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BRASIL

A esquerda, os evangélicos e as eleições de 2018

Gabriel Santos, de Maceió (AL)

“Sou daqueles que acham que não vai ter nenhum processo revolucionário se o Brasil não entender o papel dos direitos humanos na luta pela vida e na superação do medo”. Essa é a opinião de Marcelo Freixo. O deputado do PSOL do Rio de Janeiro é hoje uma das principais figuras da esquerda brasileira. Na entrevista na qual fez essa declaração, mostrou uma visão distinta daquela que no geral muitos militantes de esquerda têm dos evangélicos,  de que estes são um grupo conservador e reacionário, o que acaba levando a um afastamento.

A declaração de Freixo, feita no início do ano em São Paulo, acontece em um momento no qual diversos nomes de direita tidos como presidenciáveis buscam se aproximar dos líderes das maiores congregações neopentecostais, buscando o apoio para suas candidaturas. Nomes que surgem da extrema-direita, como Bolsonaro, passando pelo campo do chamado “centrão”, como Henrique Meireles, Flávio Rocha e até Geraldo Alckmin. Todos começaram uma verdadeira peregrinação por templos nos quatro cantos do Brasil, seguidos de reuniões e jantares com os grandes líderes religiosos.

Para Freixo, a esquerda precisa aprender a separar a comunidade evangélica, de seus líderes religiosos, como Silas Malafaia. Um dos assessores de Freixo é o pastor Henrique Vieira, que também grava vídeos para o YouTube e é colunista da Mídia Ninja. Ele diz existir uma diferença entre as ideias de muitos evangélicos e a de seus líderes religiosos ou representantes parlamentares. Vieira costuma chama de “coronéis da fé” e “mercadores de religião”, aqueles líderes que passam mais tempo fazendo discurso de ódio e cobrando dízimo do que transmitindo as palavras de Cristo. Ele e Freixo defendem uma aproximação da esquerda com os fiéis evangélicos.

Segundo pesquisa do Datafolha publicada em dezembro, 32% dos brasileiros se declaram evangélicos. O número de fieis dessa religião não para de crescer. Em 1991, de acordo com o IBGE, 9% da população fazia parte do grupo. Já em 2010, os números marcavam 22%. Outro dado importante é que a cada ano abrem 144 mil novas igrejas neopentecostais pelo País. O sinal do crescimento do número de evangélicos se vê em toda a parte, seja no número de Igrejas que disputam fieis em cada esquina nas periferias por todo o Brasil, seja nos números de músicas evangélicas que tocam nas rádios, entre outros aspectos da religião que vai cada vez mais fazendo parte do dia-a-dia do povo brasileiro.

A corrida para chegar ao Palácio passa pelos templos dos principais agrupamentos evangélicos. Não é de hoje que diversos políticos tentam se aproximar do setor, porém, o apoio evangélico terá um peso maior nestas eleições de 2018. Isso se dá primeiramente pelo fato do setor votar mais “em bloco” do que outros grupos sociais. Se uma determinada agremiação evangélica apoiar um candidato, os fiéis dessa dominação tendem a se unificar no apoio para o nome indicado. Em uma eleição como a de 2018, que se apresenta como a que terá muito provavelmente o orçamento mais baixo da Nova República, o apoio massivo de um grupo de fiéis e de uma determinada igreja é algo que não pode ser desconsiderado.

Diversos nomes já começaram a se mobilizar para buscar o apoio de grupos evangélicos. O atual Ministro da Fazenda, Henrique Meireles, que nas pesquisas aparece com míseros 1% e até 2% de intenção de votos, participou de eventos festivos da Assembleia de Deus no Pará e em Minas Gerais, foi a culto da igreja Sara Nossa Terra em Brasília, gravou vídeo pedindo orações dos evangélicos para ajudar na aprovação da reforma da Previdência. Porém, o ápice de Meireles foi quando afirmou em entrevista ao Estadão que se aproximou da Assembleia de Deus porque a igreja “compartilha da mesma mensagem de gastar só o que se ganha”.

Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB, é outro que tem feito peregrinações em busca de apoio. O governador de São Paulo, que aparece com 6% de intenção de votos, participou ainda ano passado da maior feita gospel do Brasil, a Expo Cristã, onde afirmou “Nós precisamos nos inspirar na igreja”, recebendo aplausos de Silas Malafaia. O tucano também tem participado de cultos na capital paulista e agendado reuniões com diversos líderes religiosos.

Outro nome que tem olhado com bastante atenção o eleitorado evangélico é Jair Bolsonaro. Apesar de católico, Bolsonaro se batizou pelas mãos de Pasto Everaldo – PSC no Rio Jordão em Israel. O nome do segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto é visto com interesse por algumas das lideranças do segmento.

Segundo o Datafolha, na população de “crentes” o resultado das pesquisas são bastantes apertados, com Lula em primeiro com 14% e Bolsonaro atrás com 13%. A presença do ex-presidente na liderança entre os preferidos dos evangélicos serve para tentar desmistificar um pouco a noção que muitos da esquerda têm de que todos os evangélicos pensam iguais e são conservadores. Outra pesquisa interessante é a que mostra que os evangélicos são o grupo social que mais rejeita a frase “bandido bom é bandido morto”.

Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito e a bancada evangélica
Existe bastante diferença entre a visão de uma igreja “x” e a de uma igreja “y”. Ou entre bispos e pastores como Malafaia e Edir Macedo de um lado, e a população de “crentes” por outro. E é justamente isto que a Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito tenta mostrar. Este movimento que surgiu contrário ao impeachment da presidenta Dilma organizou crentes de diversas igrejas distintas, primeiramente por meio da adesão virtual e em seguida com reuniões e mobilizações concretas, de início nas capitais carioca e paulista.

A Frente cresceu e segue crescendo nacionalmente, e mostra a partir da leitura da Bíblia a necessidade de lutar pelo direito à moradia, à terra e à vida digna, denunciando a violência, as reformas do governo Temer e em defesa do Estado de Direito e de um Estado laico. A Frente também se posiciona contra o Escola sem Partido e a redução da maioridade penal, por exemplo. Hoje ela integra as Frentes Brasil Popular e a Povo Sem Medo e não enxerga a bancada evangélica como verdadeiros representantes.

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso conta com 199 deputados e 4 senadores, e teve nas eleições de 2014 um crescimento de 74 novos deputados. A Frente pretende continuar crescendo e utilizando sua força política para impedir pautas como a legalização do aborto, das drogas, discussão de gênero nas escolas e impor retrocessos em temas relacionados aos direitos LGBTs.

Totalmente contrário a estes parlamentares, os Evangélicos Pelo Estado de Direito mostram que as medidas destes parlamentares que apoiaram o Golpe e a retirada de direitos atacam os próprios fiéis, em grande maioria pobres e trabalhadores. Dessa forma aponta as contradições da bancada evangélica que, ao se alinhar com os defensores dos grandes latifúndios, acaba por ser cúmplice quando os donos das grandes fazendas assassinam aqueles que lutam por um pedaço de terra no Norte e Nordeste. Dessa forma aglutina aqueles crentes que querem conversar sobre os textos bíblicos, cidadania, justiça social, direitos humanos e fé.

De acordo com a cientista política Clarisse Gurgel, em recente entrevista à revista Carta Capital, as igrejas evangélicas cumprem muitas vezes o papel do Estado, e um papel de coesão social, juntando diversas pessoas por um ideal coletivo. Ela aponta que a esquerda precisa entrar nos espaços periféricos, com uma atuação que chegue nos locais de moradia. As palavras e atos de Gurgel, Freixo e tantos outros, sejam pastores, movimentos e crentes Brasil a fora para tentar aproximar e suprimir a lacuna que existe entre a esquerda e os evangélicos parece ser algo fundamental em longo prazo. Não pode existir uma alternativa para o povo que não consiga dialogar com o povo, e os crentes fazem parte deste setor.