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BRASIL

LSR: A eleição presidencial em 2018 e os desafios do PSOL

Por Liberdade, Socialismo e Revolução. Tendência Interna do PSOL

Construir uma campanha com Boulos e o MTST a altura das exigências do momento histórico!

Que 2018 seria um ano de inúmeros desafios, isso parece ser um dos poucos temas sem polêmica entre a esquerda. O turbulento ano de 2017 já sinalizou: os mesmos políticos e empresários que ocupavam as capas e manchetes de jornal com denúncias de escândalos atrás de escândalos de corrupção, articulavam e votavam ataques, dentre eles a nefasta Reforma Trabalhista e a PEC do teto de gastos. Ao mesmo tempo, uma greve geral histórica e a intensificação das lutas das mulheres, população negra, LGBTs, além de greves e ocupações por moradia que não cessaram, colocando em cheque a tese de onda conservadora. Ainda se respira luta.

As eleições deste ano ocorrerão neste clima de crise política e econômica e de polarização social. O PSOL está nas vésperas de realizar a sua Conferência Eleitoral, que ocorrerá no dia 10 de março, com quatro pré-candidaturas oficializadas, para além da pré-candidatura de Guilherme Boulos, fruto de uma aliança política de esquerda com o MTST e outros movimentos e organizações. Defendemos a pré-candidatura de Boulos e neste artigo pretende-se traçar elementos para o debate.

Os socialistas e as eleições

Antes de entrar no centro do debate sobre Boulos e o programa, é importante resgatar por que nós participamos do processo eleitoral. Devemos apresentar uma candidatura independente de empresários e partidos da ordem, construída com a classe trabalhadora organizada, movimentos sociais e populares, partidos de esquerda, com um programa que atenda aos interesses da maioria, e que aponte as contradições do sistema político e econômico. É a oportunidade de ser um contraponto e nos diferenciar dos políticos da burguesia apresentando uma alternativa real para trabalhadoras e trabalhadores.

O golpe institucional em 2016 e os processos subsequentes de uma série de medidas anti-povo que representam inúmeros retrocessos, aprovadas sob um governo ilegítimo e um congresso em que boa parte é denunciada por corrupção, trazem à tona o fracasso da política de conciliação de classes que o governo PT buscou manter até o último momento. A constatação de Marx e Engels de que o Estado é o comitê executivo da burguesia é ilustrativo para compreender o momento que vivemos.

Para nós, a independência de classe é um princípio que não devemos abrir mão e por isso rompemos com o PT. Devemos apresentar nosso programa, com independência política e financeira, sem alianças com políticos da ordem e sem financiamento de empresários, banqueiros e empreiteiras.

Boulos, Vamos e o PSOL em 2018

Além desses temas, o programa que vamos defender é um tema central. O PSOL, em seu último congresso, aprovou uma resolução apontando que “terá uma candidatura própria que amplie o debate de reorganização da esquerda, que tenha como lastro programático o processo democrático e participativo construído pela plataforma Vamos mais o acúmulo programático do partido, e que tenha como principal compromisso a revogação das medidas antipopulares do Temer, como a reforma trabalhista e a lei da terceirização”.

Nós da LSR participamos da iniciativa “VAMOS – Sem medo de mudar o Brasil”, que organizou 55 debates em 25 cidades, além de receber, a partir da plataforma virtual, inúmeras propostas, sistematizando por fim nos eixos Territórios e Meio Ambiente, Cultura e Comunicação, Economia, Poder e Política, Saúde e Educação e Negros e Negras, Mulheres e LGBTs, elencando alguns pontos de um programa de mudanças para o Brasil.

Boa parte dos debates presenciais foram organizados em praças e espaços públicos. Houve sete encontros de caráter nacional, mas em diversas cidades organizou-se para tratar de pelo menos um dos eixos. Em tempos de resistência a uma série de ataques, foi louvável a iniciativa de construção programática, convidando amplamente movimentos e a população em geral para pensar o Brasil que queremos.

O resultado elenca uma série de reivindicações legítimas de segmentos da sociedade e da classe trabalhadora, refletindo bandeiras levantadas pelas grandes maiorias. Trata-se de um resultado parcial, sistematizado em tópicos. Incorporar os resultados dessa experiência com o acúmulo programático que o PSOL construiu é positivo. Mas, precisamos avançar, sobretudo ir à raiz para discutir como iremos garantir demandas progressistas em um contexto de capitalismo dependente e periférico envolto em uma profunda crise política e econômica.

Não se pode garantir mais direitos e avanços sociais sem enfrentar a lógica perversa do sistema da dívida pública, que transfere recursos dos mais pobres aos mais ricos. Para isso, não basta uma política de redução de juros dos títulos da dívida. Uma auditoria da dívida deve servir para quebrar a lógica de acumulação do capital financeiro e criar condições para o não pagamento da dívida aos grandes capitalistas.

Fazendo isso, será preciso enfrentar o grande capital até as últimas consequências, o que implicará na defesa da estatização e controle de trabalhadores sobre os bancos e instituições financeiras, além dos setores estratégicos da economia. Essa perspectiva anticapitalista e socialista deve nortear a alternativa programática que servirá de base para uma nova esquerda no Brasil.

Por esses e outros motivos, defendemos que o congresso do PSOL deveria ter aberto um processo mais amplo para definir sua candidatura, incluindo um debate programático que possa ir além das limitações da plataforma VAMOS.
Ainda assim, achamos um equívoco um setor do Partido, incluindo companheiras e companheiros valiosos com quem construímos no último Congresso uma aliança e mantemos defendendo mais democracia interna e um programa radical no PSOL, embarcar em uma campanha “anti-VAMOS”.

Embora seja legítimo e traga contribuições relevantes, é problemático porque desconsidera o fato de que um programa pode ser construído no processo. O maior risco nesse embate é polarizar em uma candidatura “de pé no barro” versus uma candidatura “de vanguarda”. Os setores mais consequentes do PSOL devem, independente do candidato, conseguir construir uma síntese entre as experiências concretas das massas e o acúmulo das análises e conclusões produzido na vanguarda da esquerda.

É extremamente positivo o PSOL estabelecer uma aliança nas eleições com um movimento como o MTST, cuja luta é respeitada até por quem traça críticas. Contribuições como as de Plínio de Arruda Sampaio Jr., que se apresenta como um pré-candidato, são muito lúcidas, e possibilitam uma melhor compreensão histórica e social do momento em que vivemos, e com isso ficamos mais armados para enfrentar nossos verdadeiros adversários.

Infelizmente, esses ataques que rebaixam o debate ocorrem de ambos os lados, quando acusam a defesa da candidatura de Boulos com transformar em “puxadinho do PT”. Essa leitura tende a simplificar processos dinâmicos que vivemos para firmar verdades sobre cenários que estão em aberto. O MTST é um aliado de longa data do PSOL, e ainda que mantenha relações com setores do PT, sempre mantiveram uma postura crítica e um caráter combativo, mesmo nos governos petistas. A própria Frente Povo Sem Medo surgiu ainda no Governo Dilma, em 2015.

Também o rigor existente em demarcar linha por linha, eixo por eixo da plataforma VAMOS os seus erros e limites está vinculado a uma forma de demarcação de posição sobre a candidatura de Boulos que acaba mais tendo efeitos de desconstruir do que elevar o debate. As campanhas anteriores do PSOL também apresentaram limites, como na proposta de a “Se a cidade fosse nossa”, que antecedeu a campanha de Marcelo Freixo em 2016 e isso não impediu de ser construída corretamente por muitos setores do PSOL. Um programa socialista deve ser construído ligado às massas e sensível às suas experiências.

Entendemos que nossa tarefa é ir às bases debater esses limites e mostrar que, essas bandeiras levantadas no VAMOS, mesmo as mais rebaixadas, para serem efetivadas implicam em um choque com os interesses capitalistas e demandam uma ruptura com esse sistema. Por isso, não podemos ter receio em apresentar a candidatura do PSOL abertamente como uma alternativa socialista. Ir até as últimas consequências e tornar viável as medidas que o VAMOS propõe implica em discutir estatização, não pagamento da dívida pública para os grandes empresários e uma grande participação popular. Resumindo, é preciso muita luta!

Construir a luta pra valer!

Para defender e conquistar mais direitos, é preciso muita luta, e essa é a marca que uma candidatura do PSOL precisa explicitar nessas eleições. Nesse aspecto, a candidatura de Guilherme Boulos reflete esse caráter. O MTST é hoje um dos principais movimentos sociais no Brasil, que no segundo semestre do ano passado realizou uma ocupação em um terreno de 60 mil metros quadrados, desocupado há mais de 40 anos em São Bernardo do Campo/SP, e hoje abriga mais de 7 mil famílias.

Ainda durante o Governo Dilma, em 2015, propôs a Frente Povo Sem Medo, encampando uma luta contra o retrocesso de direitos e, após o golpe denunciou desde o início o Governo Temer. Foi também o MTST que encampou as lutas durante a Copa do Mundo, esteve presente nas jornadas de junho de 2013 e extrapola a pauta por moradia assumindo um protagonismo importante junto às Centrais Sindicais na luta contra a Reforma Trabalhista, Reforma da Previdência e outros ataques.

Devemos saber aproveitar as oportunidades e temos experiências internacionais recentes que demonstram isso, como é o caso de Corbyn. A partir de um programa que levantava temas centrais como aumento do salário mínimo e enfrentamento a privatizações e cortes na educação, nas eleições britânicas. Mesmo sendo do Partido Trabalhista, o Partido de Tony Blair, por exemplo, e de suas posturas vacilantes, não deixou de entusiasmar milhares de pessoas que organizaram comícios e, pelo caráter de massas, deram um tom radicalizado para a campanha.

Outro exemplo é Bernie Sanders, nos Estados Unidos, que em todas as pesquisas aparecia na frente de Trump, mas perdeu as prévias do Partido Democrata para Hillary Clinton e não quis sair como candidato independente. A campanha para que Bernie Sanders fosse o candidato pelo Partido Democrata utilizava termos como “revolução política” e “socialismo”, e confrontava as campanhas milionárias e as grandes corporações. As prévias mostraram o entusiasmo e engajamento de uma nova camada de ativistas e foi um elemento que surpreendeu, parte de um processo de crescimento da esquerda no coração do capitalismo.

Em ambas experiências, seções do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) estiveram presente intervindo, dialogando com apoiadores e com a população em geral, apontando inclusive os limites e contradições dessas campanhas. Não representavam, em sua totalidade, um programa e um perfil que temos, mas tinham potencial para dialogarmos com mais gente do que talvez teríamos com uma candidatura própria, absolutamente com o nosso perfil, mas restrita. O envolvimento nessas experiências não nos impediu de comentar os limites do Corbyn e de Sanders, pelo contrário: nos deu legitimidade e autoridade para dialogar com mais pessoas que se somavam entusiasmadas para construir essas campanhas com perfil radicalizado.

Partimos da compreensão de que temos hoje uma tarefa de construir novas alternativas que sejam referência para a classe trabalhadora, povo pobre e juventude. Isso é um enorme desafio. O PSOL deu concretude ao início desse processo, em 2003, quando nasce da ruptura com o PT, junto a outros setores que rompem com o PSTU e setores que não estavam filiados a qualquer partido, durante o primeiro ano de governo petista. O estopim, inclusive, foi a Reforma da Previdência proposta por Lula.

Desde então, tivemos diversos alinhamentos e realinhamentos. Ainda hoje estamos em um momento dinâmico e vivo de reorganização no Brasil. Isso envolve rupturas e fusões entre os partidos de esquerda, mas também o fortalecimento de organizações na periferia e do movimento negro, coletivos feministas que assumem protagonismo não apenas nas pautas específicas como em lutas gerais como a Reforma da Previdência etc.

Nessa eleição de 2018, para além de enfrentar as campanhas milionárias, defendida pelos grandes empresários e com diversas vantagens, teremos que enfrentar o desânimo, a insatisfação e a descrença das pessoas. Junto a isso, enfrentar o lulismo, que aparece em primeiro nas pesquisas, ou um candidato apadrinhado por ele, no cenário em que seja de fato barrado.

O projeto lulopetista de conciliação de classes esgotou. Com a crise econômica, é muito difícil ter uma reedição do que foram os primeiros anos de governo Lula, em que apesar de seu pacto com banqueiros e empresários, foi possível apresentar políticas sociais. As jornadas de junho em 2013 foi um marco desse esgotamento. Às vésperas do golpe, Dilma não só aprovou a lei antiterrorismo como articulava a PEC do teto dos gastos e uma reforma da previdência, barganhando a sua permanência no governo.

No entanto, entender que esse projeto se esgotou não significa que o PT ou Lula esgotaram. Lula apresenta em qualquer dos cenários à frente nas eleições e, como aponta a última pesquisa na Datafolha, cresce a adesão. Essa ilusão está vinculada a ideia de um mal menor – não é à toa que por vezes petistas nos confrontam com a ameaça “Lula ou Bolsonaro”. Por isso, não se combate esse crescimento com ações sistemáticas de denúncia e ataques ao lulismo e o projeto da social democracia, mas apresentando uma forte alternativa que mobilize, comova e engaje mais pessoas. A campanha do PSOL precisa refletir um balanço sério do que foram os 13 anos do PT, apresentar críticas e lições. Precisamos dizer que o projeto de conciliação de classes só serviu para desarmar os trabalhadores e abrir para essa ofensiva da direita que vivemos. E é natural que os debates em torno das pré-candidaturas do PSOL e seu perfil enfatizem as formas de apresentar nosso balanço com o lulopetismo e a forma de enfrentá-lo nas urnas, mas junto a isso não podemos ignorar a imensa tarefa que é apresentar caminhos para barrar a direita e seus ataques.

O cenário de polarização social reverbera uma conjuntura extremamente dinâmica e complexa. Está em aberto de que forma o imenso desânimo e aversão ao sistema político irá refletir nas eleições, mas uma coisa é certa: não existe vácuo. Podemos construir uma alternativa que inspire confiança para mais pessoas se envolverem e se engajarem, como a direita também pode apresentar um messias que, com discurso inflamado e respostas incisivas cresça de forma oportunista.

Até a Conferência Eleitoral e depois, as divergências e contradições devem ser encaradas de frente e lidar com elas criando espaços de diálogos, debates, a fim de fortalecer essa alternativa. Nosso compromisso com a elaboração de um programa que estabeleça um diálogo com a população e que se apresente como viável deve estar a serviço do fortalecimento de uma alternativa socialista à direita tradicional e ao PT, e não para acirrar nossas divisões e enfraquecer. Uma candidatura do PSOL que consiga produzir a melhor síntese entre um dinâmico e combativo movimento social aliado com uma vanguarda socialista só tende a trazer resultados positivos, abrindo possibilidades para a esquerda brasileira.

O debate interno entre os setores da esquerda é fundamental para aprimorar nossa análise e nosso programa, mas isso precisa ser feito levando em consideração a quantidade de corações e mentes que temos a conquistar: está colocada a possibilidade de discutir programa e a reorganização da esquerda brasileira junto ao povo, às trabalhadoras, trabalhadores, à quente, mostrando no dia a dia da campanha de Boulos para presidente a necessidade da ruptura com esse sistema podre e falido e a construção de uma sociedade onde as nossas vidas importem mais do que os lucros dos milionários, uma alternativa socialista! Vamos sem medo!