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EDITORIAL

Buenos Aires: uma nova onda de ocupação de escolas

Por Renato Fernandes, Campinas/SP

Imagem retirada de http://www.eldiariodebuenosaires.com/2017/09/14/toma-de-colegios/

Neste 15 de setembro, em recordação à “Noche de los Lápices” (Noite dos Lápis)[1], cerca de 5 mil estudantes tomaram as ruas de Buenos Aires contra mais um ataque a Escola Secundária, o projeto do governo da cidade chamado “Secundaria do Futuro” e também exigindo a aparição com vida de Santiago Maldonado.

Essa manifestação foi mais uma no processo de lutas dos estudantes que tem como principal ação a ocupação de Escolas. Neste momento, de acordo com Prensa Obrera, 30 escolas estavam ocupadas. Os estudantes em luta se posicionam contrários à reforma e também à forma antidemocrática pela qual o governo da cidade quer impô-la. Em uma reunião no último dia 8/9, na Secretaria de Educação da Cidade, não houve diálogo, já que o governo “nos convocaram, porém não estavam dispostos a mudar nada e não deixaram participar os representantes das escolas ocupadas” de acordo com Juan Solinas, do grêmio do colégio Mariano Moreno.

A perspectiva do movimento é justamente barrar este ataque e exigir diversas reformas nos prédios das escolas, a garantia da educação sexual científica e laica, com a inclusão do debate sobre violência de gênero, entre outras reivindicações.

Para entender a contrarreforma

 A contrarreforma “Secundaria do Futuro” se parece, nos seus objetivos, muito com a nossa contrarreforma do Ensino Médio. O objetivo dela é flexibilizar o ensino e o trabalho dos professores, transformando a escola por meio de um “sistema educativo vocacional” e “alinhando os currículos com o mercado de trabalho”.

Na Argentina, diferente do Brasil, o ensino secundário tem 6 anos: o estudante começa com 12 e termina com 17, completando 3 ciclos de 2 anos cada (em algumas províncias podem ser dois ciclos de 3 anos). O primeiro ciclo seria um ciclo comum a todos os alunos. Um segundo seria o ciclo orientado em áreas de conhecimento. A proposta dessa nova contrarreforma é reduzir as 14 modalidades que existem neste ciclo orientado e que incluem Artes, Línguas, Ciências Sociais, Ensino Técnico, entre outras, para apenas 4 grandes modalidades: Ciências Sociais e Humanidades; Científico-tecnológica; Comunicação e expressão e Orientações. O último ciclo seria “integrador e formativo”.

O papel dos professores seria completamente transformado. O número de aulas “magistrais” será reduzido a 30%, sendo que 70% serão de atividades individuais ou colaborativas, podendo ser acompanhadas e avaliadas não pelo professor, mas por tutores (um novo cargo precarizado) e parte delas pela tecnologia.

A partir do último ciclo, a transformação empresarial do ensino secundário será completa: 50% do tempo dos estudantes será dedicado a aulas de “empreendedorismo” e os outros 50% de aplicação do conhecimento em aprendizagens em “empresas e organizações”. De acordo com a Secretaria de Educação da Cidade, essas práticas nas empresas e instituições do governo “não são um estágio e nem um trabalho no contra-turno”, ou seja, é a geração de uma mão de obra gratuita para o mercado de trabalho com o discurso falacioso de “integração” dos jovens no mesmo.

Existem outras alterações, como por exemplo, o sistema de créditos em substituição a qualificações numéricas e ao próprio sistema de avaliação. A própria aplicação do projeto será em duas etapas: em 2018, apenas 17 escolas adotariam o novo modelo, que seria universalizado a partir de 2021.

Em Buenos Aires, assim como foi no Brasil, os estudantes são a vanguarda e resistem à transformação neoliberal da escola. No próximo dia 22/9, haverá a convergência da mobilização de estudantes com a mobilização dos docentes das escolas. Esperamos que essa convergência seja um primeiro passo para a derrota da contrarreforma secundarista portenha.

[1]  A Noche de los Lápices aconteceu há 41 anos atrás, em 1976, quando 10 estudantes foram sequestrados pelos militares que governavam a Argentina desde o golpe em março do mesmo ano. O sequestro foi motivado pela luta que esses estudantes realizavam pelo passe estudantil. Desses 10, somente 4 sobreviveram a prisão e tortura. Essa luta e a tortura dos estudantes foi retratada em um triste e belo filme, Noche de los Lápices.