Por Carlos Zacarias de Sena Júnior*, Colunista do Esquerda Online. Publicado originalmente no jornal A Tarde no dia 15/09/2017.
Acostumados aos holofotes, mas ultimamente esquecido da mídia, o cantor Zezé Di Camargo, que forma dupla com o irmão Luciano, ensaia enveredar por outra profissão, a de historiador. Isso é o que se depreende da entrevista que deu a Leda Nagle, no canal da jornalista no YouTube. Falando sobre sua vida, sua trajetória e a sua “boa forma”, Zezé pretendeu passar uma mensagem de que não é apenas um “rostinho bonito” da música, mas que é alguém politizado, um sujeito “imperativo” e que impressiona até mesmo os políticos por seus conhecimentos no assunto.
Zezé causou alvoroço e virou notícia quando elaborou o, digamos, inusitado conceito de “militarismo vigiado” que, segundo disse, era o que existia no Brasil, muito embora todo mundo fale que nós “vivíamos numa ditadura”. Para um dos filhos de Francisco, “muita gente confunde militarismo com ditadura”, mas “ditadura é a Venezuela, Cuba com Fidel Castro, Hungria, Coreia do Norte, China”, ensinou. Depois acrescentou: “O Brasil nunca chegou a ser uma ditadura daquelas que você ou está a favor ou está morto”.
Na semana em que o ocupante do Executivo está prestes a enfrentar uma nova denúncia por corrupção e o PMDB é chamado de “quadrilhão” pela Polícia Federal; na semana em que o Movimento Brasil Livre (MBL) atacou uma exposição de arte promovida por um banco e que continuamos pensando nos 51 milhões de reais apreendidos num apartamento emprestado a Geddel Vieira Lima, ver a entrevista de Zezé nos convence de que o poço não tem fundo.
Zezé Di Camargo, que tem todo direito de ter sua opinião sobre o que seja, dificilmente falaria com tanta propriedade sobre a história e a política do país, se não tivesse sido antecedido por gente como Alexandre Frota, Suzana Vieira e Luciano Huck. Vivemos um profundo retrocesso e não há aula, livro ou professor de História que possa tirar o Brasil dessa situação. Zezé, como as celebridades citadas, devem ter “aprendido história” nos “guias politicamente incorretos” da vida. É pena que não tenham estudado com Marc Bloch, E. P. Thompson ou João José Reis. Posicionamento político, como se sabe, independe de conhecimento histórico, mas a falta que faz um pouco de ilustração nos nossos artistas, como de resto, nos nossos médicos, juízes, jornalistas e outros profissionais, pode determinar o rumo que vamos tomar.
O problema de Zezé Di Camargo não é, apenas, a visão distorcida do passado recente, mas a impressão que tem de que a ditadura não foi tão dura quanto se diz. Por conta disso, acredita que o país precisa passar por uma “depuração” e que a solução poderia ser um “militarismo para reorganizar a coisa e entregar de novo”. Zezé talvez nem saiba quanto durou a ditadura e nem deve ter ideia do que significa o lema “ame-o ou deixe-o”. Seu momentâneo excesso de opinião, como acontece com tanta gente, pode não ser despretensioso, mas sintoma de nossa estupidez e caminho para a barbárie.
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