OPINIÃO | Leandro Karnal e o desserviço ao exercício do pensamento

Por: PH Albuquerque*, de Fortaleza, CE
*Mestre em Psicologia pela UFC

Com muita paciência, prestei atenção a uma palestra que o mais novo “pensador” pop do momento, Leandro Karnal, proferiu para um grupo de funcionários de uma empresa de vendas. É absurdo o modo como ele dissemina a lógica do empreendedorismo, da meritocracia, da concorrência e da gerência da própria vida como se fosse uma microempresa, engendrando uma percepção de si como um(a) microempresário(a) da própria existência.

O mais absurdo ainda é o modo como ele filia tudo isso a determinadas concepções filosóficas e terapêuticas de Sartre, Sócrates, Epicuro, Freud, Gandhi, e tudo dosado com um tom de “stand up comedy” para ficar engraçadinho, descontextualizando cinicamente o pensamento de toda essa galera.

Falou da crise como momento de oportunidades, que o melhor vai sobreviver, que o melhor é aquele que mais se prepara e mais se adapta às necessidades de inovação, que supera os limites, e que a felicidade e a vida plena “bla bla blá…”.  Ainda sobre as crises econômicas, falou que, nesses momentos, alguns conseguem melhorar de vida; já outros pioram e, ou ficam estagnados. Curiosamente, não atentou para o fato de que, justamente nesses momentos de crises, muitos do que “melhoram de vida” só “melhoram” porque enriquecem com a miséria de uma grande maioria.

Em nenhum momento falou das desigualdades de oportunidades, da precariedade das condições de trabalho, da perda de direitos sociais ou deu ênfase na atual conjuntura econômica e política que acirra essa lógica da concorrência e dos contrastes sociais.

E sendo uma palestra proferida para um grupo de vendedores, em momento algum falou sequer da concepção de classe social. Será que isso não era relevante? Mero esquecimento? Ao fim da palestra, Karnal é ovacionado e o público sai, aparentemente, muito satisfeito e motivado. Mas, até agora, eu só consigo pensar na tamanha violência veiculada nessa percepção de que o tal sucesso e a felicidade “só dependem de você”.

Belchior escreveu, de forma muito potente, inclusive, que “a felicidade é uma arma quente”. Entretanto, na disseminação dessa lógica karnalesca – da qual Leandro é apenas um pequeno adorno de uma grande fantasia – até mesmo essa arma parece ter sido cooptada, tornando-se um produto bastante vendável e lucrativo. Eu, heim! Haja palestra motivacional para conseguir engolir tudo isso. Felizmente, também já fui aconselhado a cuspir.