PT prepara “carta ao povo brasileiro”: o que isto quer dizer?

Por: Ademar Lourenço*

De acordo com a presidente  nacional do PT, Gleisi Hoffmann, Lula prepara uma nova “carta ao povo brasileiro” para mostrar que não é um radical e quer um governo de “conciliação”. Neste documento, o candidato petista se comprometeria a não fazer grandes mudanças na economia.  Entre as medidas previstas estaria o compromisso com a reforma da previdência e a “estabilidade econômica”. Disso dá para entender que, se eleito, ele não vai reverter as reformas do governo Temer.

Independente dessas questões, é claro que Lula tem o direito democrático de se candidatar. Três desembargadores não têm o direito de na prática anular o voto de mais de trinta milhões de brasileiros. Mas a tática usada pelo PT de mostrar Lula como “confiável” para a classe dominante é errada e pode fortalecer o golpe de 2016.

Primeira carta em 2001 preparou terreno para o golpe

No início do século, Lula ainda não tinha sido eleito a primeira vez e estava em primeiro lugar nas pesquisas, mas os ricos e a classe média ainda tinham medo dele. O PT tinha um passado no movimento sindical, na luta contra as privatizações e na defesa da reforma agrária. Para acalmar as elites, foi feita a chamada “carta ao povo brasileiro”, em que o então candidato se comprometia a “cumprir contratos” e manter a política econômica do governo anterior. O Lula esquerdista virou o “Lulinha paz e amor”.

 Entre os “contratos” a serem cumpridos estava o pagamento da dívida pública, que nunca passou por uma auditoria, como manda a Constituição. Graças a esta dívida, quase metade do orçamento público vai para os bancos, faltando dinheiro para a saúde e a educação. A carta também falava em manter a “estabilidade” da economia. Ou seja, manter o Brasil com um dos juros mais altos do mundo e nossa economia dependente das grandes multinacionais.

Lula foi eleito em 2002 e cumpriu o que prometeu na tal “carta”. Para isto, nomeou para o Banco Central o então presidente do Banco de Boston, Henrique Meirelles. Ele mesmo, que hoje é ministro da fazenda de Temer e principal articulador da Reforma da Previdência. A primeira grande medida econômica do governo para “cumprir os contratos” foi fazer, em 2003, uma reforma da previdência que retirou direitos de servidores públicos.

Além de manter a política econômica, Lula manteve em sua base aliada partidos como PP, PTB, PR e depois do PMDB. O balcão de negócios sujos que sempre existiu no Congresso Nacional foi mantido. Vários desses parlamentares que foram da base dos governos petistas por anos votaram em 2016 pelo impeachment de Dilma depois que o governo deixou de ser interessante para eles.

Sem mudanças radicais, não dá para mudar o Brasil

É inegável que durante o governo Lula a população teve ganhos. O poder de compra do trabalhador aumentou muito e o Brasil cresceu por algum tempo. Mas Lula não mexeu nos privilégios dos banqueiros e dos grandes empresários. Não podia, porque em sua “carta ao povo brasileiro” ele prometeu não fazer.

Depois, quando veio a crise, a burguesia já não queria mais deixar nem migalhas para os trabalhadores. Era necessária uma política mais dura para manter seus privilégios. Por isto veio o golpe de 2016. Não adiantou nada o PT ser “paz e amor” com a burguesia. A burguesia depois não foi nada “paz e amor” com o PT.

Por isto é um erro fazer outra “carta ao povo brasileiro”. O Brasil precisa de mudanças radicais. Precisa de uma auditoria na dívida pública. Precisa de uma reforma tributária progressiva para que os ricos paguem mais impostos e os pobres paguem menos. Precisa de uma reforma agrária. Precisa reverter as privatizações e estatizar o sistema bancário. Sem que a classe dominante perca seus privilégios, vamos sempre viver entre pequenos ganhos e grandes golpes. Não dá para repetir os erros do passado.

Não adianta agora Gleisi Hoffmann fazer bravata e dizer que para prender Lula “vai ter que matar gente”. Foi justamente a política de conciliações do PT que nos levou a atual situação, com o governo Temer retirando direitos. É necessário propor uma ruptura com atual modelo. Dizer para a burguesia que vai manter a mesma política é uma demonstração de fraqueza. Além de enfraquecer o moral da militância que luta pelo direito de Lula a ser candidato. Como diz o ditado popular, “quem se ajoelha para os ricos mostra o traseiro para o povo”.

*Esse artigo representa as posições do autor e não necessariamente a opinião do Portal Esquerda Online. Somos uma publicação aberta ao debate e polêmicas da esquerda socialista