Henrique Oliveira é graduado em História, mestrando em História Social pela UFBA, colaborador da Revista Rever e militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia
O jovem negro e ator Diogo Cintra, morador do bairro do Capão Redondo em São Paulo foi perseguido, espancado e roubado na dia 15 de Novembro, a denúncia foi feita pelo próprio Diogo na sua conta pessoal no Facebook. Segundo o ator, ele voltava para casa após encenar uma peça, e estava chegando no terminal rodoviário Dom Pedro II, quando foi abordado por 2 homens que perguntaram se ele tinha algo a dar, e que percebeu logo que se tratava de um assalto e correu para buscar proteção no terminal de ônibus. E ao correr para dentro do terminal foi procurar os seguranças, e apareceram três homens com paus e cachorros dizendo que tinham sido assaltados por Diogo, que não foi protegido pelos seguranças, sendo entregue as pessoas que o acusavam, sendo arrastado para fora da estação agredido e roubado.
Um vídeo mostra Diogo sendo perseguido por um dos agressores com um porrete nas mãos e um homem com o colete semelhante ao dos Seguranças do Terminal Dom Pedro II, e depois sendo levado sob o olhar dos Seguranças e das pessoas na estação, e voltando após ao mesmo local muito machucado, quando aí sim foi atendido. E no mesmo vídeo é possível perceber que o cara que estava com um porrete nas mãos é branco. Os Seguranças envolvidos no caso foram afastados pela SPURBANUSS que é responsável pela administração do terminal.
Na publicação realizada no facebook, Diogo Cintra afirmou não ter duvida que foi vítima de Racismo, pois o Segurança resolveu acreditar na palavra dos dois homens brancos que o perseguia, achando que ele realmente era o bandido. E que a Polícia poderia ter sido chamada, só que os seguranças o entregaram pelo fato dele ser negro.
E não para por aí a violência racial e a omissão das autoridades em relação ao Racismo envolvendo o espancamento de Diogo Cintra, ao prestar depoimento no 1º Distrito Policial e alegar que foi vítima de Racismo, a delegada Gabriela Carvalho Pereira disse que o Racismo pode ser ‘impressão pessoal’ de Diogo, pelo simples fato de que em nenhum momento foram proferidas palavras com cunho de ódio racial, e que para ser uma situação racista, Diogo deveria ter sofrido ofensa verbal relacionada a sua cor.
Mas no entendimento do Ministério Público, através do promotor Alfonso Presti, a agressão a Diogo Cintra e a omissão dos seguranças podem configurar sim o crime de injúria racial. O promotor considera que a omissão dos seguranças revela a face mais perversa do Racismo, e mesmo que Diogo não tivesse ouvido xingamentos racistas, o fato de ele ter sido entregue aos seus agressores sem a Polícia ser chamada, já configura injúria racial por causa da omissão.
A grande questão é que Diogo Cintra foi vítima do Racismo e continuou sendo, desde quando pediu ajuda ao segurança, ao ser agredido e no momento que prestou depoimento na Delegacia. É nítido que se Diogo fosse um homem branco, ele seria auxiliado pelo segurança do terminal rodoviário, ou melhor, imaginemos que Diogo Cintra fosse um homem branco e tivesse sido perseguido por dois homens negros o acusando de roubo, em quem os seguranças acreditariam?
Esse fato também evidencia a fragilidade da legislação anti racista brasileira, que não consegue contemplar a manifestação específica do Racismo brasileiro, pois ela considera que o Racismo acontece apenas na exposição e verbalização do ódio a pessoa negra de forma racional e consciente. E não considera ou é de forma proposital, que o Racismo brasileiro opera na informalidade, opera na sua negação, o Brasil não precisou viver a experiência de uma legislação segregacionista como EUA ou África do Sul, para realizar um verdadeiro Apartheid entre brancos e negros, nem para afirmar de forma oficial uma suposta de superioridade de um dos grupos sobre o outro.
O Racismo brasileiro age dentro de códigos específicos que visam negar a sua existência, quando a todo momento afirma a reafirma que negros são ‘inferiores’ aos brancos, sem precisar expor publicamente que está jogando com uma linguagem racializada para definir valor social aos sujeitos.
E em sociedades como a brasileira, que foi fundada pela colonização europeia e viveu um longo período de escravidão baseada na exploração e desumanização das populações africanas, em favor dos grupos dominadores brancos vindos da Europa, a cor das pessoas ganha uma imensa importância social. Pois será através da cor que as pessoas serão conhecidas, reconhecidas e localizadas na estrutura social.
E nessas sociedades pós coloniais e escravistas, a noção da humanidade será inscrita dentro dos padrões estéticos e éticos dos europeus. E como dizem os professores Silvio de Almeida e Adilson José Moreira em um recente artigo para o site do Justificando, nós vivemos em uma sociedade em que os mecanismos de dominação e controle se valem dos estereótipos raciais, que não passam de generalizações falsas sobre os grupos humanos, e que servem de sustentáculos para as práticas discriminatórias.
Os estereótipos carregam consigo duas dimensões, uma descritiva e outra prescritiva. A primeira expressa as supostas características de determinados grupos e a segunda indica, como já foi dito, quais os lugares os sujeitos podem ocupar na sociedade. E esses estereótipos cumprem o papel dentro dos esquemas mentais que determinam a nossa percepção sobre o outro. Só que como disse Diogo Cintra, não basta apenas afastar os Seguranças, pois o que eles fizeram foi na verdade reproduzir um esquema mental, de que um homem negro não pode ser vítima de um crime, apenas pode ser o algoz, o próprio ladrão.
E isso se constitui a partir da construção ideológica de que jovens negros são sujeitos perigosos, nos programas policiais, por exemplo, jovens negros são apresentados e representados como os principais responsáveis pela criminalidade urbana, como roubo, furto e tráfico de drogas. Diogo Cintra foi vítima do Racismo, e de um Racismo que tem criminalizado e demonizado os jovens negros, no país onde esses mesmos jovens negros são os maiores alvos da violência letal, segundo o Atlas da Violência 2017.
E foi a partir do estereótipo racial branco, que os agressores de Diogo conseguiram produzir a sua fala como estatuto de verdade, numa sociedade em que as pessoas brancas são portadoras das representações positivas e de poder. Porque dentro desse jogo da dissimulação do Racismo à brasileira, jamais um jovem negro poderia ser considerado vítima e dois homens branco algozes. O que coloca de forma aterradora para as pessoas negras, que sua fala e a sua vida não tem nenhum valor. Nos coloquemos no lugar dele durante alguns segundos, e nos imaginemos sendo rejeitados como sujeitos que merecem proteção, e depois entregues e arrastados por aqueles que querem nos violentar, sem ninguém intervir? Isso é o Racismo brasileiro.
Fonte: Geledes
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