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CULTURA

Povo negro: 1, 2, 3… ação!

Morghana Benevenuto, de Porto Alegre (RS)

Vou me embora pra Wakanda, que lá eu sou Rei
Sabedoria é um griô, dispenso sensei
Isso é pretos no topo que tanto sonhei
Mãe África em foco, pode apertar o play
NEGRÃO, Bruno.

Dia 16 de fevereiro estreou nas telas de todo Brasil o filme Pantera Negra (Marvel). A ficção tem em seu elenco somente atores negros, o que não é novidade no cinema americano, mas é inédito pelo tamanho da produção e, obviamente, porque o negro não é o primeiro a morrer como na maioria das vezes. O filme conta com atores premiados da cinematografia Hollywoodiana, como Lupita Nyong’o, ganhadora do Oscar por “12 anos de Escravidão”, e Forest Whitaker, também ganhador do Oscar. Além disso, é dirigido e tem como roteirista dois homens negros: Ryan Coogler e Joe Robert. Para finalizar, a trilha sonora é produzida pelo rapper premiado Kendrick Lamar.

Ou seja, o filme é o verdadeiro sinônimo de que “Se a coisa tá preta, a coisa tá boa”. Inclusive o filme contou com uma sessão exclusiva para negros em Porto Alegre, no Cine Vitória, com apresentações de figuras do movimento negro local, poetas e jornalistas da grande mídia.

O Filme (Contém Spoiller)
Pantera Negra é um filme que traz várias referências da cultura negra. Começando pelo nome que logo nos remete ao Partido Panteras Negras, partido socialista norte-americano que lutou contra a violência policial e a desigualdade racial nos Estados Unidos, além de ter sido cruelmente perseguido pela CIA. Outro aspecto que chama atenção é o protagonismo das mulheres negras. Elas são as guerreiras, elas são o exército, as que lutam pelo reino, aliás, nas culturas de vários países africanos são as mulheres que sempre cumpriram esse papel, além de outros tantos.

Também é importante falar sobre o reino fictício Wakanda. Wakanda não é uma simples aldeia africana como as retratadas em canais de TV onde as pessoas são sempre desnutridas e sem acesso a tecnologias, ou um reino que conserva tradições milenares sem nenhuma perspectiva de mudança cultural. Não, não é nada disso. Wakanda é simplesmente “O Reino”, com tecnologias mais avançadas que as que conhecemos hoje, ou um futurismo em perfeita harmonia com a natureza; lá reina o respeito às tradições como, por exemplo, a cerimônia de coroação, sendo elas conservadas e, ao mesmo tempo, renovadas. E a melhor parte: ele é habitado por pessoas negras que produzem e usufruem tudo isso. E é de lá que nascem os super-heróis.

O enredo do filme não se resume simplesmente na luta do herói contra o vilão, nas entrelinhas o enredo trata sobre qual é o melhor projeto para a libertação da população negra e oprimida. O príncipe T’Challa tenta encontrar um consenso entre uma saída radical, na qual o primeiro passo seria socializar e armar os oprimidos com as tecnologias de Wakanda, ou manter-se fechado, conservando as tradições e valores africanos e dentro de uma pequena sociedade africana. Obviamente, a solução encontrada é a mais americana possível, à la Barack Obama, desenvolvendo centros educacionais, culturais, medidas contra a desigualdade com ajuda da CIA e da ONU. É claro que antes o príncipe enfrenta o vilão em batalhas com suas super-tecnologias naquele jeito Marvel de ser. Mas, é interessante pensar que a ideia de armar os oprimidos para lutar contra os opressores ainda é retratada como inimiga da humanidade.

Representatividade importa!
Sem sombra de dúvida Pantera Negra é um show de representatividade. No filme nenhum negro é coadjuvante e todos possuem poderes, falas e o mais importante: opinião. Esses elementos são de enorme relevância para qualquer menino ou menina negra reconstruir uma imagem desta população na cinematografia que vá além do bandido, palhaço, barraqueira ou empregada, ou seja, nos permite reconstruir (ou construir) uma imagem positiva sobre nos mesmos, o que por muito tempo nos foi negado no âmbito cultural. A auto-declaração precisa ser através de um reconhecimento não estigmatizado e não racista. Ou seja, é preciso representar com efetividade e Pantera Negra conseguiu cumprir com esse papel muito bem.

Mas é necessário pensar o quanto o slogan “Representatividade Importa!” ainda é frágil, mesmo com mais de 50% da população sendo negra neste país, quando assistimos os filmes, propagandas, novelas e programas de televisão nem conseguimos cumprir com a cota de um negro entre dez, vinte, cem, brancos. Os poucos negros que estão na grande mídia ainda cumprem um papel de luta contra o racismo muito tímido para o tamanho das demandas da população negra brasileira. Um dia depois da grande estreia de Pantera Negra no Brasil Temer anunciou Intervenção Militar na área da segurança em todo Rio de Janeiro, o que para os pretos significou assinar mais uma política de genocídio e quase nenhum artista, como Thaís Araújo e Camila Pitanga, negras que influenciam muito no movimento negro contemporâneo e feminista, se pronunciaram publicamente. De nada adianta nos vermos como heróis nas telas de cinema, mas voltarmos a ser vistos como suspeitos e marginais quando o filme acaba.

Para nossa representatividade ser de fato efetiva ainda há muito caminho pela frente, é preciso se posicionar contra projetos políticos que visam a precarização de serviços públicos, é preciso se posicionar contra reformas que restringem direitos dos trabalhadores e estar junto aos movimentos negros, não somente aqueles institucionalizados. Um elenco inteiro negro infelizmente é pouco comparado com a violência que a população negra vive neste país, mas com certeza já é um passo.