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EDITORIAL

Argentina: contrarreformas e resistência

 

Por Renato Fernandes, Campinas/SP

Foto: Ato de 29 de novembro em frente ao Congresso Nacional

 

Na final da noite desta quarta-feira, 29/11, o Senado argentino aprovou três contrarreformas: a da previdência, o “consenso fiscal” e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora essas contrarreformas devem ser votadas pela Câmara de Deputados antes de se tornarem leis. O governo não tem a maioria no Senado, mas obteve a votação pelo acordo com setores peronistas de oposição que são cúmplices do ajuste fiscal do neoliberal Macri.

Nesse mesmo dia, nas ruas de Buenos Aires e de toda a Argentina, estiveram dezenas de milhares de trabalhadores contra o pacote de contrarreformas – estima-se que próximo a 100 mil trabalhadores saíram nas ruas da capital. O ato foi convocado pelas duas CTA, por parte da CGT, principalmente o sindicato de Caminhoneiros e a Corriente Federal de Trabajadores, entre outras organizações.

 

As contrarreformas neoliberais

 

Assim como no Brasil, a Argentina também parece ter voltado aos anos 1990, principalmente após a vitória eleitoral de Macri nas eleições parciais de outubro. Os setores neoliberais dominam a política nacional e entre seus principais projetos estão um pacto fiscal, uma reforma da previdência e uma reforma trabalhista.

Para aplicar esse projeto, Macri realizou um “pacto federal” com praticamente todos os governadores, incluindo os da oposição peronista e a governadora Alicia Kirchner. O pacto, chamado de “consenso fiscal” prevê uma Lei de Responsabilidade Fiscal que limita os gastos dos governadores, uma renegociação das medidas judiciais dos fundos de coparticipação dos Estados em relação ao governo federal, entre outras medidas, em troca do apoio às contrarreformas no congresso.

Já a reforma da previdência é muito parecida com a brasileira, principalmente em seu objetivo: retirar direitos dos trabalhadores com a intenção de economizar dinheiro para pagar a dívida pública. As principais medidas são a garantia de que as aposentadorias e benefícios previdenciários tenham como mínimo o valor 82% do salário mínimo, isto é, ganhar abaixo deste salário. Atualmente, isso mudaria o valor do atual benefício que, se considerarmos o mês de setembro, passaria com a contrarreforma dos atuais $ 7246 para $ 7265 pesos argentinos (entre R$ 4 e 5 de diferença). Porém, esse mínimo só seria conseguido para quem atingir 30 anos de contribuição efetiva. Ou seja, quem se aposentar sem esse tempo de contribuição, seja por idade, seja por alguma complicação de saúde, irá receber ainda abaixo dos 82% do mínimo.

A segunda modificação importante na previdência é a fórmula de reajuste das aposentadorias. Atualmente, uma equação determina o aumento de acordo com o crescimento dos salários e da arrecadação do governo. A última proposta, aprovada no Senado, incorpora uma fórmula 70/30: 70% da inflação e 30% dos aumentos salariais para o cálculo do aumento da aposentadoria.

A terceira modificação é a inclusão de uma idade optativa de aposentadoria. Na Argentina as idades de aposentadoria já são os 62 para mulheres e 65 para homens. Com a reforma, a proposta é acrescentar a opção de se aposentar com 5 anos a mais (67 mulheres, 70 homens), para que o “trabalhador continue trabalhando”). O que não passa de um primeiro passo para aumentar a idade mínima da aposentadoria.

Outra medida proposta é a reforma trabalhista, onde as alterações são múltiplas e também parecidas com a brasileira. Uma delas é a de estender as horas dos estágios para estudantes de 20h para 30h, podendo chegar a 40h durante as férias escolares. Vale lembrar que o estágio nada mais é do que um emprego precário escondido sob o discurso da “formação para o trabalho”. Outra medida é regulamentar o banco de horas em substituição às horas extras, generalizando-o por meio dos Contratos Coletivos. Além disso, propõe a redução da indenização por demissão sem justa causa, a redução do tempo de prescrição para reclamações trabalhistas (de dois para um ano), redução de contribuições sociais por parte dos empresários e também do tempo no qual o Estado pode exigir o atraso dessas contribuições (de 10 para 5 anos), entre outras medidas benéficas aos empresários. Essa reforma foi pactuada com a atual liderança da CGT, com exceção de apenas um dos dirigentes do triunvirato que dirige a central. Essa divisão na CGT é o que garante, até o momento, uma paralisação na aprovação da reforma pelo Senado.

Se considerarmos o Cone Sul, após o golpe no Paraguai, a vitória de Macri em 2015 demonstrou o início de uma consolidação da hegemonia política dos setores neoliberais nesta região. Porém, foi o golpe no Brasil e a aplicação das contrarreformas em nosso país que parecem ter acelerado as condições para que na Argentina se acelerassem essas mudanças. O retrocesso nos direitos aqui parece ter aberto a porta para o retrocesso lá.

 

A resistência dos trabalhadores

 

A marcha desta semana foi uma demonstração que há disposição dos trabalhadores em resistir. A unificação de diversos setores, com greves localizadas como a dos professores ligados ao sindicato CTERA, a paralisação parcial do Metrô de Buenos Aires, as manifestações em outras cidades, como em Mendoza, fortaleceram ainda mais a resistência. Porém, ainda foi muito pouco para fazer o governo recuar. É necessário aprofundar a mobilização.

Uma próxima mobilização irá ocorrer no dia 6 de dezembro, convocada pelos sindicatos classistas, por grande parte da CTA Autônoma e com greve nacional dos trabalhadores públicos, que serão bastante afetados pelo chamado consenso fiscal. Essas mobilizações podem ser um ponto de apoio para que as bases da CGT pressionem suas direções para não pactuarem com as reformas neoliberais e também para a construção de uma greve geral contra o governo Macri e suas reformas.