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EDITORIAL

O voto contra Trump e seu significado

Editorial do socialist worker de 14, novembro 2017

Traduzido por Caio Dias Garrido

Trump e seus companheiros intolerantes levaram uma surra bem merecida nas eleições de 2017. Mas a resistência anti-Trump não ganha força ao se apoiar nos democratas

Na era Trump a espera por más notícias já se tornou um hábito. É claro, também acordamos com boas notícias desde que Trump chegou à Casa Branca: o maior protesto de mulheres em um só dia na história dos EUA; protestos inspiradores contra a restrição da entrada de muçulmanos no país, contra o cancelamento do DACA, contra o desastroso programa de saúde de Trump e contra a polícia racista; demonstrações de indignação diante de seu racismo e intolerância.

Trump tem tido dias e semanas ruins, mas apesar disso há o triste fato de que ele ainda está lá, no poder, podendo nos causar sofrimento das mais diversas formas.

No dia anterior às eleições, ano passado, muitas pessoas pensaram que Donald Trump nunca poderia chegar à Casa Branca. Agora há uma hesitação em relação a possibilidade de freia-lo, não importa o quão impopular ele esteja.

Certamente esta era a atitude predominante no dia das eleições em 2017. Não porque Trump e os republicanos estivessem fortes, mas porque a frágil não-oposição democrata parecia pronta para perder mais uma eleição na qual eram favoritos. Mas Trump perdeu neste 7 de novembro, e junto dele o resto da direita, desde a direção do partido republicano até os nacionalistas brancos e reacionários que se desenvolvem sob seu governo.

O desgosto em relação à Trump e à direita foi o fator central na onda de vitórias democratas em estados e cidades nestas eleições de 7 de novembro. Entre eles houveram algumas importantes histórias de sucesso de candidatos progressistas e socialistas, alguns concorrendo como independentes e a maioria não, cujas campanhas desafiaram não só o clima de ódio e alarde inflamado por Trump mas também a ortodoxa estratégia democrata de fazer uma disputa o mais à direita possível.

Esta, é claro, não pode ser a análise final. O partido democrata não é um partido da classe trabalhadora, seus membros em mandatos ou candidatos que não declaram nem sustentam independência serão moldados por suas relações, em maior ou menor grau, mesmo quando forem críticos ao aparato do partido e sua agenda neoliberal.

De forma geral, a esquerda precisa continuar a discussão sobre as relações eleitorais e um projeto superior de transformação da sociedade. Mas precisamos saber em qual clima se dá este debate e nossos outros esforços.

Apesar desta eleição fora de época ter tido números limitados, seu resultado foi um repúdio generalizado à Trump e à direita, superior ao que a maioria das pessoas esperavam. E uma bem-vinda lembrança das várias expressões de oposição massiva ao presidente que neste momento de seu mandato é o mais impopular da história.

A razão pela qual esperávamos más notícias estes dias era o desanimador sentimento de que Trump e os republicanos poderiam vencer tudo. Uma eleição que mostra o contrário pode dar uma grande confiança àqueles que querem acordar do pesadelo Trump e voltar à luta, e não apenas votando uma vez por ano.


O principal campo de batalha na última terça feira foi a disputa geral na Virgínia, que incluiu o pleito para governador, vencido pelo democrata Ralph Northam com uma margem acima da esperada.

A mídia – para recordar a vitória de Trump de 2016 e a história dos sucessos republicanos em eleições pouco participativas fora de época – esperava um forte apoio ao republicano Ed Gillespie, que concorreu em uma campanha chamada por Steve Bannon de “trumpismo sem Trump”, que abraçou temas reacionários defendidos por Trump mas manteve-se distante do presidente. Essas vantagens foram inundadas pela maior participação eleitoral para o governo de Virgínia em duas décadas. Como é comum, afro-americanos e latinos votaram, em sua grande maioria, nos democratas; e seis a cada dez mulheres deram seu voto para Northam, uma percentagem maior do que deram à Hillary Clinton.

A participação dos votantes com menos de 30 anos cresceu para 34%, dobrando em relação à duas eleições atrás, em 2009. Outra notável estatística: a participação eleitoral em Charlottesville, onde a extrema direita fez uma onda de violência e ódio três meses atrás que se encerrou em um assassinato terrorista, subiu para 31%.

Claramente a base democrata veio mandar uma mensagem de oposição à Trump e à direita, apesar dos candidatos sem brilho nas principais disputas. Northam fez uma campanha seguindo a estratégia de Hillary, apareceu como um moderado, contra as políticas da direita conservadora, se mostrando como uma escolha “responsável” contra o “extremismo” do tipo de Trump.

Assim, Northam respondeu à ameaça de Gillespie sobre os imigrantes ilegais dizendo… que apoiava uma lei que impedisse cidades de se declararem santuários para quem estivesse sem documentos.

A aversão à Trump foi suficiente para superar a fraqueza e a costumeira inépcia das campanhas democratas, mas nisto subjaz a questão que toda a esquerda que celebra a derrota da ala direita republicana deve se fazer: foram mesmo os democratas que venceram?

Northam deve sua vitória ao afluxo de votos de pessoas que estão bem à sua esquerda, e que certamente irão ficar desapontadas com seu governo, ao menos que Northam encare uma pressão popular que exceda a pressão das corporações americanas e do establishment político para que o status quo seja reforçado.

O efeito do voto anti-Trump deve aumentar nossa confiança, mas não podemos nos cegar para o ciclo de expectativa e desapontamento que corrói a confiança a longo prazo. Os democratas chegaram ao governo, tendo que dizer uma coisa à base que os elegeu, apenas para depois fazerem outra coisa durante a gestão, para preservar o status quo e desapontar aqueles que os elegeram e prepararem o palco para depois os republicanos tirarem proveito.


Durante a semana passada muita atenção foi dada aos vencedores das eleições, que personificaram o repúdio ao regime de ódio de Trump.

Na Virgínia, Danica Roem tornou-se a primeira candidata transgênero assumida a vencer uma eleição e tomar posse como legisladora no Estado. E o fez ao derrotar um candidato que se gabava de ser o “chefe de homofobia” do Estado e que escreveu um derrotado “projeto de lei do banheiro” para impedir pessoas trans de usar o banheiro correspondente a sua identidade de gênero.

Wilmot Collins, um antigo refugiado liberiano, é o novo prefeito de Helena, em Montana, venceu um candidato da situação, já há 4 mandatos, em uma cidade onde menos de 1% da população é negra. Minnesota também elegeu seu primeiro prefeito negro e Andrea Jenkins tornou-se a primeira mulher transgênero negra eleita a um cargo público.

E em Hoboken, Nova Jersey, Ravi Bhalla é o primeiro prefeito de religião Sikh, apesar da campanha contra ele que foi repleta de racismo e islamofobia, que incluiu uma carta anônima para toda a cidade que chamava Bhalla de terrorista e reivindicava que candidatos imigrantes fossem deportados para “fazer Edison voltar a ser grande”.

É verdade que candidatos como Roem sustentam posições políticas democratas convencionais, mas suas vitórias são, apesar disso, “uma estrondosa refutação para aqueles democratas que insistem em ‘se orientar por costumeiramente pelo politicamente correto’ e ‘questões de banheiro (em referência ao veto de transgênero ao banheiro de seu gênero)’” escreveu Branko Marcetic à Jacobin.

Em muitas eleições locais para conselhos municipais e outros cargos, candidatos de esquerda, incluindo socialistas declarados, muitos deles membros do Democratic Socialists of America (Socialistas Democráticos da América), DSA, venceram.

Também houve vitórias de destaque para o advogado radical Larry Krasner, que concorreu à procurador no distrito de Philadelphia, e para o independente Nikuyah Walker, agora membro do conselho municipal em Charlottesville, Virginia – enquanto o membro do Socialist Alternative, (Alternativa Socialista) Ginger Jentzen por muito pouco não foi eleito, e o membro do DSA, candidato pelo Partido Verde Jabari Brisport que teve  impressionantes 30% dos votos ao concorrer como um independente ao conselho de Nova York.

Estes avanços de candidatos da esquerda evidenciam outro aspecto da oposição anti-Trump que também se viu no dia da eleição: ao menos para uma significante minoria a resistência vai além de apenas rejeitar Trump e a direita, e chega ao desejo de uma política alternativa ao status quo.
Mais uma vez há outro lado disto tudo que não pode ser ignorado.

A maioria dos candidatos que foram tidos pelas organizações e publicações de esquerda como seus representantes, concorreram, seja nas listas do Partido Democratas seja em pleitos não partidários, sem fazer declarações de independência política em relação aos democratas. E isso levanta questões de longa data para a esquerda, sobre suas relações com um partido comprometido com a manutenção do status quo e não com sua transformação.

A pouca tolerância dos democratas em relação à independência, mesmo em âmbitos regionais, ficou ilustrada esse ano e Charlottesville, quando o ativista dos direitos sociais Nikuyah Walker disputou como independente o conselho da cidade, dominado pelos democratas, para protestar contra a paralisia de seus membros em relação ao ato terrorista da extrema direita neste verão, enfrentou uma campanha de calúnias, inclusive matérias difamatórias em um jornal local que tinha, aparentemente, como principal fonte, o prefeito democrata Mike Signer.

Isto deve trazer questionamentos para os membros da DSA que disputam como candidatos por um partido que ataca um companheiro a quem apoiam.

O problema de os radicais tentarem usar o Partido Democrata como um veículo para transformações é que a estrutura partidária é organizada para evitar qualquer mudança que não seja cosmética – enquanto isso impõe pressões sobre os radicais para que sejam eles que mudem.

O aparato do partido é flexível o suficiente para permitir que alguns progressistas atuem, especialmente em âmbito local, o que em troca anima as bases da organização. Mas há limites, como explicou no último ano Paul Fleckenstein em uma análise da organização de Bernie Sanders, Our Revolution (Nossa Revolução), e o seu foco nas eleições por lista:

A hierarquia do partido não tem a habilidade, nem o interesse, em evitar que os progressistas vençam as votações. Mas tem a habilidade de força-los a se acomodarem aos objetivos e prioridades do partido nos candidatos que visam subir em suas carreiras políticas.

Soma-se a isso o fato de que é limitado o poder individual para realizar mudanças a partir dos cargos conquistados nas localidades. Ainda mais em uma era de austeridade, eles têm pouco ou nenhum controle sobre a queda das taxas da receita e sobre as restrições de orçamento impostas pelo Estado e pelo governo federal. E quando eles são uma pequena minoria no conselho de uma cidade, podem acabar sendo marginalizados.

A conselheira da cidade de Seattle, Kshama Sawant, do partido Socialist Alternative, mostrou como usar seu cargo para evidenciar a importância de algumas questões, e ao mesmo tempo viveu o desafio de ser minoria em um conselho dominado por democratas. Mas sua habilidade para se tornar parte de algumas importantes conquistas, como o aumento do salário mínimo, se deu não por se comprometer com democratas, mas por se recusar a se envolver em suas querelas.

Alguém como Larry Krasner, o ativista do direito penal e advogado eleito como procurador na Philadelphia, encarou ainda mais contradições sendo uma importante engrenagem do sistema judicial, designado para produzir injustiça sistematicamente. Todos ao seu redor nesta nova posição lutam com unhas e dentes contra as menores medidas reformistas que ele tenta implementar.

Sem maiores lutas para desenvolver meios alternativos aos “oficiais”, aqueles a quem elegermos, não importam suas intenções, vão se encontrar marginalizados e enfraquecidos pelo poder que os interesses comerciais são capazes de impor. A pressão para que haja conivência, em troca de uma pequena fração dos objetivos progressistas, é enorme, e com o tempo acaba levando eles mesmos a se transformarem.

Os dilemas sobre a tentativa de transformar as coisas “por dentro do sistema” – e ainda mais de tentar usar ou mudar o Partido Democrata como parte deste projeto – é assunto para um longo debate entre os radicais e socialistas nos EUA e que certamente seguirá em aberto.

Enquanto isso, todos na esquerda podem celebrar a derrota de alguns intolerantes odiosos na Virgínia e outros lugares, assim como o revés do avanço de Trump.

Esta eleição confirmou novamente a profundeza da oposição que existe ao Trump e suas ideias. Deu mais confiança a pessoas que viram não estarem sozinhas, e isso abrirá novas possibilidades para ações que vão para além do voto.