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EDITORIAL

2017: ofensiva reacionária e resistência social

Editorial Especial de fim de ano

Passado pouco mais de um ano do impeachment de Dilma Rousseff (PT), podemos afirmar que houve a consolidação do golpe parlamentar, e o aprofundamento da ofensiva da classe dominante. Entramos num período da luta de classes em que predominam os elementos reacionários. 

A situação política defensiva evoluiu negativamente nos últimos meses. Neste segundo semestre, ocorreu o desenvolvimento de um cenário adverso. Esta conjuntura teve um sentido inverso àquela do primeiro semestre, quando aumentou a resistência dos trabalhadores e a ofensiva do governo encontrou obstáculos. 

Uma relação de forças adversa como a que vivemos não significa que não ocorram lutas importantes, e que não possam existir momentos de ascenso. Para virar o jogo, é preciso apostar na resistência social e avançar na construção de uma alternativa de esquerda anticapitalista.

Novo momento da economia
Após dois anos de profunda recessão (queda do PIB de 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016), a economia brasileira apresenta sinais de retomada, embora a recuperação seja frágil. O PIB (Produto Interno Bruto) deve crescer em torno de 1% em 2017. 

Apesar do novo momento econômico, caracterizado pela recuperação lenta e frágil, os investimento produtivos seguem em nível reduzido e os investimentos públicos em queda. A sutil melhora no ambiente econômico não significa reversão do cenário de devastação social. Ao contrário, a tímida retomada está alicerçada no arrocho salarial, desemprego elevado, desmonte de direitos sociais, destruição dos serviços públicos e entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro. 

Ofensiva social e política da classe dominante
A situação defensiva que ora atravessamos se manifesta em diversos aspectos da realidade. Podemos destacar, por exemplo, sérios ataques aos direitos, como a Reforma Trabalhista, Lei da Terceirização, PEC do Teto, entre outros e às condições básicas de vida da classe trabalhadora e do povo pobre, assim como o novo salto na apropriação privada e imperialista do patrimônio público e da riqueza nacional, como as privatizações e leilões do pré-sal. 

É preciso levar em consideração também o aumento da repressão, da violência e dos ataques às liberdades democráticas e aos setores oprimidos, bem como as mudanças anti-democráticas no regime político, como as contidas na reforma eleitoral reacionária. Há ainda a ofensiva ideológica conservadora em várias vertentes e o aparecimento de uma extrema-direita com peso minoritário de massas.

A resistência da classe trabalhadora e do povo
Diante desses ataques colossais, o proletariado e os oprimidos resistem. Há um quadro de lutas de resistência no marco de uma situação defensiva. Por exemplo, o DIEESE registrou, em 2016, a ocorrência de 2096 greves, um número elevado para os padrões brasileiros. Um movimento social que vem ganhando cada vez mais relevância é o de ocupações urbanas pelo direito à moradia. A ocupação Povo Sem Medo do MTST, em São Bernardo do Campo (SP), se tornou um símbolo da resistência popular no país.

O momento mais forte da resistência social ocorreu nos quatro primeiros meses deste ano, quando se formou uma frente única de entidades e movimentos contra as reformas de Temer. A greve geral de 28 de abril, que foi uma paralisação nacional política, marcou o auge desse movimento: envolveu milhões de trabalhadores e conquistou amplo apoio popular. As lutas do primeiro semestre ajudaram a debilitar o governo e a adiar a Reforma da Previdência. Em realidade, entre a greve geral de abril e as delações da JBS de maio, esteve colocada a possibilidade de queda de Temer.

O papel jogado pelas direções políticas e sindicais foi um dos principais motivos que explicam a sobrevivência do governo. A direita sindical (Força Sindical e UGT) trabalhou abertamente para derrotar o movimento depois de abril. A CUT e CTB, apesar dos discursos inflamados, também ajudaram no retrocesso do movimento de massas. A estratégia de Lula e petismo, e seus satélites, foi capitalizar eleitoralmente o desgaste de Temer, pois não querem a derrubada do governo nas ruas. 

As lutas das mulheres, LGBTs e negras e negros
O movimento de mulheres vem sendo um dos polos mais dinâmicos das lutas de resistência. As mobilizações das mulheres contra Cunha, as manifestações contra a violência sexual e o feminicídio, os fortes atos de 8 de março, as recentes manifestações contra a PEC que proíbe o aborto, a consolidação de uma ampla vanguarda feminista, vêm demonstrando o potencial e a força da luta das mulheres.

É preciso destacar, também, as diversas e importantes mobilizações das LGBTs, que seguem uma dinâmica parecida com as mobilizações das mulheres. Perante os ataques conservadores e reacionários, o movimento levanta a cabeça e consegue responder levando, em várias ocasiões, milhares às ruas, como ocorreu nos atos contra a cura gay. Por sua vez, a luta do movimento negro se fez sentir na conquista das cotas nas universidades públicas, na dinâmica crescente dos movimentos de periferia e nos atos contra o encarceramento e o  genocídio da juventude negra e pobre. 

O governo Temer e a Lava Jato
Depois de um primeiro semestre de muitas dificuldades, o governo conseguiu contornar a crise e manter a aplicação do ajuste estrutural, de modo que Temer segue com o apoio da maioria dos grandes empresários e banqueiros.

Trata-se do governo mais impopular desde o fim da ditadura militar, mas também é aquele que conseguiu aprovar no menor tempo recorde a reestruturação das relações de exploração e entrega da riqueza do País. Com uma base parlamentar mantida com a distribuição de cargos e verbas, Temer aplicou um conjunto de medidas que os governos que o precederam não conseguiram: mudanças constitucionais, como a PEC do Teto; a reforma trabalhista; a reforma do ensino médio; a privatização de reservas do pré-sal e de estatais; e  inúmeras outras. Das principais reformas, resta apenas a da Previdência.

O fortalecimento de Temer não significa o fim da instabilidade política. A crise do sistema político-partidário ainda não foi solucionada. A Lava Jato, embora tenha perdido força, deve seguir com suas ações, ainda que com menos intensidade.

Outro aspecto da crise do sistema político-partidário consiste na crise da representação política da burguesia. Os principais partidos e líderes políticos da direita ostentam níveis de rejeição altíssimos nas pesquisas.  Esta crise de representação se manifesta também, nesse momento, na falta de um nome que unifique a burguesia para a corrida presidencial: este papel foi cumprido, desde 1994, por um dos caciques tucanos. A aposta do PSDB é unificar a direita tradicional em torno do nome de Alckmin. 

O quadro de instabilidade política, a crise do sistema político partidário e as divisões burguesas não representaram um questionamento do regime democrático-burguês no Brasil. Apesar de toda turbulência, o regime funcionou bem para o grande capital, basta ver os efeitos do golpe parlamentar na aprovação das reformas capitalistas. Os choques que ocorreram tensionaram o regime, mas tensionaram à direita, no sentido de um maior endurecimento; e não o contrário.

A recuperação do lulismo
A capacidade de recuperação de Lula expressa, por um lado, a enorme rejeição ao governo Temer e às reformas; e não deixa de dificultar a reorganização à esquerda, por outro. A um ano da eleição de 2018, o petista está à frente na corrida presidencial, com expressiva vantagem sobre os principais adversários.

Mas o que explica a recuperação de Lula? A vida do povo trabalhador piorou no último período. Os salários caíram, o desemprego disparou e o consumo das famílias desabou. Ao quadro de aguda crise social se somaram a retirada de direitos sociais e os cortes brutais das verbas destinadas às áreas sociais. Diante desse furação reacionário e da ausência de uma forte alternativa pela esquerda, os olhos se voltaram ao passado. Os trabalhadores e amplos setores de vanguarda começaram a comparar a situação atual com os tempos dos governos Lula, quando a vida havia melhorado. 

A continuidade do golpe requer a eleição de um novo governo submetido ao atual programa de espoliação. Nesse sentido, mesmo com Lula prometendo um novo governo de conciliação com os ricos e poderosos, a eleição do petista não é conveniente à burguesia neste momento, uma vez que o petista subiria a rampa do Planalto em base à expectativa popular de reversão do panorama atual. Por isso, o mais provável é que Lula seja condenado em segunda instância e não possa se candidatar em 2018. O impedimento da candidatura de Lula significará um grave ataque antidemocrático que deve ser repudiado pelo conjunto da esquerda e dos movimento sociais. 

A direção do PT e da CUT atuam quase que exclusivamente para levar a candidatura de Lula o mais longe possível. Mas estão conscientes da provável condenação em segunda instância. As negociatas em que está engajada a cúpula petista incluem, por exemplo, a costura de acordos com antigos aliados da direta, como Renan Calheiros, José Sarney, Kátia Abreu, entre outros. Lula faz gestos explícitos em direção à burguesia na tentativa de reatar laços, por isso fala em “perdão ao golpistas”.

A força da extrema-direita
A evolução regressiva do cenário político brasileiro abriu um espaço inédito à extrema-direita. Cresceu numa parte da população, sobretudo nas camadas médias, mas também em parcela dos trabalhadores o apelo a uma saída autoritária e conservadora, abertamente reacionária. O raivoso anti-lulismo não fortaleceu os partidos e figuras tradicionais da direita. Ao contrário, PSDB, PMDB e seus caciques foram fortemente atingidos pela crise, tanto que ostentam níveis de rejeição popular altíssimos, superiores aos do PT e de Lula.

A principal figura que capitaliza hoje o espaço político da extrema-direita é Jair Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas presidenciais. Outros sintomas do crescimento da extrema-direita foram as declarações de militares de alta patente acerca da intervenção militar. Desde a queda da ditadura militar, os comandantes do Exército não ousavam uma retórica política de tamanha insolência.

Não há, todavia, perigo real de um golpe militar na presente situação política. Os generais sabem que, nas atuais circunstâncias, um golpe militar é inviável e indesejável. A burguesia e o imperialismo, na atual relação de forças, não precisam de um regime militar para impor seus planos. Portanto, não está colocado no horizonte próximo um golpe militar ou fascista que modifique a natureza do regime político no Brasil. A extrema-direita vai buscar ocupar, por ora, um espaço político eleitoral dentro do regime democrático-burguês. 

Principais desafios para 2018

Unidade na luta para derrotar Temer e as reformas
Perante a ofensiva da burguesia, coloca-se como tarefa fundamental a construção da Frente Única e da unidade de ação para a luta. No presente momento, o programa mínimo em torno do qual deve ser construída a unidade do movimento de massas pode ser resumido em poucas palavras: Fora Temer e as reformas! A tarefa imediata é barrar a reforma da previdência em fevereiro. As principais centrais sindicais, o PT e Lula precisam passar das palavras à ação. É hora de convocar a mobilização popular para defender o direito à aposentadoria. 

Construção de uma nova alternativa política
Com a aproximação das eleições de 2018, é necessário redobrar esforços na construção de uma alternativa de esquerda anticapitalista, que avance na superação da conciliação de classes representada pelo petismo e o lulismo; conciliação esta que abriu as portas para o golpe de Cunha e Temer. 

Nesse sentido, é fundamental o lançamento de uma pré-candidatura presidencial pelo PSOL. Uma candidatura que expresse uma Frente de Esquerda Socialista que seja mais ampla que o PSOL, isto é, que envolva movimentos sociais (MTST), outros partidos (PSTU, PCB), sindicatos combativos (CSP-Conlutas, Intersindical etc.), coletivos de opressões, a juventude, outras organizações políticas, artistas, entre outros. Nessa perspectiva, consideramos Guilherme Boulos, líder da Povo Sem Medo, um excelente nome como candidato a presidente.

Foto: ANTONIONI CASSARA/NINJA