Por: Pedro Augusto Nascimento, de Mauá, SP
No último domingo (18), na matéria do Fantástico na qual “especialistas” tranquilizavam a população do Estado do RJ sobre a intervenção militar decretada pelo governo Temer, foi dito que seria obedecido o critério da inviolabilidade do lar. Isso significaria que a polícia e o Exército não poderiam entrar na casa de ninguém sem um mandado judicial, como prevê a Constituição.
Um dia depois, o governo decide solicitar à Justiça mandados coletivos de busca e apreensão, o que na prática possibilita que não só uma casa, mas todas as casas de uma rua, de uma favela, bairro, ou até de uma cidade inteira possam ser invadidos pela polícia ou pelo Exército, de forma aleatória.
Na prática, como muitos alertavam, através de uma simples decisão judicial de foro estadual, poderá ser autorizada uma medida característica de Estado de Sítio, ao bel prazer do interventor militar.
Essa medida, que não é nenhum exagero chamar de ditatorial, já foi utilizada durante a ocupação militar do Complexo da Maré, com resultados desastrosos, e durante a ocupação militar no Haiti. Se é verdade que nunca vivemos numa verdadeira democracia, moradores das periferias e favelas, em sua maioria negros e negras, viverão numa escala ainda maior, sob uma verdadeira ditadura militar.
Além de invasões domiciliares de militares na casa das pessoas aleatoriamente, bastando qualquer suspeita, vidas foram tiradas nessas ações. E após isso, a violência cresceu, e não o contrário. Mais uma vez, é o remédio amargo que não cura o paciente da doença original, e ainda o mata no final.
Se já foi grave esse tipo de ação ter sido permitida no Complexo da Maré por mais de um ano, agora temos certeza que se estenderá para um território muito maior. Imprevisível, na verdade.
Essa decisão do governo Temer atende ao pedido do General Villas Bôas, comandante do Exército. Aqui fica escancarada mais uma meia-verdade, ou mentira inteira, de que intervenção federal é diferente de intervenção militar. É óbvio que o Exército não topou comprar o possível desgaste de comandar a intervenção militar no RJ sem exigir autonomia. Carta branca.
Além do pedido de mandado de segurança coletivo, os militares estão pedindo permissão para matar. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, na reunião do Conselho da República, afirmou que é necessário dar aos militares “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade” no futuro. Ou seja, quer autorização para atirar, sem que possam ocorrer investigações e punições.
Uma parte desse cheque em branco já foi dado. Denúncias contra ações de militares durante as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) são levadas para tribunais militares e não para a Justiça comum. Mas os militares querem mais. Querem estabelecer no Rio de Janeiro a liberdade que tinham no Haiti, inclusive para atirar em pessoas “suspeitas” na rua.
Se estas permissões forem dadas, o que é de longe o mais provável, teremos literalmente territórios governados pelo exército. E não se enganem: não é a repetição do que já ocorreu nas outras GLO’s, algumas que de forma absurda também foram pedidas pelo governo Dilma, do PT. Serão, no mínimo, maiores, e diretamente controladas pelo Exército. Ou seja, qualitativamente diferentes.
Essa política deve ser enfrentada de frente pelos lutadores, partidos e todas as organizações que defendem os mínimos direitos democráticos para o povo e para os movimentos sociais, em defesa das vidas de negros e negras. Será necessário ações pela via judicial, como o mandado de segurança pedido pelo PSOL para suspender a votação do decreto de Temer. Mas será necessário principalmente unidade de ação das organizações dos trabalhadores e movimentos sociais. Gente na rua pra disputar a consciência da população e impedir esse retrocesso.
Por isso é tão grave a abstenção dos senadores e deputados do PT na reunião do Conselho de Segurança. O PT vai mesmo lavar as mãos para o avanço do golpe para a esfera militar?
Qualquer vacilação nesse momento é uma verdadeira traição. Além disso, é evidente que as lutas em defesa dos salários, do emprego e dos direitos sociais também serão cada vez mais criminalizadas. E isso no país inteiro, mas em especial no Rio de Janeiro. Os servidores do estado, que não têm conseguido receber salários, décimo terceiro, vão se enfrentar nas próximas manifestações com a polícia, mas agora sob o Exército de um general do Exército.
Denunciar e preparar a resistência. Essa é a obrigação daqueles que querem impedir o avanço dos militares sobre as casas e as vidas da população.
Enquanto isso, o tráfico internacional e o crime organizado se rearticulam e encontram novos meios de aproveitar a guerra às drogas a seu favor, como têm feito nos últimos trinta anos, com sucesso. Seus chefes agradecem.
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