a se eleger. Optou privilegiadamente pela aliança com as mesmas oligarquias que outrora deram sustentação política ao carlismo. Carlistas de carteirinha, como os ex-governadores Cesar Borges e Otto Alencar, entraram pro time de Wagner. Até mesmo Geddel Viera Lima foi, durante o primeiro mandato, um aliado fundamental da administração petista.
Tão íntimo dos coronéis do carlismo, Wagner se distanciou dos trabalhadores. O funcionalismo público sofreu com arrocho salarial e precarização das condições de trabalho. Diante das greves, Wagner sempre respondeu com intransigência nas negociações e truculência na repressão aos movimentos e suas lideranças. Exemplo simbólico foi a histórica greve da educação de 2012, que durou mais de 100 dias, onde Wagner recusou-se a negociar, cortou salários, créditos de alimentação, e até mesmo o plano de saúde dos servidores.
Um legado particularmente cruel se relaciona com a questão da segurança pública. No seu governo, Wagner seguiu a cartilha dos seus antecessores carlistas e investiu na repressão, adotando medidas que contribuíram para transformar a PM da Bahia numa verdadeira máquina de guerra. Para que se tenha ideia, em 2013 (penúltimo ano de mandato) investiu R$ 3,3 bilhões na pasta de segurança pública, verba direcionada para construção de presídios, compra de viaturas, armamentos e treinamento de grupos especiais como a Rondesp. O resultado disso, é que nesse mesmo ano a Bahia foi o estado com o maior número de assassinatos no Brasil, com um total de 5.440 mortos, segundo os dados da oitava edição do Anuário brasileiro de segurança pública. Atualmente, o seu sucessor Rui Costa tem dado continuidade a mesma política e a PM baiana é a que mais mata no Brasil. Jamais esqueceremos da chacina do Cabula, onde um laudo pericial comprovou que 12 jovens negros foram torturados e assassinados. Na ocasião, Rui Costa saiu em defesa dos policiais.
Por irem na contramão da defesa dos interesses históricos dos trabalhadores, os governos de Wagner e Rui Costa são politicamente indefensáveis. Porém, o desafio de superá-los, assim como ao lulopetismo de conjunto, é uma tarefa política que cabe a classe trabalhadora. Ela não pode ser terceirizada para a classe inimiga e suas instituições, como o poder judiciário e a polícia federal. É compreensível que a desilusão com o projeto do PT abra caminho para a tentação de atalhos para superá-lo. Mas em política, os atalhos costumam a ser perigosos, e nesse caso, diante de operações como a Lava-jato e a Cartão Vermelho, apoiar ou fazer de conta que não nos diz respeito, é um grave erro, pois desconsidera as fronteiras de classe. Trata-se de uma ação reacionária do aparato jurídico-policial burguês.
O caminho da esquerda socialista brasileira, sem se desligar um único instante do conjunto do povo trabalhador, passa pelo repúdio e combate a reacionária judicialização da política, pela luta unitária e radical contra a agenda golpista de retirada de direitos, e pela construção de uma alternativa de esquerda e independente, capaz de superar o projeto de conciliação de classes da direção do PT.
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