Por Coletivo Nova Práxis, Coletivo Transição e Grupo de Ação Socialista (GAS).
A crise estrutural do sistema do capital, recentemente aprofundada em 2008, e como seria de esperar, segue seu rumo sem qualquer perspectiva duradoura de superação. No curso desse processo, os dirigentes e ideólogos das classes dominantes impõem novamente a ofensiva neoliberal por meio de duros pacotes de ajustes e contrarreformas sem precedentes como mecanismos de saída da crise e de garantia do retorno da rentabilidade para o grande capital. Para materializar tal ofensiva, os representantes do capital apropriam-se do controle do aparelho do Estado e se empenham para adequá-lo às necessidades desumanizadoras do sistema.
No Brasil, a atual conjuntura socioeconômica reflete os caminhos da crise estrutural, enquanto o plano político é configurado pela continuidade do golpe empresarial, parlamentar e midiático que retirou o PT do governo federal em 2016, cujas consequências mais drásticas são a subtração de conquistas sociais e os persistentes ataques às classes trabalhadoras. No curso da crise, agravam-se a divisão e a luta entre os segmentos empresariais e políticos golpistas pelo controle do aparato estatal, situação que é expressão e ao mesmo tempo fomenta ainda mais a polarização política e social no país.
Em meio à crise política e econômica, o governo e o parlamento golpistas aprovaram a PEC do congelamento dos investimentos sociais por 20 anos, medida que afetará consideravelmente todas as políticas sociais, principalmente as das áreas de educação, de saúde e de segurança pública. Soma-se a esse quadro político, a intensificação dos desmatamentos, as expropriações de terras indígenas e de populações tradicionais, a recessão econômica, a aprovação da contrarreforma trabalhista e a manutenção e/ou aumento do desempego. Recentemente, impuseram uma proposta de contrarreforma política envolvendo um acordão em torno do “Distritão” – que favorecerá os caciques e pastores locais – e a cláusula de barreira, mecanismo que virtualmente eliminará os pequenos partidos, inclusive os programáticos de esquerda e não cartoriais como o PSTU e PCB e potencialmente até o PSOL.
A crise política se estende ainda mais com uma sucessão de denúncias de corrupção envolvendo políticos como Eduardo Cunha, Michel Temer, Aécio Neves, Geddel Vieira Lima e diversos partidos, tais como PMDB, PSDB, PT, PP, etc. O caso mais recente envolvendo organizações criminosas é o dinheiro encontrado – R$ 51 milhões em espécie – no “bunker” do ex-ministro forte de Michel Temer, mas também ministro no governo Lula (2008), Geddel Vieira Lima (PMDB).
Ainda assim, tais segmentos políticos criminosos envolvidos em escândalos de corrupção se uniram em cooperação para garantir a aprovação da pauta das contrarreformas (trabalhista, política, previdenciária e tributária), medidas antipopulares que buscam tornar adequadas as novas condições de acumulação, centralização e recuperação das taxas de rentabilidade comercial e financeira, tomadas como única alternativa à saída da crise do capital.
Todos esses componentes demonstram o entreguismo das classes dominantes e internacionalmente subalternas que se apoderam do Estado brasileiro e o torna refém dos interesses privados de grandes corporações nacionais e internacionais, explicitando dessa forma como a acumulação de capital também se aproxima da formação de quadrilhas, corrupção e atos ilegais. Em suma, como vários já afirmaram, capital, crime e corrupção possuem relações muito mais estreitas e orgânicas do que possamos imaginar.
Se o STF e a operação Lava Jato apareceram como uma espécie de fiel da balança, ilusórios bastiões de defesa dos princípios democráticos e republicanos, os últimos acontecimentos estão também demolindo essas falsas crenças. A operação Lava Jato não é uma operação criada com o objetivo de perseguir exclusivamente o PT, mas é seletiva e parcial – prende, autua e desmoraliza muito mais os políticos petistas envolvidos em vários escândalos de corrupção do que outros envolvidos em processos semelhantes ou piores. O juiz Sergio Moro e os procuradores do MPF representam mormente interesses de um segmento burocrático estatal com uma grande alergia a reivindicações democratizantes e populares, sem contar suas conexões ideológicas com partidos golpistas e de caráter liberal-conservador.
A Rede Globo, assim como a maioria das grandes empresas de comunicação comercial (Band, Record, SBT, etc.) buscam colaborar na criação de uma percepção e de uma sensibilidade de senso comum, socialmente funcional para a aprovação das contrarreformas. Muitas vezes tais organizações midiáticas – em associação com a PF e o STF – manipulam seletivamente a luta contra a corrupção, ainda que se coloquem como suas maiores adversárias. Ao atacar desproporcionalmente o PT, quando comparado com o PSDB, buscam deixar as esquerdas no “gueto” e na irrelevância, mesmo que o PT esteja fundamentalmente no interior da mesma moldura institucional dos interesses do grande capital. Assim, não é por acaso que a Globo e as demais defendem a manutenção do monopólio das comunicações no Brasil, e suas próprias condições de empresas monopolistas.
Mesmo diante da instabilidade política e social, os grandes segmentos empresariais, o governo e o parlamento seguem promovendo ataques as classes trabalhadoras e aos movimentos populares e sociais sem que estes últimos ensaiem uma reação política à altura ao quadro crônico da tragédia que toma conta do Brasil. Diante dessa conjuntura, as forças políticas das esquerdas anticapitalistas encontram-se diante de um grande desafio: o de construir uma alternativa ao lulopetismo sem defender posições políticas ineficazes ou involuntariamente colaboradoras com o aprofundamento do golpe contra o conjunto dos trabalhadores.
O PSOL, como o principal partido de esquerda não-lulista, deve lançar uma pré-candidatura à presidência para 2018 para denunciar o golpe e propor uma alternativa política ligada aos interesses populares. Mas, nesse processo, deve submetê-la à construção e aprovação de uma série de forças sociais e políticas que entendem a necessidade de construção dessa via não-lulista. A plataforma Vamos, recém-lançada, e que vai nessa direção, deve ser motivo de participação, incentivo e acompanhamento, mas não necessariamente de adesão acrítica. A construção de uma via socialista não-lulista, que não é capaz de ser produzida sem uma frente de forças populares, sociais e políticas, passa hoje necessariamente por tal plataforma, mas também pela Conlutas, Intersindical, MTST, etc. E o critério fundamental em sua intervenção e avaliação deve ser o da produção dessa frente de esquerda socialista pós-lulista.
Ao mesmo tempo, não deve fazer coro para a condenação e perseguição unilateral de Lula, com base em delações e provas não contundentes e conclusivas, ainda que não tenhamos nenhuma ilusão nas relações íntimas entre ele e as grandes construtoras (Odebrecht, OAS, etc.), grupos capitalistas (J&F) e latifundiários (Kátia Abreu) do país. Os ataques a Lula, queiramos ou não, são hoje, em conjuntura de vários golpes, ataques ao conjunto das forças populares e socialistas. Todavia, já ficou provado que o PT busca reconstruir o pacto de classes conservador, inclusive com vários golpistas, numa reedição farsesca da política de conciliação que no passado o levou ao poder.
Que o povo decida se deve ou não eleger mais uma vez o projeto conciliador do lulopetismo: de “fraco reformismo”, desmobilizador das forças populares, de corrupção e sequestro do Estado pelos interesses das grandes construtoras, do agronegócio e do capital transnacional. Às esquerdas anticapitalistas, o tempo é de semear alternativas, produzir unidades e enraizar-se no solo da vida popular e das lutas das classes subalternas. É preciso superar o lulopetismo não apenas no programa político macro, mas também nas práticas políticas micro.
Em suma, é preciso produzir uma outra esquerda, com uma nova cultura política que compatibilize unidade e multiplicidade – na verdade, a única combinação autenticamente efetiva contra problemas de burocratização, hegemonismo e reprodução da dominação no interior das próprias organizações contra-hegemônicas. Por isso, a realização de frentes sociais e políticas entre os segmentos explorados e oprimidos é atualmente necessária. Se não podem surgir artificialmente, tampouco podem surgir sem vontade política. Como Marx e Engels mencionaram no Manifesto do Partido Comunista, os socialistas se distinguem por levar em conta em conjunturas cambiantes os interesses gerais e “últimos” dos trabalhadores contra o capital. Esses interesses, muitas vezes, se sobrepõem aos meramente privados e burocráticos dessa ou daquela corrente política. É tempo de unidade combativa para a produção de outra alternativa: tanto ao golpismo como ao lulopetismo conservador e conciliador com os golpistas. Assim, a necessidade de unificação da esquerda socialista é não apenas necessária, mas urgente.
É com essa leitura política e com esse sentimento que o Coletivo Nova Práxis, o Coletivo Transição e o Grupo de Ação Socialista (GAS), depois de um rico processo de debate e de construção de lutas coletivas, anunciam o processo de unificação militante como um passo importante – nem o último, nem o definitivo – para a aglutinação de agrupamentos combativos no campo político das esquerdas socialistas brasileiras.
Foto: Mídia Ninja
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